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Crítica | Sonhos de Mulheres

por Luiz Santiago
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Após o delicado, cômico e dramaticamente caótico Uma Lição de Amor (1954), Bergman resolveu aprofundar ainda mais a sua observação para o universo feminino, pescando elementos narrativos bastante clichês da vida real e fazendo deles um ponto de encontro para personagens cativantes, dramaturgicamente ricas e sentimentalmente patéticas. Assim nasceu a ideia para o roteiro de Sonhos de Mulheres, que muitos cinéfilos consideram um ‘filme menor’ do diretor e que muitas vezes é chamado de ‘machista’ e toda sorte de nomenclaturas superficiais de quem não sabe avaliar uma obra pelo seu tempo, especialmente se a consome olhando apenas a casca.

Não é segredo para ninguém que a mulher sempre foi um grande fascínio para Bergman. Já eu seu primeiro filme, Crise (1946) o cineasta mostra mulheres com visões de mundo e vida diferentes, sempre às voltas com uma vida marcada por alguma tragédia física, moral ou ética e à procura de amor. Talvez seja nesse ponto que alguns espectadores esbarram e trazem à tona a palavra “machismo” para classificar as películas do diretor, sem observar a época em que esses filmes foram feitos ou olhar melhor para eles. Tomemos este Sonhos de Mulheres como exemplo.

À superfície, as duas protagonistas, Eva Dahlbeck (em um papel blasé, mas mesmo assim interessante) e Harriet Andersson (em uma atuação delicada, infantil, imatura — no sentido positivo — que torna sua personagem crível e apaixonante) estão em busca de um amor e quase vivem por seus objetos de desejo, homens que visivelmente as amam mas que não podem ou são impedidos de levar adiante um relacionamento com elas. Por serem mulheres em idades diferentes (havia uma terceira, mas seu bloco de história foi cortado), vemos como cada uma olha para a vida, para o fato de estarem apaixonadas e de correrem o risco de sofrer por seus sentimentos. Mas isso não é tudo. Perceba que, apesar disso, nenhuma das duas depende, de fato, de seus parceiros ou agem como frágeis donzelas à procura de proteção. Isso até pode ser mais forte para a jovem Doris, mas a construção da personagem e sua idade justificam isso.

O filme é quase uma crônica de viagem. Ele termina e começa no mesmo espaço e com a mesma ação (o ateliê da fotógrafa de moda), mas o seu verdadeiro ponto interessante está no miolo, para as duas mulheres. De alguma forma, a viagem serve para fazê-las aprender alguma coisa, seja através de um conto de fadas patético, adulto e exagerado para a personagem de Andersson — uma história em que surge, pela primeira vez na filmografia de Bergman, o “tema do lobo” –, seja através de um encontro regado a sexo, sonho, remorso e fraqueza masculina para a personagem de Dahlbeck — uma história em que volta o enfrentamento entre os sexos, motivo dramático bastante utilizado pelo diretor.

O fotógrafo Hilding Bladh faz um bom trabalho nos espaços fechados mas não ousa muito nas locações em exteriores. O grande destaque aqui vai para Gittan Gustafsson e Sven Björling, cujo desenho de produção e direção de arte, respectivamente, são admiráveis. O formato mais clean do ateliê de fotografia ou do quarto de hotel (maravilhosamente iluminado por Bladh, especialmente no crepúsculo) e o seu oposto, no interior luxuoso da casa do Cônsul, mostram uma inteligente forma de olhar os espaços e adequá-los não só dentro de sua função (isso é obrigação de todo diretor de arte), mas também compondo uma atmosfera fílmica adicional e nos dando pistas sobre a composição psicológica dos personagens aos quais esse espaço pertence.

Sonhos de Mulheres pode ser reticente em alguns pontos e carecer de força ou maior interação entre as partes; ou ainda, abusar da credibilidade do espectador para o “conto de fadas que não é um conto de fadas” envolvendo o Cônsul e a jovem Doris, mas mesmo assim é um filme muito bom e definitivamente não é um filme “menor”. Ele só não tem a grandeza absurda de longas como O Sétimo Selo, Morangos Silvestre, Persona e Gritos e Sussurros, mas não deixa de ser um Bergman legítimo, com todos aqueles ingredientes que fazem a maioria dos filmes do diretor encantar a qualquer um que os veja.

Sonhos de Mulheres (Kvinnodröm) — Suécia, 1955
Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman
Elenco: Eva Dahlbeck, Harriet Andersson, Gunnar Björnstrand, Ulf Palme, Inga Landgré, Benkt-Åke Benktsson, Sven Lindberg, Kerstin Hedeby
Duração: 87 min.

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