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Crítica | Tag (Riaru Onigokko)

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Riaru Onigokko é uma daquelas preciosidades que só os orientais conseguem fazer e em que por acaso esbarrei por aí. Descobri a obra através de um gif no Facebook e minha curiosidade automaticamente foi ativada. Aqui abro um parênteses para uma confissão: gore é meu guilty pleasure, sempre achei divertidíssimos longas como Premonição, os clássicos slasher movies e outros obscuros, como o clássico Riki-Oh: The Story of Ricky (A História de Ricky no Brasil). Mas gore não é simplesmente ter muito sangue voando por aí, o personagem precisa morrer de uma maneira realmente brutal, de forma tão chocante que chega a ser impossível não rir e quem faz isso melhor que os japoneses? Basta assistir Kill Bill: Vol. 1 para se ter uma ideia, já que, além das muitas outras inspirações, as fitas orientais são umas das principais para essa preciosidade de Quentin Tarantino.

Mais que o puro espetáculo sanguinolento, porém, Riaru Onigokko nos pega de surpresa pelo seu teor altamente surreal, mas, antes de entrar nas especificidades, vamos para a trama geral, que tentarei ao máximo sumarizar aqui. Mitsuko (Reina Triendl) é uma jovem estudante do Japão e, em uma viagem da escola passa por uma experiência nada menos que inacreditável. O ônibus na qual estava tem toda a sua metade superior cortada fora e, com ela, a metade superior de seus coleguinhas de classe. Não é preciso dizer que a garota fica, no mínimo, traumatizada. Mas há pouco espaço para permanecer estática quando seja lá o que for que causou isso ainda a persegue. Dito isso, ela corre e corre pela sua vida, enquanto mais mortes ocorrem e ela, enquanto sobrevive, parece entrar em realidades paralelas.

Se eu precisasse resumir a obra para alguém simplesmente diria: é uma mistura de Sucker Punch com Premonição, mas cometeria uma injustiça com o filme sob comento. Embora contenha elementos que o torna similar a essas duas fitas, o filme de Sion Sono conta com diferenças essenciais. Com o foco sempre na protagonista rapidamente nos aproximamos dela, sua confusão é a nossa e tal é a intenção do roteiro, também de Sono, baseado na história de Yûsuke Yamada. A obra busca nos levar em uma espiral de surrealismo, que a cada sequência nos passa uma forte sensação de claustrofobia. Estamos tão presos nessa realidade distorcida quanto Mitsuko e os muitos momentos de calmaria simplesmente fortalecem nossa tensão, ao passo que sabemos que algo de inesperado está prestes a acontecer, embora não saibamos exatamente o que. Esse fato ainda é amplificado pelo leit-motif que percorre toda a projeção, criando em nós uma forte angústia.

O diretor/roteirista ainda acrescenta um tom contemplativo às cenas, possibilitado por um trabalho de fotografia bastante preciso – podemos notar isso especialmente quando corre a protagonista (e não são poucas as vezes) e a câmera permanece junto dela, trazendo paisagens ao mesmo tempo que oculta justamente o elemento causador de nossa (e da personagem) inquietação. Estamos diante de uma decupagem que rapidamente se prova como um dos trunfos do longa e as sequências de transição mais que evidenciam isso – constituem momentos chave dentro do roteiro e a forma como tudo se altera é tão brusca e ao mesmo tempo orgânica que demoramos a perceber o que está à volta da protagonista.

O filme se perde, porém, em alguns momentos. Diversas partes temos a nítida impressão de que estamos sendo apenas enrolados, a calmaria que antecede a tempestade é necessária, mas quando essa se estende demasiadamente acaba prejudicando nossa imersão. Além disso, a tentativa de oferecer uma resposta ao fim da projeção apenas prejudica todo seu teor surreal. Temos uma conclusão que soa como exigência de estúdio, que temia uma falta de engajamento do público – o tiro, contudo, sai pela culatra e, se fosse cortado, nos traria um encerramento muito mais digno de toda a introdução e desenvolvimento.

Por trás disso, porém, há uma forte mensagem feminista, que não irei revelar para evitar os spoilers, mas que pode ser observada logo nos primordios da projeção e vai ganhando mais espaço conforme progredimos na trama. Sion Sono evidentemente critica a retratação machista das estudantes japonesas e cria no espectador até mesmo em enojamento dessas representações – a personagem principal é um dos principais fatores desse aspecto do filme, ao passo que ganha mais voz pouco a pouco – Reina Triendl faz um excelente trabalho, nos trazendo uma garota frágil a priori para, lentamente, retratá-la com mais força de vontade e independência. Como já disse, tudo poderia ser melhor concluído, mas a mensagem consegue ser passada.

O mais interessante é como Sion Sono constrói todo o surrealismo de suas sequências. Sabemos que a verossimilhança não é o objetivo aqui. Os fortes exageros, especialmente no trecho na escola, são evidentemente intencionais e cada morte vem acompanhada de uma risada do espectador, que simplesmente não é dado tempo para processar o que está acontecendo. Temos aqui um filme que gera em nós uma euforia constante e lentamente abre caminho para o seu final. Sim, ele deixa a desejar, mas o momento final em si é bem construído e mencionado algumas vezes ao longo da obra, sendo, portanto, coeso.

Riaru Onigokko é um daqueles longa-metragens que nos deixam em transe após o seu término. Definitivamente não é uma experiência para todos, mas e você aprecia um certo teor de gore junto de uma dose alta de surrealismo, então esse filme não deve ser deixado de lado. Não tirem suas conclusões de imediato, porém, deixem toda a ideia maturar em suas mentes antes e certamente irão adquirir um gosto por essa fita altamente inesperada de tom onírico.

Tag (Riaru Onigokko – Japão, 2015)
Direção:
Sion Sono
Roteiro: Sion Sono (baseado na história de Yûsuke Yamada)
Elenco: Reina Triendl, Mariko Shinoda, Erina Mano, Yuki Sakurai, Aki Hiraoka, Ami Tomite
Duração: 85 min.

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