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Crítica | The Ballad of Buster Scruggs

por Luiz Santiago
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Os irmãos Ethan e Joel Coen estão de volta, assinando a produção, o roteiro e a direção dessa excelente Balada de Buster Scruggs, filme mundialmente distribuído pela Netflix. O roteiro tem uma característica episódica que a dupla sempre admirou e que nesse caso é potencializada pelo formato de antologia, com um conjunto de seis histórias não relacionadas em si, mas pelo tema que é também o gênero do filme: o Western. Como todas as produções de faroeste dos anos 2010, é possível encontrar aqui características revisionistas ligadas à homenagem e também ao acompanhamento da cartilha do gênero, três das coisas que os Coen igualmente gostam e sabem fazer muito bem.

Novamente em colaboração com o excelente fotógrafo francês Bruno Delbonnel (Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum), a dupla consegue um resultado final muito mais alto do que o título  propositalmente bobo do filme sugere. E essa bobagem é a cara do primeiro segmento da obra, The Ballad of Buster Scruggs, que mostra o protagonista vivido por Tim Blake Nelson com uma construção de personagem que é todinha à moda de Lucky Luke. Aqui, ele vira um cowboy vestido de branco e dado a cantorias que desbrava o Oeste com seu cavalo Dan. Pela forma como é finalizado, o segmento é o mais fraco do filme, mas isso não significa que seja menos que muito bom. A violência inesperada e constante que marcam a filmografia dos Coen aparecem aqui em toda a sua glória, sendo este o bloco que dá o tom do filme, mesmo que cada uma das partes mostre uma diferente crônica daquele tempo, fazendo jus ao subtítulo da fita: “…e outros contos da fronteira americana“.

Alguns espectadores talvez se incomodem com o formato de costura dos contos, porque a base imaginada pelos roteiristas é de uma construção literária aproximada pelo cinema (pela primeira vez, digital, em se tratando dos Coen) e isso é mesmo uma questão de gosto. Particularmente não me incomodei em nada com o fio condutor, ao contrário, gostei muito da forma como a brincadeira de narração através de um “Livro de Contos Clássicos” é colocada na tela, mesmo não sendo algo novo cinema — aqui, todavia, o formato ganha um tratamento todo particular da dupla. Vejam o segmento Near Algodones, por exemplo, com James Franco no papel principal. Por ser a primeira passagem de segmentos, este é o choque narrativo do filme (após o desnecessariamente exagerado final de Buster Scruggs), mas a ligação é feita de maneira tão simples e organicamente tão boa, que fica difícil não mergulhar nessa narração, especialmente no caso de Near Algodones, uma corrupção do conceito de Consciências Mortas com pitadas de Spaghetti Western, o que torna tudo ainda mais intenso e divertido ao mesmo tempo.

Meal Ticket, com Liam NeesonHarry Melling (nosso eterno Duda Dursley em um papel muitíssimo mais interessante que o do colega veterano) é, juntamente com o último conto, The Mortal Remains — que tem a melhor direção de fotografia do longa e faz o mesmo tipo de exercício de “longo diálogo de diligência” visto em Os Oito Odiados — o mais contemporâneo dos segmentos, com uma abordagem dramática mais forte que o próprio tema do Velho Oeste. No primeiro caso, a relação entre o personagem de Neeson e o de Melling nos faz pensar o filme por um caminho completamente diferente do que ele toma, no final, tornando o título conceitualmente mais cruel, a cara dos Coen. Já The Mortal Remains flerta com o horror, e pelo trabalho fotográfico de Delbonnel, consegue criar uma atmosfera medonha e sugerir muito mais coisas do que o próprio roteiro diz. As reticências na sequência final e a forma como os diretores finalizam o bloco — e o filme — não poderia ser mais apropriado, quase com uma piscadela para o público.

A abordagem e os personagens de All Gold Canyon (inspirado em um conto de Jack London) e The Gal Who Got Rattled (inspirado em um conto de Stewart Edward White) fazem desses segmentos os mais “clássicos” de todo o filme, ganhando apenas elementos da assinatura dos diretores como um tom mais fabulesco no primeiro e um tom mais trágico no segundo, ambos os tratamentos condizentes com o roteiro e com a intenção da dupla ao mostrar a jornada desses personagens. De um lado, o garimpeiro maravilhosamente vivido por Tom Waits (cuja saga é uma versão íntima e solitária dos muitos westerns sobre a Corrida do Ouro); do outro, a penosa e social jornada de sobrevivência de uma mulher jovem e sem família indo de uma cidade para outra, em uma caravana de diligências. Zoe Kazan dá vida à jovem cuja história, por motivos bem diferentes, flerta, em temática de laços, com a camada trágica vista previamente em Meal Ticket.

Ao longo de 25 anos os irmão Coen partilharam a escrita de histórias no Velho Oeste e aqui nós temos a oportunidade de ver algumas delas. Em Bravura Indômita a dupla até conseguiu colocar um pouco dessa visão (The Midnight Caller, a história citada naquele filme pela personagem de Hailee Steinfeld, aparece aqui), mas é nessa antologia que os dois mostram na prática o quanto amam e o quanto podem contribuir para garantir ao Velho Oeste americano o seu lugar mítico e cinematograficamente fascinante, mesmo tanto tempo depois do declínio do gênero. Obra de mestres.

The Ballad of Buster Scruggs (EUA, 2018)
Direção: Ethan Coen, Joel Coen
Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Liam Neeson, James Franco, Zoe Kazan, David Krumholtz, Clancy Brown, Brendan Gleeson, Stephen Root, Harry Melling, Tom Waits, Ralph Ineson, Tim Blake Nelson, Tyne Daly, Saul Rubinek, Matthew Willig, Chelcie Ross, Bill Heck, Jesse Luken, Katy Bodenhamer
Duração: 132 min.

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