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Crítica | Steven Universe – 1ª Temporada

por Pedro Cunha
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Um dos recursos mais interessantes que a animação possui é a sua capacidade de mesclar o extraordinário com o ordinário. Esse elemento é utilizado em diversos momentos durante um filme ou uma série animada. Na parte gráfica vemos cenários realistas, mostrando o terreno e personagens cartunescos, representando o impossível. No roteiro, esse recurso pode ser utilizado tanto para dar gravidade, quanto para ser um alívio cômico. As combinações são inúmeras. É tarefa dos escritores e desenhistas escolher como utilizá-las em sua obra. Rebecca Sugar e seu time de roteiristas e animadores sabe muito bem utilizar essa técnica.

Steven Universo conta a história de Steven, um órfão híbrido, meio humano e meio alienígena — sua raça extraterrestre é chamada de Gems (Gemas em português). A mãe de Steven morreu dando à luz ao menino, deixando-o aos cuidados de seu pai, o Mr. Universo — um humano extremamente ordinário — e três companheiras de sua raça, Pérola, Garnet e Ametista, heroínas super poderosas. As Gemas que residem na Terra tem como missão ‘protegê-la’ de ameaças que, na maioria das vezes, são lideradas por entidades que vieram do espaço. Toda a raça das Gems são tratadas no feminino, aspecto esse que é muito importante para a série, mas deixarei a representatividade para os próximos parágrafos. Essa mescla de mundos e realidades que vai ditar todos os 52 episódios da 1ª Temporada da série. Steven é uma criança comum, que tem necessidades iguais a qualquer outro ser humano em sua idade. Mas suas tias/mães/irmãs são seres eternos, que não sabem lidar com os dilemas dos Homo Sapiens, muito menos de um filhote da raça.

É claro que essa dinâmica ficaria cansativa se Rebecca Sugar (que usarei na crítica como o nome representante de todo o time por trás da série) não pegasse o elemento básico de qualquer animação e o elevasse à última potência. Tudo na série traz essa dicotomia. Steven tem o sobrenome de Universo, que não vem de sua mãe, e realmente compreende o significado da palavra, herança de seu pai, o ser mais terreno de toda a animação. As resoluções nunca vêm do imenso poder das Gems, mas sim de simples idéias de união e empatia que Steven tem.

União e empatia são duas palavras que resumem bem tudo aquilo que os responsáveis pela série querem transmitir. SU é uma animação feita para crianças, mas carrega uma mensagem extremamente importante para os adultos. As lições que a série traz em cada episódio com certeza chegam até o seu público-alvo, mas é só olharmos com um pouco mais de maturidade para tudo aquilo que é apresentado que nos deparamos com um núcleo muito profundo. Steven Universo é uma série que explica assuntos complexos, que muitos de nós adultos encaram como tabu, de uma forma tão graciosa que até crianças conseguem entender. Família, gênero, feminismo, amizade, paternidade são alguns desses assuntos que a série não cansa de trazer para seus enredos. Steven é criado por três mães. Em diversos momentos os personagens que não fazem parte dessa família estranham esse fato, mas a partir do momento em que são apresentados ao núcleo íntimo de Pérola, Garnet e Ametista, reparam que essa família não possui nada de disfuncional, na verdade ela funciona muito bem.

O gênero também vira assunto quando, em um episódio, somos apresentados a uma habilidade muito interessante das Gems: a fusão. Steven se junta com sua amiga Connie, homem e mulher criam uma entidade que é masculina e feminina ao mesmo tempo, destruindo construções sociais que cercam essas duas figuras. Os rótulos pouco importam, o mais importante é que as duas crianças vivam em harmonia, entendendo e respeitando um ao outro.

Até o feminismo vira pauta na série, na maioria das narrativas, modernas e antigas. A figura masculina é a força motora das histórias. É nela que os heróis nascem e onde o espectador pode encontrar segurança e alívio. Steven Universo quebra esse paradigma. As poucas figuras masculinas da série são os personagens mais frágeis apresentados. Steven é um menino que sempre precisa de alguém para salvá-lo, e quem o salva não é, na maioria das vezes, seu pai. As figuras de segurança para a criança são Pérola, Garnet e Ametista. Trio que possui personalidades completamente diferentes, sendo uma certinha, outra rígida e a última completamente desleixada. Até nessa diversidade de personalidades femininas SU é diferente do padrão da indústria, já que na maioria dos filmes e séries vemos personagens femininos pasteurizados.

Com tudo isso, conclui-se que o grande vilão da série é a falta de amor e tolerância. É claro que diversos antagonistas são apresentados durante todos os episódios, mas se existe um mal que Steven e suas amigas Gems combatem é a falta de olhar para o próximo com empatia. Sendo que o próprio Steven é a epítome da união entre dois seres completamente diferentes. Todos os personagens principais da série trilham sua própria trajetória de aprendizado. Isso é permitido, pois a série não se utiliza do modelo mais comum dentre as séries de TV animadas, os episódios cíclicos. O roteiro, que possui um pouco mais de 10 minutos por capítulo, tem começo meio e fim, funcionando de forma única, mas todos possuem detalhes que os unem, transformando uma narrativa de apenas dez minutos em algo muito maior.

É claro que a importância de cada narrativa varia muito durante todos os 52 episódios, entretanto, a palavra filler não cabe para os que estão na curva mais baixa de relevância, pois mesmo esses não deixam de contar histórias interessantes sobre os personagens. A qualidade gráfica da série também é algo que merece ser comentado, toda a animação possui algumas cores-chave. Rosa, lilás, azul e amarelo são algumas das bases mais importantes para toda a criação do Universo gráfico de SU. A maioria dos personagens e locais possuem elementos pintados com essas cores. As formas geométricas também são uma boa característica da animação, todos os personagens apresentados são desenhados de uma forma que contribui para a construção de sua personalidade.

Pérola é alta e retilínea; Ametista tem curvas mais arredondadas e é menor, já Garnet é uma mistura das duas, pois ela é a mais ponderada do trio. Steven é feito de muitas curvas deixando-o amável e fofo, como o roteiro pede que ele seja. Até nas cenas de lutas o time de animadores entrega uma boa experiência para a sua audiência. É claro que esse recurso é pouco utilizado, animar os movimentos dinâmicos de uma batalha é sempre mais trabalhoso e caro do que animar diálogos. Em uma indústria do entretenimento ainda dominada por homens, pouco se fala sobre assuntos que exigem uma maior tolerância da grande audiência. Steven Universo não só expõe esses assuntos mas também apresenta, para crianças e adultos, a única resolução para todas as diferenças entre nós humanos: empatia.

Steven Universe: 1ª Temporada – EUA, 27 de julho de 2013 .
Criação: Rebecca Sugar.
Direção: Elle Michalka (arte), Nick DeMayo (animação), Ian Jones-Quartey (supervisão).
Roteiro: Rebecca Sugar, Matt Burnett, Ben Levin, Kat Morris, Ian Jones-Quartey, Joseph D. Johnston, Jeff Liu, Paul Villeco, Raven Molisee e Lamar Abrams.
Elenco: Zach Callison, Deedee Magno, Michaela Dietz, Estelle, Tom Scharpling, Matthew Moy, Grace Rolek…
Produtora: Cartoon Network.
Duração: 52 episódios de aproximadamente 10 minutos.

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