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Crítica | Stalker

por Julhia Quadros
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O filme Stalker de Andrei Tarkóvski apresenta constantemente, desde seu início, questões profundas sobre a existência humana e sobre o mundo. Os questionamentos à sociedade são constantemente permeados pelas imagens, que perseguem um significado próprio, que melhor se aplica ao conceito de “naturalismo”, muito peculiar ao diretor. Tarkóvski, inspirando-se no livro escrito pelos irmãos Strugatski, Piquenique à Beira da Estrada, transpõe para o cinema muitos conceitos, aproveitando a linguagem das imagens para criar um ambiente original e propício para o desenrolar da estória. Esta se dá através da passagem de três personagens, Professor, Escritor e Stalker pela Zona, uma parte do mundo que interage com as pessoas que nela estão, muda de acordo com elas e realiza os desejos íntimos delas.

De acordo com a obra dos irmãos, as zonas seriam algumas partes do mundo em que povos alienígenas teriam deixado um pouco de si, em alguns momentos de passagem pelo planeta Terra; elas permaneceriam alteradas e com propriedades ainda desconhecidas pelos seres humanos. No filme, o surgimento da Zona é justificado pelo estranho aparecimento de um meteoro, a rápida necessidade de abafar o caso e distanciar as pessoas da região. Os três personagens, cujos nomes apenas se limitam às suas funções, a fim de que se reduzam a um anonimato pessoal frente à representação para a sociedade, interagem com o ambiente a cada instante e começam a repensar sobre vários valores humanos, dentre esses, questões individuais, sua importância para o universo e como seriam vistos quando voltassem da Zona. E descobrem mais sobre o mundo naquele organismo vivo que fugia à natureza humana do que na fria realidade industrial, sombria e monótona em que viviam. Neste ambiente, que tem propriedades próprias, as pessoas descobrem mais sobre elas mesmas diante de algumas situações.

O diretor também utiliza alguns elementos simbólicos para marcar alguns pontos da narrativa, como a passagem dos trens e a ida para a Zona em um vagão, o que por si só já denota uma mudança de fases. Em outros pontos, utiliza contrastes entre luz e sombras para marcar dúvidas em relação à vida e sentimento de angústia, muito frequente no início, em que os personagens estavam inseridos nesta sociedade opressiva. Tudo contrasta com o momento em que encontram a Zona, com suas paisagens vastas e inabitadas, transmitindo uma sensação de liberdade, misturada à curiosidade em relação ao desconhecido.

Esta temática permitiu a Tarkóvski que pusesse em prática muitos de seus conceitos sobre imagem, que transparecem ao longo do filme; para o cineasta, a relação entre forma e conteúdo se daria através da ideia de ícone, em que algo representa, ao mesmo tempo, o conceito real e uma metáfora, atingindo, assim, uma forma plena e que já possuiria um sentido completo. Isto se relaciona totalmente com um lugar nunca antes explorado, que interage com as pessoas que nele estão, desta forma, o filme se diferencia bastante do Piquenique à Beira da Estrada, uma vez que Tarkóvski transpõe a Zona para suas representações imagéticas; para ele, as imagens seriam como a explicação da função da música, dita no próprio filme, como uma união de sons próximos, sem um sentido narrativo que trazem prazer para quem os escuta. Seriam algo que já tem uma linguagem própria e, apesar de haver a narrativa por trás do filme, o destaque maior é para as sensações que as imagens provocam no espectador enquanto a jornada dos três personagens é retratada.

O termo stalker, de acordo com a obra dos irmãos Strugatski, seria uma pessoa que rouba objetos da Zona para revendê-los depois, um intruso, que vive às custas daquele ambiente. É curioso reparar no filme como o Stalker se sente bem apenas ali, onde é menos opressivo para  ele que o mundo real e o único lugar onde ele se reconhece realmente como indivíduo. A todo tempo, Tarkóvski, com seu trabalho com a imagem, nos leva a ter sensações compatíveis com as do personagem. Incômodo, claustrofobia, liberdade, medo, curiosidades que vão se seguindo com as alterações de ambientes dentro e fora da Zona.

Porém, talvez o ponto mais brilhante do filme seja a evolução de questões próximas em âmbitos paralelos. A consciência pessoal e o caminho em direção ao conhecimento humano se dão junto à descoberta de um mundo que se estende para além do planeta. Esta relação entre indivíduo e universo se funde como em poucas obras e demonstra o domínio do cineasta da evolução dos conceitos que queria transmitir ao longo de sua obra. O livro de Tarkóvski, Esculpir o Tempo, apresenta seus conceitos de sua teoria de cinema e, em alguns casos, percebe-se certa influência de Hegel. Realmente, muito da ideologia do filósofo alemão sobre a dialética se revela neste filme, uma vez que chega-se a conceitos novos através do embate entre o ambiente e os indivíduos e a apresentação de obstáculos entre eles.

Stalker (idem – União Soviética, 1979)
Direção:
Andrei Tarkovsky 
Roteiro:
Arkadiy Strugatskiy, Boris Strugatskiy, Andrei Tarkovsky 
Elenco:
Alisa Freyndlikh, Aleksandr Kaydanovskiy, Anatoliy Solonitsyn, Nikolay Grinko, Natalya Abramova 
Duração:
163 min.

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