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Crítica | Starman – O Homem das Estrelas

por Luiz Santiago
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Depois do fracasso financeiro de O Enigma de Outro Mundo (1982), John Carpenter se sentiu obrigado a aceitar dirigir outro filme de ficção científica, desta vez em um cenário e atmosfera completamente diferentes. Veio a calhar, na época, a circulação do roteiro de Bruce A. Evans e Raynold Gideon, que já há 5 anos esperava da Columbia o sinal verdade para ser produzido. John Carpenter não era a primeira opção do estúdio para a direção do filme, mas diante de uma série de recusas e agendas incompatíveis de outros diretores, acabou ganhando a cadeira.

Starman – O Homem das Estrelas é conceitualmente baseado em O Dia em Que a Terra Parou (1951) e E.T. – O Extraterrestre (1982), mas seu plot é mais adulto, mais simbólico e mais crítico. Atendendo ao convite da Voyager II, lançada em 1977, um alienígena vem ao planeta Terra e assume a forma do falecido esposo de Jenny Hayden (Karen Allen, em uma correta interpretação que passa de amedrontada para espantada, fascinada e apaixonada pelo Starman). Sua missão é de reconhecimento, mas fica subtendido que também seria de coleta de informações (mapas) se ele não fosse perseguido pelo governo dos Estados Unidos.

A ironia do roteiro vai se construindo aos poucos. Nossa espécie consegue certo avanço tecnológico, envia uma nave com informações sobre a Terra e convida outras espécies para nos visitar mas, quando isso acontece, o visitante é tido como uma ameaça e precisa ser contido, preso, examinado ou morto. Como diz o personagem de Charles Martin Smith, com um triste tom de ironia, “bem vindo à Terra“.

Os roteiristas e o diretor John Carpenter conseguem fazer o espectador mergulhar na história com um nível de sentimento e consciência que nos faz adotar um duplo olhar para o que se passa, considerando o lado dos terráqueos e do alien. Starman é um dos poucos longas humanistas de ficção científica que jamais nega a sua origem, jamais deixa o personagem visitante ser engolfado pelo planeta que veio visitar (abordagem bem distinta daquela vista em O Homem Que Caiu na Terra) e não deixa o romance ou outras subtramas desviarem a atenção do assunto principal.

Em certa medida, Starman é também um road movie, uma mistura de casal improvável e perseguição pela estrada ao estilo de Os 39 Degraus e Aconteceu Naquela Noite. Todo o desenvolvimento do longa é dado na viagem do alienígena e Jenny até a Cratera de Barringer em Winslow, Arizona, local onde ele seria resgatado. Esta movimentação constante tem peso na criação de um significado maior para os protagonistas e exige diferentes esforços da equipe técnica (direção de arte e fotografia principalmente) para dar a cada espaço uma impressão diferente e fazer com que eles fossem dramaticamente necessários à trama e não apenas um “local de passagem”.

É também nesse aspecto que o uso dos efeitos especiais e visuais ganha corpo e, no caso da pintura matte ou do sensacional trabalho de câmeras (em 35mm e 70mm + dois aspectos de tela, 2.20:1 e 2.35:1), cujo trabalho na sequência final, quando o Starman é levado para casa, alcança um nível estético de grande beleza e delicadeza, especialmente na exposição quase barroca de duas cores, vermelho e azul, com mesclas menores de preto que demarcam as silhuetas, fazem sombras e dão um volume e um visual ainda mais interessantes à cena.

Mas nada disso seria o bastante se Jeff Bridges não fizesse um maravilhoso trabalho como o alienígena em um novo corpo, papel que lhe rendeu indicação ao Oscar de Melhor Ator. Seus movimentos, baseados em estudos ornitológicos (o virar brusco e às vezes aleatório da cabeça é um claro exemplo que ele trouxe do comportamento das aves) e a forma peculiar na articulação das palavras, que ele trouxe da observação de crianças aprendendo a falar, fazem de seu Starman um inicialmente assustador e depois simpático e encantador personagem. Vê-lo cantar um trecho de (I Can’t Get No) Satisfaction, dos Rolling Stones ou New York, New York, na versão de Frank Sinatra arranca risos do público e ao mesmo tempo dá uma impressão completamente distinta para essas canções, como se víssemos pela primeira vez alguém cantando algo literalmente de outro planeta. A mesma sensação de aprendizado e fascinação aparece quando o personagem vê uma cena de A Um Passo da Eternidade e tenta imitá-la, posteriormente descobrindo o amor. Ou quando ele vê um veado morto (com literal referência a Bambi) e não consegue processar essa morte, acabando por devolver a vida ao animal. Tudo isso forma um personagem rico e interessante, do momento em que aparece até o momento que vai embora, definitivamente uma das melhores performances de Jeff Bridges no cinema.

Starman traz ainda uma perseguição de helicópteros à la Apocalypse Now e um relacionamento à la Desencanto, fechando o ciclo de referências cinematográficas da melhor maneira possível. Particularmente, tenho um carinho enorme por esse filme. Uma nota minha apenas como espectador seria cinco estrelas, mas o meu lado crítico teima em apontar o trabalho pouco sólido e confuso no plot do governo, atuações um pouco caricatas do elenco de apoio e uma chegada pouco interessante do alien à Terra. Todavia, esses elementos são migalhas de pequena força perto das conquistas de John Carpenter com este fantástico longa. Um filme que, acima de tudo, serve como lembrete à humanidade de que ela também é capaz de grandezas muitas vezes escondidas em seu coração. Desta vez, o diretor nos deixa em um ambiente otimista. O mundo, pelo menos nesse momento, é belo outra vez.

Starman – O Homem das Estrelas (Starman) — EUA, 1984
Direção: John Carpenter
Roteiro: Bruce A. Evans, Raynold Gideon
Elenco: Jeff Bridges, Karen Allen, Charles Martin Smith, Richard Jaeckel, Robert Phalen, Tony Edwards, John Walter Davis, Ted White, Dirk Blocker, M.C. Gainey
Duração: 115 min.

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