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Crítica | “The Book Of Souls” – Iron Maiden

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Cinco anos de espera.

Desde The Final Frontier (2010), a Donzela de Ferro não lançara mais nenhum álbum de estúdio e o contato da banda com os fãs se deu através das duas grandes turnês The Final Frontier World Tour (2010–2011) e Maiden England World Tour (2012–2014) e dos dois discos ao vivo que saíram nesse período, En Vivo! (2012, gravado no Chile em 2011) e Maiden England ’88, um relançamento mais caprichado do mesmo disco que saiu em 1989 e foi gravado em Birmingham, durante a turnê de Seventh Son of a Seventh Son, em 1988.

Sendo o primeiro álbum duplo da banda, seu disco mais longo (92 minutos) e sua chegada com tudo na Parlophone Records, após o encerramento do contrato com a EMI (2013), The Book of Souls é uma jornada musical dentro da linha progressista que o Iron Maiden vem moldando desde os anos 1990 e que evidentemente afastou parte de seus admiradores da década anterior. Neste 16º álbum, o sexteto mostra o que sabe fazer de melhor adicionando pitadas de épico em todas as canções e mostrando-se muito mais coeso e seguro dentro de sua natural evolução do que na trinca de álbuns anteriores, Dance of Death (2003), A Matter of Life and Death (2006) e The Final Frontier (2010).

Mais orgânico e mais disposto a enfrentar riscos, The Book of Souls não tem nada de “repetição de fórmula”, como defendem alguns desafetos, mas não se furta em trazer alguns elementos familiares da discografia da banda apenas para refigurá-los, tanto no contexto lírico (novas formas de falar sobre a vida após a morte, “contos do além” e almas perturbadas) quanto em novas marcas musicais.

Disco 1

Até a maneira como o disco foi organizado nos dá essa impressão de jornada pelo além e por experimentos de diferentes intensidades. Vejam por exemplo a abertura, If Eternity Should Fail, que não tem a marca da fase progressista, possui uma excelente produção — os sintetizadores são utilizados de forma primorosa nos primeiros compassos — e arranjos para múltiplos instrumentos, com entradas e saídas bem demarcadas, ritmo preciso, solos duplos não atropelados, ótimo violão na reta final (com uma narração em voz cavernosa/caveirosa) e um sabor clássico que provavelmente vai fazer os fãs nada simpáticos ao “novo Iron” abrirem um pequeno sorriso.

Speed Of Light, com suas ótimas progressões de guitarra, refrão intoxicante (já imagino os versos sendo cantados por uma multidão nos shows) e sensacional homenagem aos videogames fica ainda melhor quando ouvida no contexto do álbum. Lançada anteriormente ao disco, tornou-se o primeiro single e o cartão de visitas. A escolha pode ser questionável, porque esta não é a melhor canção de The Book of Souls, mas o tratamento visual dado a ela funcionou bem, o que ao fim, acaba justificando a escolha.

A terceira faixa, The Great Unknown, nos deixa claro, pela primeira vez, que o jogo entre crescimento e diminuição compassada de intensidade será utilizada a perder de vista no álbum, o maior erro do produtor Kevin Shirley, que deveria ter pensado com a banda variações de início e fim para não nos cansar pela repetição. A “remissão” da forma, contudo, vem na excelente The Red And The Black, principiada com um solo de baixo fortemente marcado e em seguida, um riff que indica a vivacidade da canção, cujo refrão de estádio já nos faz imaginar a execução da faixa ao vivo. Embora eu prefira os vocais de Dickinson em The Great Unknown, seu trabalho em The Red And The Black é excelente e o amálgama do metal com motivos folk e flamenco, somados a longas passagens instrumentais (algo esperado para uma faixa de 13 minutos) são organizados em diminuição rítmica, criando uma das obras mais inteligentes do disco, em estrutura.

A penúltima deste lado um é When The River Runs Deep, uma faixa mais “velho Maiden”, se considerarmos a jornada anterior. Aqui temos vozes de apoio enriquecedoras, sequências de bons solos que infelizmente parecem “encaixados” mas que no todo geram um bom produto — embora de menor destaque no escopo do álbum. E para finalizar este bloco, a fantástica The Book Of Souls, com um arpejo de aparência medieval que sinaliza uma faixa longa e nos entrega uma pequena metal-ária, a porta de entrada para a ótima Empire Of The Clouds, que adentra ao território operístico em grande estilo, no desfecho do álbum. Os vocais de Dickinson em The Book Of Souls (seu timbre alcança agudos perfeitamente controlados, não parece que ele está gritando, mesmo quando está. Não soa agressivo. É impressionante. E lembrem que o músico tinha acabado de se curar de um câncer na língua.) reafirmam essa intenção de criar uma ária — a faixa segue um ciclo! — que deixasse o ouvinte preparado para um disco dois aparentemente mais rebuscado mas que, na verdade, desacelera um tantinho em qualidade.

Disco 2

Death Or Glory me deu a impressão de uma grande filler no meio de faixas de maior valor para o disco. A rigor, a objetividade da composição faz com que se pareça a material mais antigo, porém, a impressão se dissipa com a cara de “feita para ser single” que quebra um pouco o que ouvimos antes e ouviríamos depois. Não é uma faixa ruim, mas eu particularmente achei a mais fraca do álbum.

Shadows Of The Valley foge ao padrão de aumento compassado e retorno a notas de menor altura no final, conquistando pelo excelente riff — os que vem depois do refrão são enlouquecedores –, pela base rítmica com modulações bem realizadas (no desfecho eu vou falar do papel geral da mixagem, mas eu gosto muito do que é feito aqui) e pelas linhas musicais que melhor elencam o conjunto de guitarras até o final, um resultado que nos alegra o espírito para depois “massacrá-lo” com a emocionante Tears Of A Clown, que apesar da simplicidade de base, é uma preciosa lembrança ao ator Robin Williams, que devido a depressão, se suicidou em 2014. Novamente estamos em um ambiente onde as coisas se resolvem rápido e de forma simples. A composição não é nada óbvia, nem na poesia nem na música, e nos prende pelo ouvido e pelo coração do começo ao fim.

Contundente. Um pouco esquisita pelas variações que não são lá muito bem interligadas, mas não tem jeito, The Man Of Sorrows é uma baita canção. O início é melódico e aos poucos vemos o resto da banda entrar, seguindo muito bem até o refrão, que esperamos que seja simples, mas não é, e daí partimos para a reta final da faixa que eleva o Iron Maiden a um território que é uma surpresa parcial para nós. Claramente o aceno de um novo caminho dentro de sua Era Progressista (eu acabo usando o nome para melhor identificação da fase, mas não concordo muito com a definição), um aceno que eu não me importaria em nada se aparecesse umas duas vezes no Disco 1 e pelo menos mais uma aqui no Disco 2.

E então chegamos à mais longa canção da Donzela de Ferro até agora, Empire Of The Clouds, a retomada da tendência operística aberta com uma “simples ária” em The Book Of Souls e estendida aqui para 18 minutos de uma inspiradíssima composição de Bruce Dickinson, que também está ao piano, instrumento mantido em destaque mesmo nos momentos de maior intensidade das guitarras, na segunda parte da faixa. A força das cordas no início — violoncelos em lamento — e a boa orquestração para violinos e violas como complemento criam um prólogo de 5 minutos que, compasso a compasso, verso a verso, aumenta de intensidade e deságua no metal tomando força, com a excelente pontualidade rítmica de Nicko McBrain e os excelentes trabalhos em conjunto de Murray, Smith e Gers, com destaque para as variações de tempo que temos entre os minutos 6 e 8 e várias outras vezes nos versos até o final da faixa. É uma viagem que provavelmente não vai agradar a todos mas que para mim alcançou o topo máximo do álbum. Um perfeito desfecho.

Com melhores letras, melhor produção, maior diversidade instrumental, mais focado e pontuado por uma forte energia de grupo do que a maior parte dos discos do Iron de final dos anos 90 para cá, The Book of Soouls é uma grata e louvável surpresa para quem achava que a banda, tantos anos depois (e parcialmente odiada por fãs que excluem toda a evolução conceitual/musical do grupo nas duas últimas décadas), não conseguiria entregar bom um trabalho. Embora peque pontualmente por exageros aqui e ali e tenha uma mixagem de som um tanto aquém de sua grandeza, o Iron Maiden mantém ativo o seu posto no alto escalão de bandas que a despeito de sua longevidade, mantiveram-se fieis à sua herança musical, jamais deixaram de evoluir e nunca perderam o brilhantismo. The Book of Soouls é uma excelente prova viva [e altamente recomendada] disso.

Aumenta!: If Eternity Should Fail
Diminui!: Death or Glory
Minha canção favorita do álbum: Empire Of The Clouds

The Book Of Souls
Artista: Iron Maiden
País: Reino Unido
Lançamento: 4 de setembro de 2015
Gravadora: Parlophone, Sanctuary Copyrights/BMG
Estilo: Heavy Metal

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