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Crítica | Star Trek: Série Original – 1ª Temporada (Jornada nas Estrelas, 1966 – 1967)

por Luiz Santiago
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Espaço: a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para explorar novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações… audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve. Assim o público foi apresentado, pela primeira vez, a Star Trek, no dia 8 de Setembro de 1966. A série, esboçada por Gene Roddenberry dois anos antes, teve produção da Desilu e seu episódio piloto, A Gaiola, foi submetido à NBC, rede que exibiria o programa, mas foi rejeitado. Após um novo piloto encomendado, Onde Nenhum Homem Jamais Esteve, e a aprovação da emissora, a grande jornada, definida por seu criador como um “vagão de trem para as estrelas”, foi oficialmente iniciada.

Grande fã de ficção científica, Roddenberry baseou-se em clássicos literários do gênero (destaque para o mestre A. E. van Vogt); na dinâmica do cinema de faroeste e em filmes como O Dia em que a Terra Parou (1951) e Planeta Proibido (1956), para estruturar a ideia geral do programa. Uma das colocações do autor era que Star Trek deveria ir no caminho oposto à leve Perdidos no Espaço. Sua intenção era realizar uma série que fosse, de fato, um produto de ficção científica e utilizasse não apenas o aporte imaginativo do gênero, mas também o seu lado da ciência, incluindo no roteiro, sempre que possível, indícios de descobertas estelares ou resoluções que eram matemática, física ou quimicamente corretas.

Mesmo depois de ter que retirar a atriz Majel Barrett do cargo de Primeira Oficial e colocar Leonard Nimoy no lugar, Roddenberry não desistiu de tornar a Enterprise um lugar inclusivo e, a partir daí, fazer com que as missões dessem destaque a personagens de etnias, nacionalidades e culturas completamente diferentes. Da equipe oficial nesta 1ª Temporada, temos como protagonistas o Capitão James T. Kirk (William Shatner, o Ego da nave, aglutinando as decisões que passam pela luta entre seus interlocutores mais frequentes); o Doutor Leonard “Magro” McCoy (DeForest Kelley, uma espécie de ID da nave, com emoções sempre à flor da pele); e o Primeiro Oficial Spock (Leonard Nimoy, o Superego da nave, uma espécie de “pai natural”, completamente lógico em suas ações e decisões).

Mesmo considerando que a aparência dada ao personagem de Nimoy tivesse um sentido de inclusão para outras espécies na série — princípio de convivência e respeito com o que é diferente, um dos motes de Star Trek, desde o seu início — outra tríade de personagens assumiu muito bem esse lado, mantendo bandeiras sociais importantes nos anos 1960, período da Corrida Espacial, com picos de medo da Guerra Fria e recrudescimento de ações preconceituosas vindas como resposta às lutas para igualdade social e de direitos que tomaram as ruas de diversas cidades dos Estados Unidos e da Europa. Desse modo, há um significado muito grande quando vemos em cena personagens como Sulu (George Takei, o Piloto e Comandante de Armas de ascendência asiática em uma série americana, em plena Guerra do Vietnã); Uhura (Nichelle Nichols, a Oficial de Comunicações, um posto importantíssimo para uma mulher negra na década-chave da luta pelos direitos dessa comunidade nos EUA — a atriz até tentou desistir do papel, mas foi persuadida a ficar por ninguém menos que Martin Luther King); e até Scott (James Doohan, o Engenheiro Chefe escocês, representando uma parte das raízes da Terra do Tio Sam).

Juntar essa equipe em uma série sci-fi com tantos episódios (29, nessa temporada, com 50 minutos de duração, cada um) não foi fácil, e para que isto se mantivesse coerente, houve um forte investimento em temáticas reflexivas, que serviam como “peças morais” do século 23, que é quando essas aventuras ocorrem — com algumas exceções de viagens no tempo ou paradoxos, a exemplo do excelente Amanhã é Ontem (1X19) e do inesquecível e emotivo A Cidade à Beira da Eternidade (1X28).

A despeito do mirrado orçamento destinado à série, o desenho de produção e a direção de arte conseguiram entregar uma temporada visualmente fascinante. Comecemos pelo reconhecimento do trabalho de Matt Jefferies, o aviador e artista mecânico que projetou o desenho da Enterprise e a maioria dos painéis e espaços de seu interior. Ao lado de seu irmão John Jefferies, Matt foi o responsável pelo carro-chefe do aparato visual de Star Trek, uma vez que a maior parte dos eventos aconteceriam dentro da nave. Aparelhos como fasers, comunicadores e todo o fantástico espaço tecnológico da Sala de Comando ganharam vida a partir de seu trabalho (o último citado, desenvolvido a partir de um desenho do diretor de arte Pato Guzmán).

Os três primeiros episódios da temporada, O Sal da Terra, O Estranho Charlie e Onde Nenhum Homem Jamais Esteve servem como introdução geral do programa ao espectador, mostrando basicamente tudo o que precisávamos saber para seguir assistindo. Poucas adições marcantes seriam feitas até o fim deste primeiro ano, mas, dentre elas, destacamos a que ocorreu no estupendo A Semente do Espaço (1X22), que nos apresenta pela primeira vez o icônico Khan (Ricardo Montalbán, em uma interpretação para aplaudir de pé) e discute política e governos ditatoriais a partir do fascínio que boa parte das civilizações têm em relação a esse tipo de “Líder Supremo”.

A partir de Tempo de Nudez (1X04), existe uma mudança temática mais intensa nos roteiros. Os temas tratados vão se tornando cada vez mais complexos e ameaçam de maneira mais palpável os tripulantes da Enterprise. Já a esta altura, estamos acostumados com a mudança dos uniformes (na Série Clássica: amarelo para postos de comando; azul para postos de ciências, e vermelho para operações/segurança), criados pelo figurinista da série, William Theiss, que também faria o guarda-roupa original dos Romulanos (com primeira aparição em O Equilíbrio do Terror [1X14], episódio que apresenta um tocante discurso contra o preconceito e uma visão não-maniqueísta dos vilões); Klingons (com primeira aparição em Missão de Misericórdia [1X22], episódio que discute pacifismo e belicismo, problematizando mais uma vez a guerra, agora a partir do princípio de ação de seus comandantes); e Vulcanos, pré-apresentados desde que a aparência de Spock foi explicada, ainda no piloto.

Mesmo nos capítulos com direção mais frouxa e roteiro não tão bem trabalhado, o espectador conta com cenários e tramas que chamam a atenção, de modo que não existe, nesta temporada, um único momento que se possa classificar, realmente, como “dispensável”. Claro que teríamos um resultado melhor se alguns capítulos trouxessem um rumo diferente em seu desenvolvimento ou finalização, mas é sempre possível interpretar ou tirar alguma coisa muito boa dessas aventuras, vide O Ardil Carbomite (1X10), que explora a dificuldade de comunicação e problemas de primeiro contato entre culturas/raças distintas; o desfecho do arco dos Talosianos, em A Coleção – Parte 2 (1X12); e o bem chateante O Fator Alternativo (1X27), o episódio mais fraco da temporada, que ainda assim, consegue levantar em seu “blablabla-científico” uma discussão sobre altruísmo, condenação eterna por um bem maior e Complexo de Cassandra.

Ao longo da temporada, a mentalidade fértil e exigência de Gene Roddenberry para com a série foi aparecendo nas escolhas que ele fez ou orientou os roteiristas a fazerem, como apresentar a ideia literária e filosófica do duplo em O Inimigo Interior (1X05); disfarçar a prostituição e o tráfico de mulheres em um quase conto de fadas em As Mulheres de Mudd (1X06), temática que ganha um aspecto diferente logo a seguir, na primeira oposição entre homens e máquinas, no episódio E as Meninas, de Que São Feitas?; falar sobre ética médica, bioética e limites de certas pesquisas em O Punhal Imaginário (1X09), temática mais ou menos visitada anteriormente em Miri, com pinceladas de O Senhor das Moscas e impasses da terapia genética; ou criticar a extrema confiança no computador e deixar-se alienar por ele a ponto de se tornar insensível, como vemos no excelente Um Gosto de Armagedom (1X23).

Sabendo que não existia limites ou tempo para visitar e explorar alguma coisa, Roddenberry pedia que os roteiros fossem centrados na máxima de “contar uma boa história; uma história inteligente” e a partir daí, algumas doses de exagero e [quase] ciência eram adicionadas a dramas que divertiam e discutiam muitos temas ou homenageavam algumas pessoas, como é o caso do Shakespeariano A Consciência do Rei (1X13) e o Suntzuniano O Primeiro Comando (1X16); ou visitavam certas linhas de pensamento, como a mecanização e burocratização da Justiça em Corte Marcial (1X20); a sátira do “vilão cativante”, Trelane — William Campbell em uma excelente atuação e claramente se divertindo muito no papel –, em O Senhor de Gothos (1X17); o retorno à ideia de que somos precoces em julgar pela aparência e querer eliminar, por medo, qualquer coisa que não conhecemos, em O Demônio na Escuridão (1X25) e, por fim, a dificuldade de se resolver dilemas morais quando há algum elemento passional em jogo, justamente no finale da temporada, Operação: Aniquilar! (1X29).

A 1ª Temporada de Star Trek é extremamente divertida de se assistir. É verdade que há momentos sonolentos e roteiros com resoluções que nos fazem rir, tamanho nível de ingenuidade da coisa, mas como já afirmamos anteriormente, mesmo nesses casos, existe algo maior e mais interessante em jogo do que apenas o erro em evidência. O fato de os episódios não terem uma continuidade narrativa (mesmo os que fazem parte de um arco, podem facilmente ser vistos de forma isolada) facilita um acompanhamento mais esparsado, sem comprometer o entendimento geral dos eventos. Ao chegar no último episódio, o espectador está de tal forma envolvido com a dinâmica das viagens estelares e com o formato de “pensar coisas do nosso século em uma série sobre o futuro” que parte imediatamente para a viagem seguinte, para o próximo lugar onde homem algum jamais esteve.

Notas individuais dos episódios

Aqui estão disponibilizadas algumas informações sobre os episódios desta 1ª Temporada de Star Trek. Na coluna da esquerda, a classificação por ordem de exibição, o título original e a data estelar (de início e fim) da trama. Na coluna da direita, os títulos dos episódios em português, o principal cenário onde se passa, a possível indicação de um arco e a nota que eu atribuo a ele.

1X00

The Cage

A Gaiola

Planeta Talos IV / Arco: The Talosians, 1 de 3

1X01

The Man Trap

1513.1 — 1513.8

O Sal da Terra

Planeta M-113

1X02

Charlie X

1533.6 — 1535.8

O Estranho Charlie

Planeta Thasus, em direção a Colony 5

1X03

Where No Man Has Gone Before

1312.4 — 1313.8

Onde Nenhum Homem Jamais Esteve

Planeta Delta Vega

1X04

The Naked Time

1704.2 — 1704.4

Tempo de Nudez

Planeta Psi 2000 / Arco: Polywater Intoxication, 1 de 2

1X05

The Enemy Within

1672.1 — 1673.1

O Inimigo Interior

Planeta Alfa 177

1X06

Mudd’s Women

1329.8 — 1330.1

As Mulheres de Mudd

Planeta Rigel XII / Arco: Harry Mudd, 1 de 3

1X07

What Are Little Girls Made Of?

2712.4

E as Meninas, de Que São Feitas?

Planeta Exo III

1X08

Miri

2713.5 — 2713.3

Miri

Planeta Terra

1X09

Dagger of the Mind

2715.1 — 2715.2

O Punhal Imaginário

Colônia Penal do planeta Tantalus V

1X10

The Corbomite Maneuver

1512.2 — 1514.1

O Ardil Corbomite

Região inexplorada pela United Federation of Planets

1X11

The Menagerie, Part I

3012.4 — 3012.6

A Coleção – Primeira Parte

Starbase 11 / Arco: The Talosians, 2 de 3

1X12

The Menagerie, Part II

3013.1 — 3013.2

A Coleção – Segunda Parte

Starbase 11 e Talos IV / Arco: The Talosians, 3 de 3

1X13

The Conscience of the King

2817.6 — 2819.8

A Consciência do Rei

Planeta Cygnia Minor

1X14

Balance of Terror

1709.2 — 1709.6

O Equilíbrio do Terror

Romulan Neutral Zone, próximo aos Postos Terrestres 2 e 3

1X15

Shore Leave

3025.3 — 3025.8

A Licença

Planeta semelhante à Terra na região de Omicron Delta

1X16

The Galileo Seven

2821.5 — 2823.8

O Primeiro Comando

Formação Murasaki 312, em direção a Makus III

1X17

The Squire of Gothos

2124.5 — 2126.3

O Senhor de Gothos

Planeta Gothos

1X18

Arena

3045.6 — 3046.2

Arena

Posto de Cestus III e região espacial 2466 PM

1X19

Tomorrow is Yesterday

3113.2 — 3114.1

Amanhã é Ontem

Planeta Terra, Sistema Solar

1X20

Court Martial

2947.3 — 2950.1

Corte Marcial

Starbase 11

1X21

The Return of the Archons

3156.2 — 3158.7

A Hora Rubra

Planeta Beta III

1X22

Space Seed

3141.9 — 3143.3

A Semente do Espaço

Espaço Profundo / Arco: Khan Noonien Singh 1 de 2

1X23

A Taste of Armageddon

3192.1 — 3193.0

Um Gosto de Armagedom

Planeta Eminiar VII

1X24

This Side of Paradise

3417.3 — 3417.7

Este Lado do Paraíso

Planeta Omicron Ceti III

1X25

The Devil in the Dark

3196.1

O Demônio na Escuridão

Planeta Janus VI

1X26

Errand of Mercy

3198.4 — 3201.7

Missão de Misericórdia

Planeta Organia

1X27

The Alternative Factor

3087.6 — 3088.7

O Fator Alternativo

Planeta não nomeado

1X28

The City on the Edge of Forever

?

A Cidade à Beira da Eternidade

Planeta não nomeado / Planeta Terra

1X29

Operation — Annihilate!

3287.2 — 3289.8

Operação: Aniquilar!

Planeta Deneva Prime

Star Trek: Série Original – 1ª Temporada / Jornada nas Estrelas (Star Trek: The Original Series) – EUA, 1966 – 1967
Criador: Gene Roddenberry
Direção: Marc Daniels, Lawrence Dobkin, James Goldstone, Leo Penn, Harvey Hart, Vincent McEveety, Joseph Sargent, Robert Butler, Gerd Oswald, Robert Sparr, Robert Gist, Don McDougall, Joseph Pevney, Michael O’Herlihy, Ralph Senensky, John Newland, Herschel Daugherty
Roteiros: Gene Roddenberry, George Clayton Johnson, Samuel A. Peeples, John D. F. Black, Richard Matheson, Robert Bloch, Adrian Spies, S. Bar-David, Jerry Sohl, Barry Trivers, Paul Schneider, Theodore Sturgeon, Oliver Crawford, Fredric Brown, D. C. Fontana, Don M. Mankiewicz, Carey Wilber, Robert Hamner, Nathan Butler, Gene L. Coon, Don Ingalls, Harlan Ellison, Steven W. Carabatsos
Elenco principal: Leonard Nimoy, William Shatner, DeForest Kelley, Nichelle Nichols, James Doohan, Eddie Paskey, George Takei, Grace Lee Whitney, Sean Morgan
Duração: 29 episódios de 50 min.

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