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Crítica | The Cleaners

por Gabriel Carvalho
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“Deletar. Ignorar. Deletar. Deletar. Deletar. Deletar. Deletar. Ignorar”

Uma cena de estupro, caso publicada em uma rede social, não pode ser apagada por um algoritmo. The Cleaners é um documentário que consegue ser sobre faxina, também sobre classes sociais, ao mesmo tempo que se distancia de um arquétipo acerca de condições econômicas desfavoráveis, para adentrar um mundo tecnológico, cheio de computadores e salas escuras. Um mundo, teoricamente, limpo, em que não existem sujeiras pelo chão. Um mundo, porém, em que as podridões estão presentes em dados, impossíveis de serem eliminados por algoritmos, ou seja, que precisam ser expurgados por certas pessoas, deletados, para não estarem à vista de outras, impedindo-se, portanto, a propagação de mídias dramaticamente perturbadoras – estupro, pedofilia, decapitação, suicídio, barbáries em geral. Os faxineiros da internet. Os traumas residirão em um único indivíduo, um único moderador de conteúdo, ao invés de tornar-se parte do imaginário de milhares de pessoas. Quem se candidataria a este assombroso emprego? Quem seria sacrificado em prol do bem maior? Os relatos são chocantes e devem ser considerados.

Os mais pobres, como sempre. Uma faxina dos retratos dessa humanidade existente, mas que devemos pretender ser mentirosa, apresenta The Cleaners. A famigerada bolha, para os mais ricos. A ser recolhido, no chão, por essas criaturas quase que indefesas – entrando nesse mundo pela oportunidade, obrigadas a permanecer nele pelo contrato -, tudo que comportaria o significado de podre, entre as fomentações mais auto-destrutivas dos seres humanos – a guerra, principalmente. Os protagonistas são pobres almas, de origens humildes, mas que, diferentemente da maior parte das pessoas a sua volta, estão trabalhando com o futuro. A disparidade dos trabalhadores na sede do Facebook, onde pessoas até mesmo moram dentro da empresa, para os trabalhadores retratados nesse documentário é gritante. As juventudes de outros lugares do mundo estão se envolvendo de maneiras desgastantes, condenáveis, com essa mesma rede, justamente trabalhando para essa mesma rede – um olhar humano sobre tais homens e mulheres é criado. As consequências nunca antes imaginadas sobre as redes sociais. O outro lado da curtida.

O conteúdo provoca, contudo, o documentário acaba se perdendo nesse vai-e-vem de âmbitos. As políticas das redes sociais comentadas, principalmente Facebook e Youtube, são diferentes entre si – o espectador se desencontra em meio ao que uma empresa acredita e ao que outra empresa acredita. Em um momento, estamos  observando um contexto artístico, em que se é discutido porque determinada pintura deve ser removida ou não – seguindo as normas de cada empresa -, enquanto, em outro, estamos observando um contexto histórico, em que se é discutido porque determinada fotografia, novamente, deve ser removida ou não. Uma imagem histórica merece ser vista? Quando toda nudez merece ser castigada. A execução de um homem, por mais importante que seja, merece ser taxada como historicamente relevante? As seguintes discussões são jogadas em cena, mas não exploradas. “Eu não sei se fizemos a coisa certa”, diz uma entrevistada. O verdadeiro interesse, porém, reside nos personagens dessa obra, símbolos da perda de uma inocência complicada à preservação em um mundo grotesco. A morte da ingenuidade.

O caráter humano do documentário, em última instância, é significativo. Os moderadores importam para os documentaristas, notavelmente preocupados com os direitos humanos ameaçados por essas redes. As inserções de e-mails em meio às passagens da obra, ademais, são auxiliares extremamente interessantes, além de misteriosos, importantes para a derradeira criação de universo, com elementos a destroçarem completamente seres humanos sendo mantidos em frente a uma tela de computador, assistindo horrores. Um ponto de vista é que a obra acaba se despreocupando com essa narrativa à base de uma formalidade, montando, ao invés disso, um emaranhado acerca desse universo, antes impensado pelo espectador – como é um assunto pouco evidenciado, a novidade surge como um baque inestimável e deveras engajante. Uma produção expositiva do problema, enaltecendo as consequências pessoais das pontuações, porta de entrada para novos estudiosos interessados nos horrorosos meandros dessas redes sociais. Uma obra que muitos querem que seja deletada, mas que não pode ser ignorada.

The Cleaners – Alemanha, 2018
Direção: Hans Block, Moritz Riesewick
Roteiro: Hans Block, Moritz Riesewick, Georg Tschurtschenthaler
Duração: 95 min.

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