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Crítica | Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão

por Luiz Santiago
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Em 1955 Ingmar Bergman realizou uma leitura muito pessoal da peça Sonho de uma Noite de Verão, de William Shakespeare. Trata-se do filme Sorrisos de uma Noite de Amor, comédia romântica que acompanha as idas e vindas e as difíceis relações entre os casais, relações que são colocadas como em um tabuleiro de xadrez numa bela noite de verão na qual assistimos transformações individuais e acontecimentos decisivos na vida de cada um dos que estão na casa de campo onde a ação final acontece.

Admirador assumido de Bergman, Woody Allen mixou elementos da obra do diretor sueco e pontos específicos da peça de Shakespeare para escrever o roteiro de Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão, filme realizado praticamente ao mesmo tempo que Zelig, mas finalizado um pouco antes e lançado em meados de 1982.

A história não foge aos moldes woodyanos, porque traz a incerteza do amor e os conflitos internos em relação ao casamento ou a qualquer outro tipo de relação como a amizade e o profissionalismo, ingredientes que sempre estiveram em pauta na filmografia do diretor. A grande diferença aqui é o cenário. O campo não é um lugar recorrente na obra de Allen, e ver como ele enxerga a vida nesse espaço geográfico já é engraçado por si só, condição que melhora ainda mais porque ganha abordagem digna da vida bucólica e do tipo de relação posta em cena: é o início do século XX, um grupo de pessoas da cidade vão ao campo descansar, há um casamento para acontecer, mas como quase tudo no amor, nem sempre as coisas saem como previsto.

O roteiro assume esse tom de brincadeira o tempo inteiro, centrando em construções psicológicas bem diferentes para cada uma das personagens, criando uma fácil identificação dos tipos e até convidando o espectador a julgar quem acredita que deve ficar com quem. Essa aproximação serve para que as mudanças que ocorrem durante o filme sejam melhor apreendidas pelo público, já que há uma grande mutação em jogo, não só a empreendida pela ciranda de amores mas também a da concepção de mundo das personagens.

Mel Bourne e Speed Hopkins, responsáveis pela arte, apostaram no mínimo possível para os cenários, mas acabaram descaracterizando um pouco a época no quesito cênico, algo que bate de frente com os figurinos, que parecem ser muito mais antigos do que o ambiente filmado. O roteiro, na maior parte das vezes, deixa claro que a ação se passa por volta de 1900, mas não temos exatamente essa impressão. O próprio Allen acaba caindo em alguns anacronismos, citando no roteiro certas organizações e mostrando elementos que datam de alguns anos depois.

Quem sai ganhando na equipe técnica de Sonhos Eróticos é Gordon Willis, diretor de fotografia com grande apreço por ambientes mergulhados em filtros de luz ou escuros, nos quais ele adiciona focos e fontes externas de iluminação capazes de deixar os quadros como pinturas românticas. Aliás, é essa a impressão que temos desse filme, especialmente quando assistimos a inserção do espectador em todo o cenário da propriedade bucólica, com takes de animais, flores e localidades que veríamos aparecer já com os visitantes em cena, alguns minutos depois. Aliados à música de Felix Mendelssohn (excelente escolha de Allen para a trilha sonora, diga-se de passagem) essas tomadas ganham um significado plástico que nos lembram muito uma tela de finais do século XIX e início do XX, uma mistura de romantismo e impressionismo.

Mesmo com suas faltas técnicas e um roteiro carente de maiores motivações internas (talvez refém de uma armadilha de concepção, já que o diretor quis nos trazer uma crônica de amores falhos ao estilo Shakespeare-Bergman, portanto, não havia tanta coisa a mais que ele pudesse fazer) Sonhos Eróticos de Uma Noite de Verão é uma boa comédia bucólica, uma viagem a uma época passada em que as personagens em cena sofrem de problemas muito comuns a qualquer um de nós hoje em dia, inclusive a discussão espiritual e teórica sobre a vida a morte e outros possíveis mundos além do empírico. Também vale lembrar que o filme marca o início da parceria cinematográfica de Woody Allen com Mia Farrow, uma relação que se estenderia nas telas e na vida real até o início dos anos 90.

Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão (A Midsummer Night’s Sex Comedy) – EUA, 1982
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, José Ferrer, Julie Hagerty, Tony Roberts, Mary Steenburgen
Duração: 84 min.

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