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Crítica | Surfista Prateado: A Resposta

por Luiz Santiago
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Publicado na edição de estreia da genial Epic Illustrated, (de onde veio A Odisseia da Metamorfose), este conto de sete páginas chamado A Resposta é uma das tramas mais interessantes do Surfista Prateado nos anos 80, uma curta e decisiva caminhada cósmica centrada em uma linha de pensamento filosófica que, tenho certeza, já deixou muitos de nós sem dormir ou inquietos por muito tempo: qual é o sentido de “tudo isso” ao nosso redor existir? Será que existe uma resposta não-automática, não-lógica ou científica para o por quê vencemos a corrida de fecundação do óvulo, por quê nos desenvolvemos bem, conseguimos chegar ao que fazemos hoje e como será quando a nossa matéria deixar de fazer as devidas conexões e, então, não tivermos mais consciência de nada?

O roteiro de Stan Lee não aborda diretamente essas questões, mas todas elas estão lá. O Surfista está, aqui, em um planeta sem nome, desconhecido de todos os outros. Apenas ele e Galactus conhecem esse paradeiro e de lá contemplam o Universo… apenas dois seres em um ponto privilegiado de observação. Norrin, ainda angustiado, acha que esta é “A viagem” de sua vida, aquela que pode lhe dar algum sentido para a existência, além do básico. Que pode lhe mostrar algo além de tudo aquilo que ele vê, que ele pode tocar, transformar, ver morrer e misturar-se quimicamente a outros elementos, gerando nova vida e então, mais morte. Inconformado pela a falta de respostas, Norrin acha que Galactus esconde algo, que ele sabe onde existe uma fonte, naquela imensidão, que dará a quem encontrá-la uma chave para abrir todas as fechaduras possíveis da existência.

Ao contrário do que possa parecer, não há um sentido religioso ou mesmo místico nas questões aqui levantadas — algo ironizando e criticando essa linha pode ser visto em outra história do Surfista, Parábola. Os questionamentos feitos pelo Singrador do Espaço não têm a ver com a busca por um Ser Divino, que supostamente dirá por quê tudo criou. Ou que vá justificar todos os horrores abraçados e perpetuados por suas criaturas, muitas delas mergulhadas em uma ilusão de livre-arbítrio, pensamento que provavelmente conforte bastante o indivíduo a ponto de impedir que veja o quanto os desejos de alguns interferem em escolhas completamente diferentes de outros, constantemente de maneira negativa ou mortal. E então, qual será a próxima circunstância atenuante do jogo? Não, não. O Surfista Prateado busca algo maior que um Criador ou um simples pensamento alienador de beleza vazia e conforto de um pós-vida sublime. Ele busca a visão do mapa da criação, de seu ponto de origem ao seu fim. Em sua cabeça, isso existe. E ele sai à procura.

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Norrin e o Devorador de Mundos nos confins do Universo.

A arte de John Buscema, com finalização de Rudy Nebres e belíssimas cores de Rick Veitch enaltecem o tom de solidão dos dois personagens. E também a pequenez de ambos frente ao Universo — vejam que temos apenas um pedaço dessa imensidão em foco aqui. Os ângulos escolhidos para a representação não têm por objetivo ressaltar a grandeza de Galactus, como um superior ao Surfista. Nada disso. Galactus é a voz da compressão da realidade a partir de algo que, depois de tanto tempo, ele está convencido de que não está “por aí”, fora dele. E em nenhum momento ele trata essa conclusão pessoal como um segredo intocável, ao qual Norrin precisa “aceitar para ser feliz“. Longe disso. Não há receita pronta.

É a experiência da busca que fará com que aquele que pergunta, eventualmente, atravesse um pedaço do Universo (em qualquer esfera metafórica ou física que você possa imaginar nesse momento) e encontre algo que o faça evitar, cobrir os olhos, sufocar-se… e então “ver”, exatamente como acontece com o Surfista aqui, em uma sequência ao mesmo tempo angustiante, instigante e reveladora, mesmo que não revele nada — apenas a arte, na representação da grande viagem através do Cosmos segue em seu soberbo trabalho. Sete páginas de um grande convite ao pensamento sobre a existência e sobre aquilo que faz de nós, humanos, aquilo que somos, desejamos e sentimos. Esta é uma história que talvez vá decepcionar leitores mais ansiosos por um final “pronto”, literalmente respondido. Mas não é esta a proposta aqui. A maneira como A Resposta termina era o único jeito que uma obra como esta (pelo caminho da angústia de existir) poderia ter terminado, ou seja, no próprio objeto que busca entender, e para o qual o Universo parece não dar a mínima.

Epic Illustrated Vol.1 #1: The Answer (EUA, março de 1980)
Roteiro: Stan Lee
Arte: John Buscema
Arte-final: Rudy Nebres
Cores: Rick Veitch
Capa: Frank Frazetta
7 páginas

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