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Crítica | Sunshine – Alerta Solar

por Luiz Santiago
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Nota do início do filme até a chegada à Icarus I

estrelas 4,5

Nota do filme depois da chegada à Icarus I

estrelas 1

Muita gente reclama que Sunshine – Alerta Solar (2007) é um filme subestimado. Há, de fato, alguma verdade nessa afirmação. Mas é preciso entender que não é sem motivo. O longa passa de uma excelente obra de ficção científica parcialmente especulativa para um terror-espacial estúpido, permeado de uma linha pseudo-religiosa (recolocando, da pior maneira possível, a nuance do “Deus-Sol” sugerida na primeira parte) que simplesmente estraga todo o grande trabalho narrativo feito anteriormente. Sobra o belo visual final, mas diante da colossal diferença de qualidade em que está inserido, torna-se quase impossível manter o mesmo fascínio diante da tela.

Terceira parceria do diretor Danny Boyle com o roteirista Alex Garland, depois de A Praia (2000) e Extermínio (2002), Sunshine tomou um ano da dupla na preparação do roteiro, seguindo-se aí mais um ano de pré-produção, três meses de filmagem e um ano de edição e trabalho com efeitos visuais. A jornada, obviamente, tem seu impacto sobre o longa, em diversos aspectos. Primeiro, na dramaturgia, que é admirável; depois, no cuidado visual para a representação do Sol e tudo relacionado à luz, sombras e efeitos causados na nave Icarus II, cuja missão é levar à estrela uma bomba nuclear especial do tamanho da Ilha de Manhattan e tentar reativá-lo, após o início de sua lenta morte e o consequente impacto sobre toda a vida na Terra.

Com assumidas referências e inspirações visuais em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), Solaris (1972) e Alien, o Oitavo Passageiro (1979), o diretor nos conta uma face da teoria da morte térmica do Universo. Como se sabe, todas as estrelas (incluindo o nosso Sol) um dia morrerão. Este é evento inevitável para o Universo, que irá encontrar, por este processo, a sua entropia máxima em ausência de luz e menor temperatura (leia o conto A Última Pergunta, de Isaac Asimov, para uma abordagem muito interessante sobre esse tema). Baseado nesse conceito, o roteiro é ambientado no ano de 2057 — escolhido apenas para uma maior proximidade com o público, mas não há nenhuma relação entre a morte do Sol e um ano tão próximo quanto este — e emprega conceitos físicos verdadeiros, vindos de consultas a funcionários da NASA e astrofísicos. Esses conceitos são misturados a bobagens sci-fi e outras impossibilidades e erros, o que é perfeitamente normal e aceitável, pois não estamos falando de um documentário e não há compromisso obrigatório nenhum de uma ficção representar com veracidade os conceitos físicos envolvidos em seu enredo. O diretor e o roteirista só fazem isso se quiserem (vide Gravidade, Interestelar e Perdido em Marte).

Todo o emprego da mitologia clássica, do mito de Ícaro; das relações entre religião, física e ciência; das boas ideias como o jardim de oxigênio e o excelente desenho de produção para a nave — da cabine de comando até o seu exterior — conquistam o espectador de maneira quase imediata. As referências não são ocultas e mesmo as indicações ao Sol como um Deus (infelizmente esse aspecto abrirá as portas para a pior parte do filme, quando eles chegam à Icarus I) aparecem de maneira decifrável e interessante para o público. O roteiro escolhe com precisão que tipo de cenas destacar na fase pré-Icarus I, explorando a psique dos tripulantes e expandindo os benefícios e problemas de uma relação de confinamento em um ambiente mortal, algo que o elenco interpreta de maneira aplaudível.

Danny Boyle fez questão de preparar os atores e atrizes através do Método, fazendo com que eles estivessem juntos por muito tempo antes das filmagens; pedindo para que assistissem a filmes juntos (obras como Os Eleitos e Para Toda Uma Humanidade); visitassem um submarino nuclear, para terem a sensação real de condições de vida em um ambiente claustrofóbico; experimentassem gravidade zero em voo acrobático, para terem noção real de imponderabilidade; lessem o mesmo livro e mais algumas outras ideias de preparação em grupo que serviu para nos dar a sensação de que estamos, realmente, vendo uma equipe de trabalho, onde cada um conhece de verdade o seu papel e lugar na nave. Este é um dos trabalhos de “equipe no espaço” mais interessantes do cinema nos primeiros anos do século XXI, pois mostra, além de boas atuações, uma naturalidade de convivência tremenda entre os integrantes do grupo, que é bastante variado, tanto em etnia quanto em personalidade.

Uma das ideias do diretor era manter a diversidade, embora focasse em representantes dos programas especiais dos Estados Unidos e da China (ou América e Ásia, na representação de “exemplos da humanidade” como componentes da tripulação). A nacionalidade dos principais atores escalados revelam isso: Benedict Wong (Trey), britânico; Cliff Curtis (Searle), neozelandês; Chris Evans (Mace) e Troy Garity (Harvey), americanos; Hiroyuki Sanada (Kaneda), japonês; Rose Byrne (Cassie), australiana; Michelle Yeoh (Corazon), malasiana; Cillian Murphy (Robert Capa), irlandês; e Chipo Chung (voz de Icarus II), zimbabuana. Embora todos estejam falando inglês e com sotaque americano, não há aquele incômodo artificial de uma escalação que deveria ser inclusiva mas não é. E não estou trazendo à tona necessidade ou as implicações sociológicas de oportunidade para diversas etnias em um projeto como este. Estou apenas comentando a variedade e boa integração do elenco e como essas nacionalidades, diante do sotaque do inglês americano e padrões americanos e/ou eurocêntricos de representação, continuam funcionando bem, expondo de forma verdadeira uma integração entre nações. [NOTA: o filme é uma co-produção do Reino Unido com os Estados Unidos, o que certamente teve peso nessa questão].

O diretor de fotografia Alwin H. Küchler explorou as cores cinza, azul e verde no interior da nave, padrão igualmente seguido pelo figurino e direção de arte, mantendo as interferências quentes do laranja, vermelho e amarelo para a sala de observação do Sol e para o exterior da nave, criando um interessantíssimo contraponto entre o claro mortal e o escuro capaz de manter a vida. Igualmente interessante é a relação desse aspecto com a mitologia, colocando o homem, a “fria criatura”, como o ser capaz de salvar toda a humanidade; enquanto o “Deus-Sol” morria, incapaz de manter vivos os que dependiam dele. O destino do Ícaro mitológico e da nave também podem ser levados em consideração aqui, com o acréscimo sentimental do legado deixado pelos que “voaram perto demais” da Estrela.

SPOILERS!

Seria perda de tempo estender uma análise para a estupidez da reta final. A entrada do Capitão Pinbacker, da Icarus I, em cena, adiciona uma camada de horror desnecessária e destoante de tudo o que já havia sido explorado na fita. A direção de repente se torna neurótica e é acompanhada pela montagem, que vai perdendo a boa dinâmica de transição entre os blocos, talvez por ter que alternar as cenas com os tripulantes já conhecidos e um carcomido e assassino Pinbacker, matando em nome do “Deus-Sol” ou de um Deus qualquer, que “escolheu” a humanidade para morrer e, por isso mesmo, todos deveriam aceitar esse destino.

Não vou questionar como este indivíduo passou nos testes psicológicos e se tornou Capitão de um projeto como este e nem as implicações de sua sobrevivência, depois de tanto tempo. Não vale a pena. O que é necessário dizer é que o final de Sunshine – Alerta Solar gira o controle avaliativo do filme de “soberbo” para “porcaria boba” em poucos minutos. Assim, volto ao que levantei no início da crítica a respeito da “baixa conta” que este filme tem diante de boa parte dos críticos e cinéfilos. A sua primeira e excelente parte é, de fato, subestimada. Mas é compreensível que seja assim, uma vez que o produto todo comete um horrendo suicídio ao colocar um “homem-monstro” nos minutos finais, à guisa de “vilão espacial pseudo-religioso”. Uma pena que tenha sido assim.

Sunshine – Alerta Solar (Sunshine) — Reino Unido, EUA, 2007
Direção: Danny Boyle
Roteiro: Alex Garland
Elenco: Cillian Murphy, Michelle Yeoh, Troy Garity, Rose Byrne, Hiroyuki Sanada, Benedict Wong, Chris Evans, Cliff Curtis, Mark Strong, Paloma Baeza
Duração: 107 min.

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