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Crítica | Tempo de Cavalos Bêbados

por Luiz Santiago
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Para uma visão distanciada e puramente técnico-analítica sobre o filme, levando em consideração as condições reais (geográficas, humanas e dos bichos) na produção da obra, além do teor político nas relações entre curdos, iranianos e iraquianos, a nota para este filme é:

Para uma visão que considera os esforços do diretor na película, mas não aprecia a forma como humanos e outros animais são tratados, ou mesmo o abrupto final que nos deixa desnorteados quanto o rumo da história — principalmente porque toda a jornada foi de dor e sofrimento –, a nota para este filme é:

Para uma visão que abomina qualquer tipo de mal trato aos animais, à exploração de crianças em favor de uma produção artística qualquer e exposição de vidas a condições extremas de seus limites para conseguir uma “boa cena”, a nota deste filme aponta para uma total falta de sensibilidade do diretor, portanto é:

Também conhecido no Brasil como Tempo de Embebedar Cavalos, este primeiro longa-metragem do curdo-iraniano Bahman Ghobadi — que começou no cinema como assistente de direção de Abbas Kiarostami em O Vento nos Levará (1999) — consegue gerar uma longa e complexa discussão moral sobre os limites de um artista para produzir sua obra. E esta crítica será uma verdadeira batalha para orquestrar os três pontos de vista que me ocorreram durante a sessão, fazendo-me chegar a uma conclusão 100% relativista sobre o filme.

Escrito e dirigido por Ghobadi, Tempo de Cavalos Bêbados foi filmado na vila onde o diretor cresceu, e é apenas o 4º filme da história do cinema a ser gravado principalmente em curdo, um idioma banido das escolas iranianas, por motivos políticos, desde os anos 1940. A escolha do diretor para o idioma do longa (há também o persa, mas fala-se majoritariamente curdo) denota uma escolha ao mesmo tempo cultural e política, especialmente porque levanta as discussões (aqui, ao nível humano, o que pode ser contraditório) sobre a região do Curdistão, que graficamente abrange partes da Turquia (a maior parte), Iraque, Irã, Síria, Armênia e Azerbaijão.

É neste cenário montanhoso e coberto de neve que vemos uma família de crianças órfãs que precisam trabalhar para pagar a mula perdida de um contrabandista, acidente pelo qual foram responsabilizadas. E aí começam os problemas do longa, dependendo da posição moral que o espectador terá ao julgá-lo. Porque neste filme, não temos um “realismo normal”. Não há próteses nas crianças, efeitos especiais, dublês, nem nada do tipo. O que se vê na tela é o que está lá: uma criança aleijada e mentalmente instável sendo levada de qualquer jeito por estradas enevoadas em caminhões e lombos de mulas e cavalos, engolindo comprimidos a seco e visivelmente desconfortável com boa parte do que se faz com ela no filme. A mesma coisa poderíamos falar das outras crianças e, especialmente, dos animais espancados, chutados, maltratados no decorrer da fita.

Como disse, não é um “realismo normal”. E tudo fica ainda mais chocante porque a estrutura de Tempo de Cavalos Bêbados é pseudo-documental, tornando as situações ainda mais dolorosas. É difícil um espectador assistir ao filme sem derramar uma lágrima ou se incomodar pelas crianças e pelos cavalos embebedados na tela. A obra nos lembra, da pior maneira, que existe uma grande ferida no mundo; que muitas pessoas sentem muita dor, que estão só. Entre ânsias, vemos também um mundo infantil cheio de dificuldades, esperança e amor, mas este lado, que nas mãos de outros diretores iranianos como o já citado Abbas Kiarostami ou ainda Asghar Farhadi, Jafar Panahi e Mohsen Makhmalbaf, ganhariam, além de uma dura crítica, uma dose real de lirismo. Nas mãos de Bahman Ghobadi, isto se tornou algo brutal, cru. A única concessão que o cineasta faz é à inocência do olhar das crianças para uma palavra que ele expõe nas entrelinhas, quase negando, mas que ao final não retira completamente: esperança.

A relação dos personagens com a paisagem natural (e suas metáforas imagéticas), as questões político-geográficas como pano de fundo da trama central, e o amor fraterno como coluna vertebral do enredo são coisas que indicam uma obra madura e muito bem realizada, mas volto a dizer, este é apenas um dos muitos olhares para Tempo de Cavalos Bêbados.

Particularmente, eu nunca havia visto uma película com crianças que se equiparasse ao trabalho deste filme. Apesar de toda a terrível situação, a beleza dos enquadramentos e a direção de Ghobadi para os não-atores chama a atenção do espectador. O filme é lancinante, mas ao mesmo tempo, alcança um patamar de clamor pela esperança. O final aponta para isso, embora o destino do protagonista, a partir dali, seja incerto. E a opinião do público para o que acabou de assistir, também.

Tempo de Cavalos Bêbados / Tempo de Embebedar Cavalos (Zamani barayé masti asbha) — Irã, 2000
Direção: Bahman Ghobadi
Roteiro: Bahman Ghobadi
Elenco: Ayoub Ahmadi, Rojin Younessi, Amaneh Ekhtiar-dini, Madi Ekhtiar-dini, Kolsolum Ekhtiar-dini, Karim Ekhtiar-dini, Rahman Salehi, Osman Karimi, Nezhad Ekhtiar-dini
Duração: 80 min.

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