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Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Obs: Leia, aqui, as críticas dos demais filmes da franquia. Crítica originalmente publicada em 31 de julho de 2016.

O terceiro filme da chamada Linha Temporal Kelvin de Star Trek é o primeiro a realmente caminhar com seus próprios passos, criando mitologia desconectada de todo o material que veio antes na longeva série, ainda que as importantes piscadelas deferenciais ao passado estejam presentes para manter os fãs ardorosos felizes. E tudo isso em um filme improvavelmente dirigido por Justin Lin, escolha assustadora da Paramount, considerando que, de relevante em seu currículo, ele só tinha mesmo quatro longas da franquia Velozes e Furiosos, que não poderia ser mais diferente da estrutura normalmente mais cerebral que a criação cinquentenária de Gene Roddenberry costuma abraçar.

E o resultado surpreende.

Iniciando a fita já no terceiro ano da missão em espaço profundo da Enterprise sob o comando de James T. Kirk (Chris Pine), logo vemos a introdução de um MacGuffin que servirá de propósito à progressão narrativa e à duvida por que passa o capitão. Ele já está estabelecido em seu posto, mas está incerto sobre quem ele realmente é. O roteiro, desta feita escrito por Simon Pegg e Doug Jung (respectivamente o engenheiro Scotty e Ben, o marido de Sulu que, no filme, é revelado como gay), não carrega muito na dúvida existencial, ainda que, tematicamente, essa questão permaneça constante até os últimos minutos de projeção demonstrando o cuidado na criação de um roteiro circular e lógico. Sem perder muito tempo, então, Kirk e sua tripulação, depois de chegar em Yorktown, uma enorme base da Federação dos Planetas Unidos (imaginem uma Estrela da Morte transparente e benigna), logo partem em uma missão de resgate que os colocam em confronto direto com um novo inimigo, Krall, vivido por um irreconhecível Idris Elba.

A história funciona muito bem ao fugir do didatismo e apresentar não só um vilão carismático que tem sua história abordada organicamente ao longo da fita, como também ao criar a guerreira alienígena Jaylah (Sofia Boutella, a Gazelle de Kingsman), que se torna aliada da Frota Estelar depois que esbarra em Scotty no planeta Altamid. Além disso e ainda mais importante, os roteiristas se despem do exagero referencial que Roberto Orci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof trouxeram para Além da Escuridão: Star Trek e que acabou freando o potencial do segundo filme, mas sem se esquecerem do passado (o velho Spock do saudoso Leonard Nimoy é presença “ausente” constante) e, claro, do humor. Neste último quesito aliás, Pegg e Jung acertam ao separar a tripulação em núcleos, conseguindo, com isso, que a narrativa ganhe em agilidade e na boa distribuição de tempo dos personagens em tela, talvez com Uhura (Zoe Saldana) perdendo um pouco o espaço que mereceria ter. Mas a interação antitética de Magro (Karl Urban) com Spock (Zachary Quinto) é sempre uma diversão e, aqui, ganha tempo para desenvolver-se muito adequadamente.

Mas Justin Lin é Justin Lin e, com isso, era inevitável que seus maneirismos apoteóticos sangrassem para Star Trek: Sem Fronteiras. Ainda que seus movimentos frenéticos de câmera funcionem nas tomadas espaciais, onde não há gravidade e, portanto, há sentido orgânico nas piruetas e reviravoltas que a objetiva dá incessantemente, Lin e seu diretor de fotografia Stephen F. Windon (que também trabalhou em quatro Velozes e Furiosos, três deles com Lin na direção) continuam com a agressão sensorial também durante as diversas sequências em Altamid, sejam elas movimentadas ou calmas. É aquela velha história: tudo em excesso é ruim e a desorientação causada pela brusquidão e invencionice do trabalho de câmera aqui não é uma exceção para a regra.

É bem verdade, porém, que a montagem tenta compensar os arroubos de Lin e quase alcançam um equilíbrio. Quase. O esforço é hercúleo, notadamente no clímax no planeta Altamid e durante as batalhas espaciais, dada a necessidade de se abordar diversos personagens ou duplas de personagens em frenética sucessão e a natureza peculiar da frota de Krall.

Mais uma vez, como não poderia deixar de ser, temos uma produção carregada de efeitos em computação gráfica e, ainda que as criaturas 100% CGI não assombrem (reparem nos alienígenas borrachudos do prelúdio) e seja possível ver muita artificialidade nas sequências mais complexas, o trabalho, em seu conjunto, é digno do “selo Star Trek” e muito disso se deve ao design de produção arrojado de Thomas E. Sanders que cria cenários de se tirar o fôlego e que os geninhos da computação gráfica das diversas casas de efeitos especiais contratadas para a produção trazem à vida maravilhosamente bem. O mesmo se pode dizer das espetaculares batalhas espaciais, com especial destaque para a primeira delas, que é carregada de frescor e originalidade e, pelo menos dentro da franquia, é a melhor já feita considerando-se todos os 13 filmes até agora.

Mesmo com o CGI prevalente, são muito bem vindas as sequências com efeitos práticos também, além do uso extenso de maquiagem real fundida com digital, algo que fica claro em Krall e também na alienígena Syl (Melissa Roxburgh). É bom ver um pouco da pegada old school em um filme tão dependente de bits e bytes.

A grande verdade, porém, é que Star Trek: Sem Fronteiras não seria o que é não fosse o elenco absolutamente cativante, com a equipe fixa capturando à exatidão suas contrapartidas clássicas, mas emprestando sua próprias personalidades e com Sofia Boutella e Idris Elba criando personagens novos de se tirar o chapéu. Aliás, vale comentar que Elba, mesmo debaixo de pesada maquiagem, faz excepcional trabalho de voz, carregando em um sotaque africano que muitos poderiam ver como estereotipado, mas que faz sentido narrativo. No mesmo ano em que ele emprestou sua voz ao Chefe Bogo de Zootopia e a Fluke, de Procurando Dory, o ator arrasa mais uma vez com sua imponência vocal, o que torna obrigatório conferir Sem Fronteiras em sua versão original.

Justin Lin faz o improvável e traz às telas um grande exemplar da nova versão de Star Trek. Energético até demais, mas sem esquecer do lado filosófico que sempre marcou a franquia, Sem Fronteiras provavelmente agradará igualmente fãs antigos e novos. Vida longa e prosperidade à série!

Obs: O 3D do filme não é particularmente especial, mas também não atrapalha muito (nunca fui apreciador desse artifício caça-níquel) e Justin Lin não faz uso de todo seu potencial ao trabalhar com profundidade de campo muitas vezes reduzida em sequências não espaciais, o que retira o propósito da tecnologia e até mesmo gera razoavelmente desagradáveis efeitos de “bloqueio de visão” no primeiro plano de algumas sequências. No entanto, àqueles que puderem, recomendo assistir ao filme na maior tela possível – de preferência IMAX – já que Lin faz bom uso das tomadas em plano geral e a luminosidade do projetor da telona especial compensa a escuridão que projetores normalmente mal regulados de cinemas comuns trazem para o 3D. Mas, claro, considerando o frenesi da câmera do diretor, prepare-se para ficar duplamente desnorteado!

Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond, EUA – 2016)
Direção: Justin Lin
Roteiro: Simon Pegg, Doug Jung (baseado em série criada por Gene Roddenberry)
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella, Joe Taslim, Lydia Wilson, Deep Roy, Melissa Roxburgh, Anita Brown, Doug Jung, Danny Pudi, Kim Kold
Duração: 122 min.

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