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Crítica | Star Wars: O Despertar da Força (Com Spoilers)

por Guilherme Coral
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estrelas 3,5

Obs: Leia nossa crítica SEM SPOILERS, aqui.

Lembro-me claramente das primeiras vezes que assisti a trilogia original de Star Wars – era 1997, em virtude dos vinte anos do primeiro filme, os três longas originais foram relançados nos cinemas ao redor do mundo. Acompanhado de minha mãe e padrasto fui assistir o já renomeado Uma Nova Esperança, me perguntando por que raios assistiríamos o Episódio IV e não o I (que sequer havia sido lançado, claro). De imediato fui cativado pela franquia e, em O Império Contra-Ataca, cujo ingresso ainda guardo a sete chaves, podem imaginar meu choque quando Luke perdeu a mão e logo em seguida descobriu que seu pai era Darth Vader! Desde então já perdi as contas de quantas vezes reassisti a cada um dos filmes da saga, mas devem ter sido muitas, já que eu sei de cor algumas falas de Jabba (é sério). Muito antes de qualquer namoradinha de colégio, Star Wars foi minha primeira paixão e continua sendo a mais forte.

Mas por que entro nesses detalhes pessoais? Simplesmente para deixar claro o quão difícil é escrever uma crítica de algo que amamos, especialmente quando a obra em questão conta com seus inegáveis defeitos. Fosse simplesmente pelo meu lado fã eu daria cinco estrelas imediatamente para O Despertar da Força – independente de seus deslizes eu ainda sinto arrepios todas as vezes que a nave de Kylo Ren desce pela primeira vez em Jakku, quando Finn grita para Poe “did you see that? DID YOU SEE THAT?”, ou quando Dameron mostra, destruindo inúmeros ties, que é “one heck of a pilot” e deixo uma lágrimazinha escapar quando Luke Skywalker, que não aparecia em tela desde O Retorno de Jedi, tira seu capuz. Dito isso saibam que as três estrelas e meia dessa crítica não significam que a Força não está com o Episódio VII.

O Despertar da Força definitivamente conta com um dos melhores trechos iniciais da franquia, ao lado de Uma Nova EsperançaO Império Contra-Ataca, naturalmente. Através de uma montagem paralela de literalmente tirar o fôlego, pois o filme de J.J. Abrams nos dá pouco espaço para respirar, somos apresentados aos novos personagens principais dessa trilogia: Finn (John Boyega), Rey (Daisy Ridley), Poe (Oscar Isaac) e Kylo Ren (Adam Driver). Aos moldes da primeira obra lançada desse universo, começamos com um Star Destroyer em tela, orbitando o planeta desértico Jakku. Vemos naves saindo desse gigantesco cruzador e pulamos para o interior de uma cabana, na qual Dameron conversa com Lor San Tekka (Max von Sydow), nos introduzindo, de imediato ao ponto principal da narrativa: a busca por Luke Skywalker (Mark Hamill).

O que vemos a seguir é um dos elementos que mais diferencia essa nova entrada da franquia do que veio antes. Testemunhamos de perto os horrores perpetrados pela Primeira Ordem, sucessora do Império, em primeira mão. Não que algo parecido já não tivesse sido exibido na franquia, afinal a destruição de Alderaan e a morte dos tios de Luke continuam como grandes choques para o marinheiro de primeira viagem nesse universo. A questão é que a crueldade da Primeira Ordem se torna palpável e é exibida em um tom mais sombrio do que o que estamos acostumados a ver em Star Wars. A própria presença de sangue já é algo digno de nota, visto que só chegamos a ter isso no Episódio IV.

Tão importante quanto revelar a natureza dessa organização, porém, é a construção do personagem de Finn, que já é introduzido como uma pessoa abalada pelo que enxerga naquela pequena vila. Ele é o mais humano nos stormtroopers, que, até então, eram mostrados como quase máquinas, seguindo ordens cegamente. Fora isso, a figura de Ren já começa a ser trabalhada nessa sequência de abertura, algo que vai se aprofundando no restante do filme. Reparem como ele se agacha para falar com Poe, uma ação muito representativa para o colocar no mesmo nível dos outros personagens. A figura de Vader, com movimentos lentos, perfeitamente controlados é desconstruída, nesse homem que quer se espelhar no seu avô enxergamos a impulsividade, emoções fora de controle, sobretudo a incerteza.

Partimos, então, para a apresentação de Rey, que evidentemente espelha a de Luke, através de suas roupas e o cenário desértico que os envolve. Há, contudo, uma essencial diferença: enquanto o Skywalker fora criado pela sua família, Rey cresceu praticamente sozinha, sendo forçada a aprender a se virar por conta própria e lutar para sobreviver na desolação de Jakku. De imediato ela é introduzida como uma personagem independente e bondosa, correndo para salvar BB-8, que, então, começa a demonstrar todo o seu carisma através de sons bastante expressivos. Sob muitos aspectos Rey é uma Jedi sem qualquer treinamento – conforme o filme progride descobrimos que ela é sensitiva à Força e o roteiro de Abrams, Kasdan e Arndt certamente faz um bom trabalho ao revelar as habilidades da heroína desde cedo, que vão desde a luta com bastão, até conhecimento da “lingua” dos dróides.

A partir desse momento a já citada montagem paralela começa a aparecer com mais destaque – pulamos de Poe, para Finn e depois Rey constantemente, a tal ponto que a narrativa jamais permite uma verdadeira estagnação. E em menos de trinta minutos já conhecemos o básico das personalidades desses três personagens e no que eles se destacam em termos de proficiências. De fato, a alma de O Despertar da Força está nesse ponto, todos os atores verdadeiramente se entregam a seus papéis, como se todos estivessem vivendo naquele universo, do respirar até o gritar, conseguimos sentir as emoções que eles sentem, o que nos envolve e rapidamente nos aproxima de cada um deles. Quando eles se irritam, se irritam de verdade, quando correm, correm de verdade, não há um ator ali e sim os personagens que interpretam.

Nesse ritmo frenético, que, ainda assim consegue nos manter ligados em tudo o que acontece, o filme, então, abraça o seu passado. Claro que diversos elementos anteriores já ligavam a obra à trilogia original, como os destroços da batalha de Jakku, mas isso funciona para garantir a ideia de um universo único, um mundo vivido profundamente afetado pelos acontecimentos de anos ou décadas atrás. A introdução da Millenium Falcon atua de forma diferente: é o resgate do tom dos Episódios IV, V VI, que funcionaria com o objetivo, também, de introduzir a figura do mentor em O Despertar da Força, elemento essencial para a Jornada do Herói, que o longa-metragem segue à risca (até demais).

Trazer Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew), junto de outros personagens da trilogia original, de volta para as telonas foi uma notícia recebida tanto com excitação quanto com um certo receio, um medo de que eles dominassem a narrativa, não deixando espaço para os novos brilharem. O texto, contudo, sabiamente os coloca em uma posição bastante diferenciada daquelas que vimos há tantos anos – eles atuam como suporte do elenco principal e, Solo, como já dito, cumpre a função de Ben Kenobi há tantos anos em Uma Nova Esperança. Infelizmente é nesse ponto, na sua segunda metade, que o longa-metragem acaba caindo em seu maior problema.

É como o típico caso no qual seu colega pede para copiar seu trabalho de colégio e você diz para que ele faça algumas alterações. No fim, a escolha da Disney de “jogar seguro” torna o filme quase uma cópia do original de 1977. O ato final (não o epílogo com Luke Skywalker) é basicamente a união do trecho de Han, Luke e Leia na Estrela da Morte com o ataque à essa mesma estação espacial pelas X-Wings. Mesmo a aproximação da gigantesca arma do planeta da Resistência é realizado exatamente igual à contagem regressiva para que Yavin 4 seja destruída, com a diferença de que não é a protagonista que destrói o destruidor de planetas.

Existe, é claro, a tentativa de ampliar as proporções da ameaça que essa nova tecnologia representa para a galáxia. Ao contrário da Estrela da Morte, a Starkiller Base não precisa estar próxima do seu alvo e pode atingir diversos pontos ao mesmo tempo (como isso funciona ou até mesmo a questão de seu recarregar não entra em questão, é o mesmo que perguntarmos por que o sabre de luz tem um tamanho de lâmina limitado ou por que todos os planetas tem uma atmosfera capaz de sustentar a vida humana). A desculpa, porém, não chega a funcionar, mesmo personagens, como Poe Dameron, dizendo que não se trata de uma repetição do que Han, Leia e Luke viveram há tantos anos.

O que, de fato, salva o clímax de O Despertar da Força é a sua execução. Para começar temos o excelente trabalho de atuação do elenco como um todo e aqui aproveito para elogiar Domhnall Gleeson como o General Hux, que criou um paralelo evidente e assustador com Hitler e outros tantos ditadores que vimos ao longo da história – seu discurso na base da Primeira Ordem é de dar arrepios e o ator não deixa nada a desejar quando comparado com seus colegas no filme. Sim, já falei sobre o elenco, mas aqui quero dar um close em Adam Driver especificamente.

A morte de Han Solo, não só pelo que o personagem representa dentro da franquia, como pela forma intimista como a cena é conduzida consegue ser impactante mesmo que previsível. No escuro, com a luz vermelha e azul dividindo a tela, iluminando o rosto de Solo e seu filho, representam perfeitamente o embate entre luz e sombras que ocorre no interior de Ben/ Kylo Ren. Como já dito anteriormente, a interpretação de Driver exala o descontrole, a incerteza, estamos falando de um antagonista completamente dividido e isso fica perfeitamente evidente nesse trecho, ao ponto que sentimos sua dor no momento que ele assassina seu pai. Sem precisar dizer nada, sabemos que Ren tomara sua decisão naquele momento exato, o que significou sua queda completa para o Lado Negro.

A diferenciação do clímax, contudo, não para por aí – afinal, o melhor foi deixado para o combate entre Rey, Finn e Kylo, uma sequência magistralmente coreografada, que herda muito das lutas de sabre de luz da trilogia original, com menos piruetas e acrobacias e uma carga dramática maior. Muitos questionam o fato de Rey conseguir vencer Ren, mas isso é bastante explicado pelo filme – para começar o vilão levou um tiro de uma arma que causa explosões, ele está ferido, sangrando e ainda foi atingido novamente por Finn. Isso sem falar no próprio abalo psicológico do personagem, que acabara de matar seu próprio pai – ele não é um Sith, apenas um padawan caído. Do lado de Rey, sabemos que ela contava com habilidades de luta corpo-a-corpo (o bastão não é por acaso) e, mesmo assim, é a Força que guia os movimentos do Jedi, mas, mais sobre isso vocês podem ler neste artigo. O que importa é que essa sequência consegue nos distanciar do ápice de Uma Nova Esperança, garantindo uma identidade própria ao desfecho de Episódio VII.

Infelizmente a falta de ousadia da Disney em arriscar não para por aqui. A revelação de que Kylo é filho de Han e Leia aparece de forma prematura no filme, sem causar o mínimo de impacto no espectador. Sabemos que o filme, assim como Rogue One, passara por algumas refilmagens e não duvido que a forma como descobrimos quem, de fato, é Ren mudou durante a produção do longa-metragem – um indício disso é como a fala de Lor San Tekka “você não pode negar a verdade, que é sua família” soa artificial naquele momento da projeção ou o próprio diálogo entre o Líder Snoke e seu aprendiz, que parece coisa de versão estendida. Esse ponto definitivamente prejudica nossa percepção geral da obra.

Felizmente, a direção de J.J. Abrams sabe balancear essa artificialidade garantindo o máximo da eficácia de cada sequência. O CGI presente no filme definitivamente é um dos que mais ganham com o trabalho de Abrams, que constantemente mescla tais momentos com os efeitos práticos ou corta logo em seguida para os atores em si. Basta enxergar como os trechos com as naves, seja a Millenium Falcon, X-Wings ou Tie-Fighters, intercalam o exterior delas com planos mostrando os pilotos, algo definitivamente herdado da trilogia original, que sabia muito bem que o impacto dramático não pode vir através dos efeitos especiais exclusivamente. Dessa forma, a computação gráfica é utilizada somente quando necessária, cumprindo sua função narrativa e não indo além disso. O único ponto que soa fora da reta é Snoke, que poderia ser feito com um trabalho de maquiagem, mas, em virtude da iluminação das cenas nas quais ele aparece, o impacto do CGI, felizmente, é minimizado.

Outro elemento a ser observado é o fantástico (certamente não vou poupar adjetivos aqui) desenho sonoro do filme como um todo, que não apenas envolve o espectador nas cenas mais agitadas, como conta com um claro papel dentro da narrativa. Um ótimo exemplo disso é quando Kylo tenta extrair informações da mente de Rey e ela luta contra o vilão. Percebam como tudo se desenrola única e exclusivamente através das atuações dos personagens e o som, que faz a sala vibrar. Não é preciso um raio vermelho ou azul, nada, apenas uma meticulosa edição de som, que nos faz imaginar a Força ali sendo colocada em efeito.

Por fim, concluída a análise do filme como um todo, vamos para o único trecho que soa desconexo de tudo o que vimos antes: a aparição de Luke Skywalker. Sim, esse momento definitivamente não se encaixa com o restante da obra, que deveria ter acabado antes. O que vemos aqui é quase uma cena pós-créditos de um filme da Marvel. Felizmente, isso não consegue tirar a força da sequência em questão e aqui ativo o meu lado fanboy novamente, pois a carga dramática aqui só pode ser captada pelo fã de longa data da franquia, que vira Luke Skywalker, de forma inédita, há mais de dez anos. Acompanhada pela emblemática The Jedi Steps, composta por John Williams, Rey caminha em direção ao último Jedi e, desculpem, o maior de todos. O que vemos a seguir é de uma intimidade singular, Luke é mostrado como uma figura praticamente ancestral – a lenda se torna realidade quando ele retira o capuz e se torna humano quando seu olho esquerdo começa a demonstrar sinais de uma lágrima. Sentimos todo o peso da história de Star Wars aqui, através do icônico personagem em cujo semblante enxergamos todas as memórias que retornam de turbilhão, bem representado pelo plano circular, que soa estranho dentro da identidade visual estabelecida pelo filme, mas que perfeitamente elucida o caráter cíclico da franquia – no fim, tudo se resume a um Jedi buscando seu treinamento e lutando contra o Lado Negro, que, como Maz Kanata bem disse, assume diferentes formas ao longo dos anos – os Sith, o Império e a Primeira Ordem.

No fim, apesar de copiar Uma Nova Esperança quase que totalmente, O Despertar da Força consegue adquirir uma alma própria. É uma aposta mais segura da Disney, que demonstra toda sua força através do trabalho de atuação de todo o elenco, da direção de J.J. Abrams, que muito bem sabe o que é necessário para que sejamos envolvidos pelo drama exibido na tela e, é claro, pelo evidente respeito à toda mitologia criada desde 1977. Ágil, coeso, dramático e definitivamente divertido, o Episódio VII traz a franquia para uma nova geração, provando, de uma vez por todas, que a Força não abandonou Star Wars.

Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens) – EUA, 2015
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: J. J. Abrams, Lawrence Kasdan, Michael Arndt (baseado em personagens criados por George Lucas)
Elenco: Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher, Daisy Ridley, John Boyega, Adam Driver, Peter Mayhew, Domhnall Gleeson, Anthony Daniels, Lupita Nyong’o, Andy Serkis, Max von Sydow
Duração: 136 min.

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