Home FilmesCríticas Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras (Com Spoilers)

Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras (Com Spoilers)

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

Obs: Esta crítica contém spoilers, recomendamos sua leitura somente após ter assistido o filme. Nossa crítica sem spoilers pode ser acessada aqui. As críticas dos demais filmes da franquia podem ser lidas aqui.

Obs 2: A crítica conta com mais de uma página, não deixe de ler as seguintes.


Um breve toque pessoal

Lembro-me até hoje de meu primeiro contato com Star Trek, ou Jornada nas Estrelas, como ainda era chamado antes da Kelvin Timeline. Ainda jovem, assisti o primeiro filme junto de meu segundo pai e nosso editor Ritter Fan, muito antes dos tempos de Plano Crítico. Eu sempre fora grande fã de ficção científica e logo fui fisgado, muito embora o longa-metragem em si não seja nenhuma maravilha. Mas a intenção não era simplesmente ver Jornada nas Estrelas: O Filme e sim partirmos direto para A Ira de Khan. Não é preciso dizer que, desde então, nunca me esqueci do icônico “KHAAAAAN!”.

Pulemos, agora, alguns anos para 2009, especificamente para o dia da estreia da primeira obra do reboot, 8 de maio. Estava com amigos no shopping e, naturalmente, já havia lido sobre a qualidade do filme, visto que esse estreou um mês antes nos EUA. Tomei para mim convencer os que estavam comigo a assistir, muito embora nenhum deles tivesse visto qualquer um dos longas ou séries clássicas da franquia. Com sucesso, partimos para a sala do cinema e vimos a história de Star Trek ser mudada para sempre, tanto para os personagens, quanto para nós espectadores, que presenciamos um novo sopro de vida que revitalizou a criação de Gene Roddenberry de maneira essencial.

Após uma continuação que deixou a desejar, embora ainda seja diversão garantida (eu pessoalmente gosto um pouco mais do filme que nosso querido Ritter), chegamos, enfim, à terceira obra da Kelvin Timeline, que já nos coloca dentro da lendária missão de cinco anos da Enterprise. Mas antes de entrarmos no filme em si, vamos falar um pouco sobre sua produção. Como a maioria sabe, J.J. Abrams teve de sair da franquia, permanecendo apenas como produtor, para dirigir O Despertar da Força. A escolha de um novo diretor, contudo, não seria nada fácil – Abrams, apesar de seus maneirismos diretoriais, conseguiu realizar o melhor reboot da História do Cinema. O primeiro a ser considerado para substituí-lo fora Roberto Orci, um dos nomes responsáveis pelo roteiro dos dois primeiros filmes. Logo, contudo, Orci também passou para o cargo de produtor e a direção ficou nas mãos de Justin Lin, que trabalhara na franquia Velozes e Furiosos.

O roteiro passou pela mesma situação, ao passo que a equipe também foi toda mudada e passara por diversas mãos, tendo, inclusive, de ser reescrito, até chegar a Simon Pegg e Doug Jung. O destino de Star Trek, portanto, era mais que incerto, ainda que Pegg já houvesse nos trazido a fantástica Trilogia do Cornetto (como ator e co-roteirista). Uma coisa era certa, porém: veríamos algo diferente do que J.J. nos trouxera, por mais que, evidentemente, os novos realizadores não desrespeitassem a linguagem estabelecida até aqui. O que recebemos, felizmente, vai muito além disso, trata-se de uma homenagem a esse universo como um todo, ao mesmo tempo que essa nova linha temporal passa a caminhar com suas próprias pernas, nos trazendo uma história completamente inédita, que apenas amplia a criação de Roddenberry.

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O Início da Jornada

Iniciamos a trama de forma similar à Além da Escuridão. Kirk (Chris Pine) está em um planeta procurando estabelecer a paz entre duas raças. De forma simples, o roteiro de Pegg e Jung já fisga nossa atenção de imediato, através de uma quebra de expectativa bem divertida, que muito bem faz uso da perspectiva para esconder o tamanho das criaturas em questão. O capitão da Enterprise aqui apresenta um artefato, uma antiga arma, aparentemente obsoleta. O que não sabemos, contudo, é que o texto espertamente já faz uso desse prólogo para preparar o terreno da trama principal – há a formação de uma linda coesão aqui que apenas é fortemente solidificada com o passar do tempo.

Ao voltar para a Enterprise, Kirk pede a Spock (Zachary Quinto) para catalogar e guardar esse objeto, o que já permite que o vilão, Krall (Idris Elba), tenha acesso a essa informação, visto que descobrimos depois que ele tem acesso aos dados da Federação. Percebam como nada é por acaso, a aparição desse antagonista não ocorre somente agora por puro “roteirismo”. Somente nesse momento ele descobre a localização daquilo que, há muito, tanto procurava e o fato de estar na posse da Enterprise explica o envolvimento dessa com toda essa trama nefasta. Não se trata apenas de azar ou sorte da tripulação em estar ali naquela exata hora, naquele exato lugar.

Ainda na chegada de Kirk, ouvimos uma importante fala de McCoy (Karl Urban) acerca da saúde de seu capitão. Ele comenta sobre a reaparição da veia saltante em sua têmpora, o que nos revela que Jim já estava sob considerável estresse mental mesmo antes dessa negociação falha com as gigantescamente pequenas criaturas. Magro evidentemente está preocupado, como sempre está. A câmera vai para fora da Enterprise, com uma câmera giratória, mostrando como a nova direção respeita o que veio antes, adotando elementos similares à linguagem estabelecida por Abrams. Não é apenas isso, contudo. Com essa movimentação, cria-se a sensação de instabilidade no espectador e também uma alusão à rotina (ainda que bastante peculiar) que tomou toda a tripulação. É interessante notar, também, como o diálogo posterior entre Kirk e a Comodoro Paris (Shohreh Aghdashloo) justifica essa escolha da direção, visto que ela explicitamente diz que no espaço não existe um referencial relativo – não há em cima ou embaixo, esquerda ou direita, apenas a vastidão e, naturalmente, isso se aplica à dimensão temporal.

Tal questão é apenas confirmada pela narração em off, em forma de diário de bordo, que assistimos na sequência seguinte. Descobrimos que já estamos quase três anos dentro da missão de cinco anos, que não é a maravilha que Kirk acreditava ser no filme anterior, o que já revela um grande amadurecimento do protagonista, algo que se mantém durante todo o longa-metragem, visto que ele está longe de ser aquele garoto rebelde que conhecemos em Star Trek.

O voice-over nos apresenta à situação atual da famosa nave e o estado mental dos personagens, e às diferentes formas como lidam com esse longo tempo no espaço. Kirk se refere à sua rotina como episódica, evidentemente referenciando a série original, afinal, cada capítulo trazia uma situação inusitada diferente, de forma discreta. Em uma nota à parte, também vemos que Chekov (o saudoso Anton Yelchin) tornou-se um verdadeiro mulherengo (herdou de seu capitão, provavelmente), o que perfeitamente se encaixa com o personagem, visto que, no primeiro filme, ele tinha apenas dezessete anos. Mais uma forma como o roteiro prova saber dialogar com o que veio antes. Acima disso tudo, porém, descobrimos o cansaço de Kirk, que o levaria a ansiar por uma posição fora do comando de uma nave e que, posteriormente, criaria mais uma conexão entre Jim e o antagonista da obra, que é um retrato do que ele poderia se tornar não fosse sua equipe.

A conversa com McCoy é, então, retomada enquanto ele e Kirk estão dividindo o uísque de Chekov. Vejam como a preocupação do doutor é retomada aqui, explicando o porquê de ele decidir encontrar com seu amigo nesse presente momento. Uma ação organicamente leva à outra, de forma que a narrativa se torna cada vez mais fluida, sem pular de uma ação para a outra sem qualquer explicação, ao mesmo tempo que não peca ao cair no didatismo. Interessante é notar aqui como Magro fala para seu amigo que ele está aprendendo a não ser apenas uma sombra de seu pai, o que cria um interessante diálogo metalinguístico – o novo Kirk deixa de apenas ser um espelho do velho (em outras palavras, o querido William Shatner), pois, como já dito, essa é a primeira história a trazer elementos inteiramente novos à franquia.

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