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Crítica | Sully: O Herói do Rio Hudson

por Kevin Rick
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Cinebiografias que focam em um indivíduo titular, como é o caso de Sully: O Herói do Rio Hudson, deleitam-se na narrativa de estudo de personagem, em grande parte de figuras controversas, como políticos, músicos, criminosos, magnatas, esportistas, entre outros. A tensão personalíssima da trama aliada à celebridade ou evento conhecido em questão resultam em ótimos cash-in para estúdios e obras em sua maioria minimamente boas e esclarecedoras de pessoas célebres. O herói americano é um arquétipo bastante usado nesse gênero biopic – diria que até excessivamente –, e Clint Eastwood não adentra águas misteriosas em sua empreitada sobre o piloto americano que pousou um avião no rio Hudson, já havendo trabalhado em filmes biográficos, e até mesmo no modelo patriótico em Sniper Americano. Dito isso, Clint enfrenta um grande problema na linguagem de sua fita: a monótona história real de Sully.

A vida de Chesley Sullenberger não precisa de estímulo empático. Aqui está uma pessoa estoicamente decente, segundo todos os relatos, que em 2009 pousou um jato comercial danificado no rio Hudson em Nova York, salvando todos a bordo. Se isso não é bastante, o personagem é interpretado por Tom Hanks, um dos atores mais amáveis e simpáticos que agraciaram o Cinema. No entanto, por mais impressionante que tenha sido o heroísmo de Sully naquele dia, o incidente em si durou apenas 208 segundos. Logo, como se constitui um longa-metragem apoiado em um acontecimento tão curto? Baseado no livro de Sullenberger, Highest Duty, o filme expande a turbulência emocional do piloto logo após o pouso, as severas investigações sobre se ele fez as escolhas certas e, acima de tudo, a aparente incapacidade da sociedade moderna de simplesmente apreciar um ato heroico cotidiano.

Apesar destas problemáticas intrínsecas do protagonista serem interessantes dentro do quadro de cinismo que Clint quer construir, a película passa uma atmosfera de extensão forçada de um conto magnífico, porém com longevidade efêmera. A obra só não cai no abismo enfadonho graças a direção econômica e segura de Clint, que substitui a falta de tensão proveniente do conhecido desfecho acidental pelo aumento dramático decorrente dos investigadores de segurança manipularem fatos para desacreditá-lo e a mídia tornar sua vida insuportável ao tentar celebrá-lo, e, claro, o sempre confiável Tom Hanks.

É preciso tirar o chapéu para o comando do intérprete em uma de suas performances de mais fácil identificação com a audiência, com poucas palavras, mas utilizando seu rosto e linguagem corporal para desempenhar uma belíssima jornada sobre a luta de alguém que acredita que fez a coisa certa, mas se pergunta se, apenas talvez, ele não fez e não vale essa adoração. Aaron Eckhart atuando como o primeiro oficial Jeff Skiles é um bom suporte, servindo de alívio cômico e confirmação do caráter íntegro e profissional de Sully. O restante do elenco composto pelo grupo aterrorizado do avião e os maliciosos investigadores fazem sua parte, mas fica aqui minha ressalva para a mal utilizada Laura Linney. A artista é umas das melhores atrizes de sua geração, mas o roteiro resigna sua personagem a uma maçante esposa que apenas segura o telefone durante todo o longa.

Ainda que o antagonismo da investigação seja intrigante dentro dos parâmetros da desconfiança, constituindo o arco psicologicamente quebrado de Sully, embasado na incerteza de suas próprias ações, o roteiro de Todd Komarnicki exagera demasiadamente na elaboração hostil das autoridades, em uma clara tentativa quase desesperada de conceber conflito na trama simples. Felizmente, Clint Eastwood sabe disso. Sempre que a rivalidade entre o protagonista e os “vilões” investigadores começa a tornar-se entediante, o cineasta constantemente revisita aqueles 208 segundos de terror no ar, adicionando flashbacks do pouso no rio, simulações de voo e pesadelos do piloto imaginando o que poderia dar errado. Aliás, o talento fílmico de Clint é tão vasto que muitas vezes a simplória narrativa desenvolve-se em algo próximo de um thriller, em cenas aéreas de tirar o fôlego.

Sully é um homem comum que foi brevemente extraordinário. O roteiro simplório sabe evidenciar isso perfeitamente, auxiliado pela magnética atuação de Hanks, mas falha na elaboração de tensão e conflito em uma história curta. A qualidade da película é elevada pelo fenomenal trabalho de Clint, convidando o público a simplesmente parar e contemplar o milagre por mais tempo, oferecendo angustiantes sequências aéreas intercaladas por um fantástico esboço das consequências da dubiedade impostas a uma figura honesta e digna. Sully: O Herói do Rio Hudson é mais uma eficiente cinebiografia, carregada por dois titãs da indústria cinematográfica.

Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully) – EUA, 2016
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Todd Komarnicki (baseado no livro Highest Duty de Chesley Sullenberger)
Elenco: Tom Hanks, Aaron Eckhart, Laura Linney, Anna Gunn, Mike O’Malley, Holt McCallany, Jamey Sheridan, Delphi Harrington, Valerie Mahaffey
Duração: 96 min.

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