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Crítica | Superior

por Gabriel Carvalho
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“Os efeitos são legais, mas o Superior está por aí desde que meu pai era criança. Eu estou meio entediado com esses velhos super-heróis. Não admira que esse cara não consiga mais nenhum trabalho.”

Contém spoilers.

Não há como negar que Superman, criação de Jerry Siegel e Joe Shuster para a Action Comics #1 de 1938, é a figura máxima de toda a grandiosidade de caráter que envolve o idiossincrático papel do herói moderno. Este ponto, aliás, é o que faz o personagem ter um nível de rejeição consideravelmente grande por parte de leitores de quadrinhos – e leigos conhecedores de um dos maiores símbolos da cultura popular. As pessoas simplesmente não conseguem relacionar-se muito bem com lenda isentas de alguma questionabilidade moral. Mark Millar, diferentemente da massa popular, mas aliado a dezenas de outros quadrinistas, que senão conseguiriam trabalhar com o Homem de Aço de fato, dentro da DC Comics, trabalhariam com retratos relacionáveis à aura dubiamente invencível do personagem, faz como os segundos, e desenvolve em Superior, uma ilustração singela do que é ser um super-herói completo.

O argumento de Millar resgata um  ponto relevante do universo heroico que pode ser facilmente embasado pelas inúmeras décadas de histórias e contos que, no caso, acabam enfraquecendo a “relevância” desses mitos: a nulidade dos super-heróis perante a aparição de supervilões. Todavia, isso apenas indica uma deficiência da nossa própria sociedade que ataca incessantemente um problema – a violência urbana, por exemplo – mas insiste em virar as caras para a raiz dele – a educação, talvez. E isso porque comenta-se apenas da violência urbana, visto que outras problemáticas (terrorismo, fome, guerras civis, preconceito, aquecimento global), infelizmente não rendem edições e edições de entretenimento escapista. Sendo assim, Superior é uma história revigorante que fortalece o ícone do herói ao embutir uma verdadeira esperança de salvação – utópica – no paladino da bondade absoluta a quem seremos introduzidos, algo próximo do que foi feito com a fonte de inspiração de Millar em Superman: Paz na Terra.

Na premissa, Simon Pooni é um garoto de 12 que por sofrer de esclerose múltipla acabou tendo de abdicar de vários sonhos, entrando em um limbo de desesperança e desespero que acaba chamando atenção de Orlum, um macaco alienígena, que visita-o e lhe concede um presente. Não engane-se com o absurdo desse acontecimento; há um sentido por detrás da caracterização do concessor mágico como um primata intergaláctico. Orlum é um dos personagens coadjuvantes que aparecem nas aventuras do super-herói Superior, interpretado exaustivamente nas telonas por um astro em parcial decadência. Simon, por sua vez, é um fã fervoroso de Superior e a obra já começa apresentando mais uma das aventuras cinematográficas do personagem, assistida pela dupla de melhores amigos composta pelo próprio garoto e Chris, o único colega de Simon que não abandonou-o em sua doença. Contudo, a dor do menino, que antes possuía um futuro promissor no basquete, ainda persiste-o pungentemente, tornando, para ele, aquela visita um presente divino concedido por um anjo. Simon torna-se Superior, seu ídolo fictício. O mundo nunca mais seria o mesmo de outrora.

Leinil Yu retrata toda a felicidade de Simon em seu primeiro de muitos voos.

Tendo em vista que o autor escreve em Superior uma carta de amor tanto ao próprio personagem quanto ao diretor Richard Donner e ao astro Christopher Reeve (vide a dedicatória feita a eles na belíssima conclusão da história, última e mais emocionante das inúmeras homenagens a serem observadas pelas sete edições), ambos do clássico incomparável de 1978, que expandiu ainda mais o alcance do personagem e provavelmente inspirou e alegrou os olhos de um Mark Millar garoto, não é de se estranhar que tanto a origem do personagem “real” quanto a do personagem fictício da obra de Millar são similares. De tal modo, assim como aconteceu com o Homem do Amanhã que, hoje, tanto amam odiar pela sua invencibilidade e inquestionabilidade de grandeza, Superior também é criticado logo em suas primeiras páginas por Chris, considerando-o um personagem datado. Simon, diferentemente de seu amigo, ainda idolatra o personagem, mesmo nesses tempos modernos de descrença, e dentre todas as situações implausíveis que não poderiam acontecer, ele acaba tornando-se o futuro próspero de milhões de pessoas.

Um acerto enorme de Millar encontra-se nessa frutífera relação do super herói inalcançável com o espírito infantil, um algo que traz muito da carga envolta do Capitão Marvel (atualmente conhecido como Shazam), outro personagem contemporâneo ao Superman. Mesmo salvando vidas, alimentando os famintos e estabelecendo paz em diversas regiões do mundo, Simon/Superior ainda é uma criança e isso é perfeito para a analogia que Millar quer traçar. A puerilidade é um traço que remete novamente ao Super-Homem clássico, uma característica, como tantas outras, que acabaram sendo perdidas no meio de literais escombros e destroços no Homem de Aço de Zack Snyder, ao invés de terem sido reinventadas para um novo tempo. A transformação desse ícone consagrado em um personagem sombrio e “realista” (na concepção pessimista que acaba sendo atribuída à palavra, de acordo com a perda de fé coletiva dos dias atuais), sem as devidas crises de identidade e conseguinte ressignificações de papeis, é um “tiro no pé”. É torná-lo mais um super-herói comum – na onda dos anti-heróis – quando este deveria ser “o super-herói”, mutável em muitas coisas, mas inerte em essência. E a essência é definitivamente algo que Superior mantém intacto.

A exploração da infância feita por Millar acaba deixando Chris um pouco de lado nas últimas edições para focar no bully mor dos dois garotos, Sharpie. A intenção do roteiro é claramente tornar Sharpie um contraponto da serenidade mais ingênua de Simon, sendo o bully um típico abestalhado inconsequente. O que acaba faltando na estrutura narrativa de desenvoltura desse personagem é um ponto conclusivo que preferencialmente trabalhasse verbalmente uma contraposição de pensamentos. O único encontro entre Superior e Sharpie é deveras ameaçador, e poderia ter sido revisitado mais tarde, com uma proposição mais compreensiva por parte do super-herói. Ademais, a doença que acometeu Simon acaba deixando-o mais suscetível à sensibilidade e admiração pelas pequenas coisas, sendo que os raios lasers e sopros congelantes que ganhou não são mais incríveis do que a simples possibilidade de poder ir ao banheiro sozinho.

Uma pintura de se encher os olhos.

É por tais fatores que alguns dos caminhos encontrados por Millar em seu roteiro acabam evidenciando-se como falhos, apesar de facilmente digeríveis. A batalha final e meteórica entre Abraxis e Superior (e no mais tardar, Aniquilador) é, ironicamente comparável com o esquizofrênico combate entre o Superman e o General Zod, em O Homem de Aço. A mudança drástica – e desnecessária – no tom da história provida pela revelação de que Orlum era um “enviado” de Satã determinado a comprar enfim sua primeira alma humana acaba levando o final para um confronto estratosférico, porém genérico. Isso, no entanto, é o que acaba separando a obra de Mark Millar da produção cinematográfica de Zack Snyder. Superior, apesar de ficar levemente incômodo pela abrupta colocação de um viés dark e transcendental em algo que deveria ser mais atrelado à humanidade do personagem, continua sendo assombrosamente divertido nessas últimas edições – e até surpreendente, dada a boa aparição de Tad Scott, o intérprete do famoso herói “trazido a vida” por Ormun – graças à dinâmica e explosiva arte de Leinil Yu, que mesmo se perdendo levemente nesse clímax, retoma os eixos perfeitamente na conclusão, encerrando a obra com chave de ouro.

A minissérie, entretanto, tem algumas lacunas em sua narrativa, primeiramente, na forma como os pais de Simon encaram o retorno do garoto. Todo o background envolvendo o pacto com Orlum seria de difícil explicabilidade e compreensão, e a preferência óbvia seria pela omissão desses trechos da aventura que o menino adentrou na semana que fora literalmente superior. Que inventasse uma história ou alegasse amnésia, por exemplo. Millar decide optar por uma via mais fácil e simplesmente ignora essa passagem. Uma hora os pais recebem o garoto e na outra eles já têm conhecimento pleno do que aconteceu a ele. Uma coisa é a existência de um super-herói, presumidamente vindo do espaço sideral, mas outra é a ideia de que seu filho teve a alma comprada por um macaco satânico. A derrota de Orlum, aliás, sustenta-se em uma reviravolta consideravelmente interessante, a qual concretiza a incompetência desse servo do Satã, mas a tal é explorada de maneira muito rasa, sendo uma “descoberta” de última hora de Maddie, em um convencional deus ex machina.

Superior conclui-se, felizmente, com a dose de otimismo inspirador que a aura de seu personagem-título trazia – e o storytelling também – na maior parte da leitura. E é nesses valores que Mark Millar solidificou o alicerce desta obra, uma verdadeira e singela homenagem a um ícone da cultura popular, símbolo de bondade, bravura e esperança. A carcaça de todo esse intento acaba sendo fragilizada pelas contradições e facilidades encontradas na história, além de traços discutíveis de Leinil Yu que, enquanto no design dos visuais dos vilões é apenas exagerado, acaba sendo infeliz na super sexualização de Maddie Knox, a jornalista que acompanha de maneira questionável as aventuras do primeiro e único super-herói. A obra, contudo, não perde o seu encanto, sendo o seu recorte do dever do super-herói invencível um dos mais eficazes já feitos, certamente servindo como inspiração para os leitores que visitarem essa homenagem de Mark Millar ao Homem do Amanhã.

Superior – EUA, 2010/12
Contendo:
Superior #1 a 7
Roteiro: Mark Millar
Arte: Leinil Yu
Arte-final: Gerry Alanguilan, Jason Paz, Jeff Huet
Capas:
Leinil Yu, Gerry Alanguilan, Sunny Gho
Cores: Dave McCaig, Sunny Gho, Javier Tartaglia
Letras: Clayton Cowles, Javier Tartaglia
Páginas: 200

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