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Crítica | Tekkon Kinkreet

por Pedro Cunha
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Taiyo Matsumoto é uma das grandes figuras do mercado de mangás do Japão. Em seu currículo, o mangaka possui grandes obras dos quadrinhos orientais como GoGo Monster, Blue Spring e Sunny. Mas nenhuma dessas obras se compara, em grandeza, a Tekkon Kinkreet, lançado entre 1993 e 1994. Tekkon foi lançado no Brasil em 2001 pela editora Conrad, essa que está marcada na história dos mangás em nosso país por trazer diversos títulos, até então, inéditos. Dezessete anos se passaram e finalmente a editora Devir decidiu relançar o mangá. Cabe dizer que, diferente da Conrad, que trouxe a obra em 3 volumes, a Devir decidiu publicar Tekkon Kinkreet em um único volume, que possui mais de 600 páginas.

Tentar reduzir o número de volumes de um mangá tem se tornado um hábito no nosso país, títulos como Alita, Blame, Blade e Jojo’S Bizarre Adventure são publicados quase que mensalmente e possuem um número de páginas bem grande. Já mangás como Uzumaki, Ayko e Tekkon Kinkreet são lançados em únicos volumes gigantescos. Encurtar o número de volumes aumentando o número de páginas é uma estratégia que pode ser interessante, mas também pode trazer problemas. Em Tekkon Kinkreet isso fica bem evidente, já que, para não tornar o tamanho do quadrinho muito grande, a Devir decidiu publicar o gibi com páginas muito finas. Isso seria ótimo se a arte de Taiyo Matsumoto não utilizasse muito do nanquim. Todos os pretos de uma página acabam aparecendo na página seguinte, o que atrapalha na experiência de leitura.

TK conta a história dos irmãos Shiro (o Branco) e Kuro (o Preto), ambos meninos de rua que possuem o dom de voar. Eles vivem em uma cidade de ferro e concreto, em japonês, tekkon e kinkreet, abandonada por sua população e dominada pelo crime. Logo nas primeiras páginas, Matsumoto nos mostra como é a relação entre dupla. Shiro é um menino puro que, apesar de bater em estranhos, não vê maldade no próximo e muito menos em seus atos. Kuro é muito diferente de seu irmão, malicioso e muito mais “safo”; e é ele que, pelo menos no início, mostra ser a base desse relacionamento.

Shiro e Kuro são órfãos. A única relação de paternidade que eles possuem e com um personagem que é apelidado pelos meninos de Vovô, e que possui todas as características de um clássico mestre da Jornada do Herói. Para sobreviver, a dupla precisa roubar e, para roubar, eles precisam ser agressivos. A arte de Taiyo Matsumoto não poupa em nos mostrar momentos viscerais, em que os meninos voadores batem em suas vítimas e as deixam sempre desalentadas no chão.

Em meio a todos esses roubos e agressões somos apresentados a uma trama maior, que gira em torno de duas grandes gangues, uma antiga, que possui o domínio da cidade, e uma nova, que busca tomar o espaço dos velhos chefões de uma forma muito mais rígida e misteriosa. Entre essa guerra de máfia estão os nossos dois protagonistas, que possuem um grande apego pela cidade que os criou, chegando muitas vezes a dizer que a cidade em questão pertence a eles.

O roteiro estabelece muito bem todos os personagens. A relação de branco no preto dos irmãos fica muito bem definida e tem diálogos que fazem com que Shiro e Kuro cresçam durante sua jornada. Até mesmo os chefes de gangue têm um bom desenvolvimento. Taiyo faz questão de dar um pouco de tempo para todos os personagens que insere em seu quadrinho, e essa estratégia o torna muito mais interessante e robusto. O único “personagem” que o mangaka deixa de desenvolver é a sua cidade. Mesmo sendo um dos maiores motivadores da narrativa, ela é o MacGuffin. Todos os personagens declaram seu amor pelo local, mas nós não somos atingidos por esse sentimento, já que o roteiro não faz questão de desenvolver como essa cidade é na cabeça do leitor. Faltaram aqui quadros que mostrassem mais como esse espaço funciona. A narrativa gráfica oriental é famosa por seus quadros de aspecto. Esses poderiam ter sido muito bem utilizados para estabelecerem a cidade como um ser vivo. Infelizmente Tekkon Kinkreet não utiliza muito bem desse tipo de narrativa.

Se Taiyo Matsumoto peca ao não utilizar-se da narrativa de aspecto, ele vai muito bem em diversos outros formatos. A arte em Tekkon Kinkreet é cheia de ação na diagonal, denotando os rápidos movimentos dos irmãos em combate. Outro grande destaque são as mudanças de ângulos. Alterar o ângulo de um quadro para o outro parece ser algo muito fácil dentro de uma história em quadrinho, porém, pouquíssimas vezes vi esse recurso sendo tão bem utilizado como em Tekkon Kinkreet. Matsumoto muda esse olhar conforme a ação pede, e isso é mostrado de maneira tão fluída que muitas vezes passamos o olho sem ao menos notar a capacidade do autor de fazer isso.

A arte de Taiyo consegue ser visceral em momentos de luta e ingênua em momentos de diálogos triviais. Tudo isso é feito por meio de linhas grossas, em alguns momentos, e finas em outros. Também conseguimos notar uma clara diferença de abordagem entre os cenários e os protagonistas, sendo que o fundo é sempre muito bem detalhado, enquanto os personagens possuem uma composição mais simples. Isso é um boa maneira da arte mostrar a simplicidade da nossa dupla perante um mundo complicado e até mesmo feio em sua hiperatividade de estímulos visuais.

É muito fácil entender o porquê Tekkon Kinkreet é um clássico. A competente narrativa gráfica de seu autor junto com um roteiro que nos apresenta personagens interessantes e cativantes fazem desse gibi de mais de 600 páginas uma leitura extremamente rápida e, por mais violenta que seja, leve. Taiyo Matsumoto é um excelente exemplo de uma indústria de quadrinhos madura que sabe muito bem apresentar para seus leitores um roteiro interessante acompanhado de desenhos fortes e uma narrativa gráfica extremamente competente.

Tekkon Kinkreet — Japão, 1993/1994
Roteiro: Taiyo Matsumoto
Arte: Taiyo Matsumoto
Letras: Taiyo Matsumoto
Editora: Shogakukan
Editora no Brasil: Devir
620 Páginas

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