Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Texone – Vol. 21: O Profeta Indígena

Crítica | Texone – Vol. 21: O Profeta Indígena

por Luiz Santiago
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Os Hualapai são um povo indígena americano, natural do norte do Estado do Arizona. Originalmente espalhados pelas montanhas do mesmo nome (hoje, Condado de Mohave, em torno da cidade de Kingman), os Hualapai tiveram um destacado período de guerra entre 1865 e 1870, por motivos mais ou menos similares aos recorrentes motivos históricos de guerras indígenas, que aqui não vem ao caso. Foram os eventos desta guerra, obviamente adequados à narrativa de uma história de Tex, que o roteirista Claudio Nizzi se baseou para escrever a interessantíssima O Profeta Indígena (Il Profeta Hualpai, no original).

A trama começa com uma revelação recebida por um jovem indígena de nome Manitary. Em sua visão, o Grande Urso diz para que o jovem reúna as diversas tribos das montanhas e do deserto sob seu comando e saia em uma caçada ao homem branco, que deverá sair em retirada das terras que antes pertenciam aos peles-vermelhas. Citando ajuntamentos históricos de nativos americanos como Hualapais, Havasupais, Utes, Paiutes, Kaibabs, Zunis, Hopis, Apaches e Navajos, O Profeta Indígena é uma narrativa dominada por atmosfera mística (não igual à de A Marca da Serpente, porém. O misticismo aqui é mais íntimo, subjetivo) que aos poucos pode ser classificada como uma história de caráter “ideológico”.

Mesmo que esta palavra não seja adequada à época e ao lugar, o que temos é, em análise precisa e conscientemente anacrônica, uma tomada ideológica das tribos, tendo como base um elemento profético. E servindo-nos de mais anacronismos perfeitos à situação, podemos falar tranquilamente de uma Cruzada indígena liderada por um “fanático animista”. É com base nesse ideal que o roteiro de Nizzi cresce, fazendo com que Tex e seus pards iniciem a caçada a Manitary e impeçam que mais sangue seja derramado à toa. A ironia, porém, não escapa ao leitor. A despeito dos atos belicosos e condenáveis incitados pelo jovem profeta, é preciso lembrar que a “retomada das pradarias” era, na verdade, a retomada de uma terra que havia sido roubada dos povos nativos. Claro que a este ponto da História do mundo, esse tipo de estabelecimento étnico/geográfico já era praticamente impossível, mas a discussão não pode ser deixada de lado.

A separação em duplas aqui (Tex e Tigre & Carson e Kit) acontece no melhor momento e o roteiro é simplesmente perfeito ao mostrar ações sólidas e com igual importância para cada personagem (diferente do que o próprio Nizzi fizera em Chumbo Ardente, por exemplo). Durante todo esse processo, o texto é acompanhado pela soberba arte de Corrado Mastantuono. Dotado de uma forma segura de criar traços leves, simples, mas em cenários e figuras humanas sempre muito expressivas, o artista captura de imediato a atenção do leitor pelo perfeito contexto que faz do espaço, pelos grupos indígenas, por sempre destacar algum animal da pradaria e das regiões da montanhas ou pequenas matas da região e, principalmente, por ter um senso de perspectiva e ambientação que nos lembra o de grandes panorâmicas ou planos gerais no cinema.

Em termos de bom uso de perspectiva, a primeira coisa que me veio à mente foi a semelhança que a arte de Mastantuono guarda com a do colega Guido Buzzelli, que ilustrou Tex, o Grande. Todavia, o estilo de Mastantuono é menos garboso, mais preocupado em grandes espaços e planos, mostrando com clareza e beleza tudo à sua volta, do que a atenção intimista e grandiosa dada por Buzzelli aos seus personagens. Dois destaques aqui: um para a sequência de festa dos Hualapai na noite antes de receberem o carregamento de rifles; e outro na abertura do volume, onde vemos estabelece-se o suspense de forma precisa, fazendo-nos temer a ação indígena e respeitar a revelação de Manitary.

Foi com pesar que eu cheguei ao final da edição e percebi que Nizzi colocou na boca de Tex o desprezo máximo às visões do profeta. E isso depois de uma excelente cena com Dois Troféus. Outro ponto falho está exatamente nas 3 ou 4 últimas páginas, quando uma enorme cena de tiroteio é finalizada e, com uma imensa rapidez e uma mínima porção de diálogos, coloca-se fim a todo o drama. Se o autor tivesse se dado o trabalho de escrever três páginas a mais, a conversa final manteria jornada orgânica e a sensação de aventura terminada às pressas jamais tomaria conta do leitor. E mesmo com tudo isso, o saldo final da história ainda é largamente positivo. O Profeta Indígena mais do que vale a leitura!

Tex Albo Speciale – Texone #21: Il Profeta Hualpai (Itália, junho de 2007)
Editora original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil: O Profeta Indígena (Tex Gold: Editora Salvat, 2017)
Roteiro: Claudio Nizzi
Arte: Corrado Mastantuono
231 páginas

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