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Crítica | Sharp Objects – 1X07: Falling

por Luiz Santiago
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FALLING SHARP OBJECTS PLANO CRITICO

  • Há SPOILERS do episódio. Para ler as outras críticas, clique aqui.

Dentre os muitos assuntos que Sharp Objects elencou para narrar o drama de Camille, Adora e Amma — tríade da qual emana todos os outros blocos narrativos do show — um dos que se mantém vivo até agora é a noção de que tanto a mãe quanto as filhas deixam o comportamento uma da outra afetá-las — uma das partes desenvolvendo um patológico desejo de ter o controle sobre a outra. Chama-se codependência essa imensa ligação emocional viciosa e destrutiva com alguém, visão que se esparrama por dependências coadjuvantes (psicológicas e também físicas) tanto ao indivíduo-fonte do qual se depende, quanto às muitas drogas que de alguma forma podem distrair o dependente, fazendo-o se esquecer de sua angústia. Em nível máximo — embora apresente resistência, considerando a idade — esta é a posição de Amma em relação a Adora. E embora “superada” com sequelas, também é a íntima posição de Camille, que sublima isso para outros setores de sua vida, com outros vícios, outros comportamentos, eles mesmos influenciados por outros traumas e eventos de seu passado.

Mas nem só de codependência vive o trio. E sim, mesmo que algo nesse sentido possa ser lido em Adora, o caso dela é psicologicamente mais grave. Neste penúltimo episódio da minissérie, Falling, temos a primeira parte de uma verdade que, vista assim, parecia estar lá o tempo inteiro. Adora não é apenas codependente das filhas (nesse caso, de Amma e do luto da filha falecida) para ser vista como heroína, como uma boa mãe, boa cidadã, boa mulher, importante cuidadora. O caso dela é diferente. E para fazer uma leitura mais límpida a respeito de seu comportamento nesses roteiros, é preciso, antes, entender o transtorno factício do qual deriva o seu real problema: a Síndrome de Münchhausen.

A definição dessa doença psiquiátrica é bem simples: trata-se de um indivíduo que, de forma abusiva e deliberada, finge ou inflige a si mesmos doenças ou traumas para chamar atenção, cuidado e simpatia dos outros. O ciclo é rapidamente identificável: o indivíduo “sofre” de alguma dor/doença/trauma e recebe os cuidados e a atenção de todos. À medida que a cura vem, essa atenção se dissipa e a pessoa volta a criar ou fingir outra doença, porque está viciada na atenção e cuidados externos. Existe, no entanto, uma variação desse distúrbio mental, a chamada Síndrome de Münchhausen por Procuração, que é um tipo de abuso infantil. Ela se define quando um cuidador (em 85% dos casos esse cuidador é a própria mãe) utiliza-se de remédios ou mesmo venenos e outros produtos químicos para fazer com que a criança fique doente, e então, duas coisas aconteçam: tanto a criança/adolescente se torne imensamente dependente do cuidador, quanto as outras pessoas vejam o tal cuidador como uma pessoa devota, responsável e dotada de bom coração, dedicando toda sua vida, amor e energia para cuidar da pobre criança frágil e enferma. Esta é Adora.

A forma como Jean-Marc Vallée apresenta essa problemática é aplaudível. Partimos da ressaca da selvagem noite vista em Cherry e chegamos às consequências imediatas, com Camille resistindo e Amma entregando-se, mesmo a contragosto, aos cuidados criminosos da mãe. A inclusão da trilha sonora aqui entra como gritos esporádicos de socorro, toda vez que uma nova revelação ou algo notadamente ruim está para acontecer. Neste ponto, o espectador começa a redirecionar suspeitas e redefinir os papéis sociais. Os doentes. Os dependentes. Os dominadores. Os cúmplices. Notem que a relação de codependência é cimentada em Wind Gap por uma convenção social mascarada pela ideia de que bons cidadãos cristãos e pais/mães de família jamais fariam mal a alguém. Bem… a gente já viu noticiário demais para saber que esse é um ideal que está muito, muito longe da verdade. E na série isso ainda tem um bônus crítico imenso, porque joga na cara do espectador o fato de ter “colhido informações” e atribuído culpa a determinados indivíduos, com seus estereótipos peculiares (fazendo valer esse julgamento pelas mais racionais justificativas) e se esquecido de algumas obviedades. Agora sabemos.

Na dramaturgia, o grande show é dado por Amy AdamsPatricia ClarksonEliza Scanlen, as três entregando performances absurdamente louváveis para o tipo de problemas (físicos, psíquicos, emocionais) que carregam. Ao longo dessas exposições vemos a ação da polícia na prisão de John Keene (Taylor John Smith) — a história fingida dele no bar e a demora em falar que não matou as garotas foi… irritante — e a chegada de Richard no hotel para uma conversa que, diante de todas as emoções e revelações do episódio, pareceu inteiramente deslocada, especialmente quando ele justifica a investigação que fazia sobre Camille. Este, na verdade, é o único ponto fora da curva que experimentei no episódio, justamente porque destoa da linha de investigação, conversas e revelações entregue no decorrer da narrativa. Ao menos existe uma boa consequência dessa presença de Richard, com Camille recebendo os relatórios médicos, indo conversar com Jackie (Elizabeth Perkins) e encontrando-se com mais verdades inconvenientes. Se o lugar parecia apodrecido e negativamente influenciador de pessoas, este final da série mostra que as raízes da maldade não estão fora. Estão dentro. Tanto dos fazem quanto dos que se calam.

Sharp Objects – 1X07: Falling (EUA, 19 de agosto de 2018)
Direção: Jean-Marc Vallée
Roteiro: Gillian Flynn, Scott Brown (baseado na obra de Gillian Flynn)
Elenco: Amy Adams, Michael Andrew Baker, Kaegan Baron, April Brinson, Violet Brinson, Patricia Clarkson, Matt Craven, Henry Czerny, Madison Davenport, Annie Fitzgerald, Daisy Garcia, Barbara Eve Harris, Joy Jacobson, Demarcus Laney, Sophia Lillis, Therese McLaughlin, Chris Messina, Elizabeth Perkins, Eliza Scanlen, Taylor John Smith
Duração: 52 min.

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