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Crítica | The Expanse – 2ª Temporada

por Ritter Fan
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  • Só há spoilers da temporada anterior, cuja crítica pode ser lida aqui.

Existem séries de ficção-científica que pesam muito mais no lado da ficção do que no da ciência e a explicação para isso é simples e objetiva: o sci-fi atiça a imaginação e permite arroubos criativos que, em mãos pouco hábeis, chegam perto de um vale-tudo televisivo e a ciência funciona como uma potencial – e indesejada – âncora para esse voo da imaginação. E de forma alguma quero afirmar que a ficção fantástica, ou seja, aquela que descamba para o lado da fantasia, ou mesmo o chamado soft sci-fi são piores ou melhores do que o hard sci-fi, mas sim que este último é bem mais difícil de encontrar de verdade por aí.

The Expanse, baseada na sempre crescente coleção de livros de James S. A. Corey (pseudônimo da dupla Daniel Abraham e Ty Franck, também envolvidos na produção), parece ter vindo para preencher esse vácuo e alimentar aqueles famintos por uma ficção-científica consistente com uma extrapolação lógica da tecnologia hoje disponível, o que resulta em fascinantes sequências como a do lançamento da gigantesca – e bíblica – nave dos Mórmons, a Nauvoo, que é abordada em minúcias tão impressionantes que considero esse momento o perfeito encapsulamento de tudo que a série representa: extremo cuidado narrativo, design de produção irretocável e efeitos especiais que estabelecessem um novo patamar para a TV e que, arrisco dizer, não fariam feio nas telonas do cinema. E falo sério. Revejam a referida cena de lançamento que parece muito mais longa do que é por sua intercalação precisa com outras sequências de ação em uma montagem paralela que remonta ao que vemos ao final de O Retorno de Jedi, e notem como a câmera vai do plano-detalhe ao plano-geral sempre acrescentando e aprofundando as informações visuais do que, em uma série qualquer, seria algo prosaico e completamente irrelevante. The Expanse é capaz de transformar o trivial em triunfo e esse é um dos grandes diferenciais da produção.

A ótima estrutura de três núcleos da 1ª Temporada é mantida na 2ª, mas, com Miller juntando-se à tripulação da Rocinante ao final da anterior, somos apresentados imediatamente a um novo terceiro vértice que nos permite o primeiro vislumbre de Marte: a equipe de Marines liderada pela beligerante Roberta “Bobbie” Draper (ou somente Gunny para seus colegas, já que ela é uma Gunnery Sergeant), vivida por Frankie Adams. No entanto, a verdadeira fusão de Bobbie ao seio narrativo da temporada não acontece de imediato, mas sim muito aos poucos e de uma maneira inesperada, como parte da pegada fortemente política que é, diria, o mote central do segundo ano da série.

Mesmo com a Rocinante como centro das atenções, com as diversas pontas narrativas sempre convergindo, de uma forma ou de outra, para lá, a grande mudança da temporada dá-se mesmo é com a acentuação do tempero político que coloca Terra e Marte ainda mais próximos de uma guerra, com o Belt (ou Cinturão) no meio tentando obter o máximo de elementos para tornar-se uma força independente, capaz de estancar a exploração de décadas e décadas de seus habitantes e quem sabe, virar a mesa completamente. No entanto, esse foco maior na política é magistralmente catapultado pela trama tecnológica, que serve de pano de fundo para a série, com a protomolécula no asteroide Eros desenvolvendo-se assombrosamente e transformando a rocha espacial em uma espécie de nave viva que ameaça frontalmente a Terra, levando as Nações Unidas, claro, a concluir que se trata de uma arma marciana. 

Com isso, o espaço de Chrisjen Avasarala, vivida pela fenomenal Shohreh Aghdashloo é alargado, com momentos absolutamente brilhantes da personagem, como quando ela enfrenta Sadavir Errinwright (Shawn Doyle também ganhando mais espaço na temporada) para ameaçar o obscuro e fugidio bilionário Jules-Pierre Mao (François Chau, extremamente vilanesco nos poucos minutos em que aparece), responsável pelos experimentos com a protomolécula. E o lado político marciano, apesar de menos pronunciado, também ganha ampla abordagem quando uma delegação vem para a Terra negociar a paz – ou a volta a um estado mais “equilibrado” de Guerra Fria – momento muito bem aproveitado pelo roteiro para desfazer utopias. De um lado, vemos o efeito físico da atmosfera e gravidade terrestres sobre os marcianos e, de outro, aquela imagem da Terra perfeita é destruída com um belo subtexto de explosão populacional e abuso do meio-ambiente que fica apenas como mais um elemento para colorir o complexo pano de fundo da série, como deveria ser. Do lado de Marte, vemos que a reputação do planeta como “coitadinho” ou como uma nação militar cheia de honra e que faz tudo by the book, não é exatamente a completa verdade, o que só acrescenta camadas e mais camadas nessa bela história de The Expanse que podemos sentir em todos os poros como sendo algo que reflete muito bem a história da segunda metade do século XX até hoje em dia.

No lado da Rocinante, a temporada é dividida em dois momentos bem marcados e que, claro, afetam a narrativa como um todo. O primeiro é o final do arco de Eros, com Miller (Thomas Jane ainda mais intenso) liderando uma estratégia enlouquecida para destruir o asteroide e acabar com o sofrimento de todos por lá. Esse é o momento usado pela temporada para explorar o potencial da protomolécula e para nos explicar um pouco mais sobre ela. Esse grande MacGuffin, portanto, ganha em importância, perde em mistério, mas sua presença ainda é, até o final no estilo 2001 – Uma Odisseia no Espaço, substancialmente um artifício narrativo para impulsionar a série, com Naomi muito bem afirmando, bem no finalzinho da temporada, que a protomolécula, agora, “faz parte do jogo sendo jogado” e precisa ser levada em consideração no tabuleiro macro, destruindo a obsessão de Holden de acabar com essa ameaça de origem incerta. 

Mas para o vértice narrativo do Rocinante realmente funcionar nesse ponto da temporada, outro papel ganha extrema relevância: o de Frederick “Fred” Lucius Johnson, vivido de maneira inesquecível por Chad L. Coleman, o pacato Tyreese, de The Walking Dead. Sua presença física combinada com seu comando absoluto da estação Tycho, que constrói a Nauvoo, e, ao mesmo tempo, seu comando se não de toda, grande parte da OPA, grupo taxado de terrorista (não sem razão), mas que, sob sua rubrica, realmente tenta melhorar a vida dos Belters, serve de pedra fundamental para tornar Holden e sua tripulação jogadores de monta nesse quebra-cabeças que ameaça o Sistema Solar. Sem o suporte – e as discussões – de Fred Johnson, a temporada perderia muito, já que deixaríamos de ver um idealismo muito interessante que, de certa forma, combina com o de Holden.

Mas o segundo momento da temporada, que se dá após os eventos relacionados à Eros, é que me força a retirar a meia estrela da avaliação. Não que os eventos em Ganimede não façam sentido, pois mais do que fazem, mas sim pela forma tardia com que o botânico Praxideke “Prax” Meng (Terry Chen) é apresentado na temporada, com mais um mistério envolvendo o desaparecimento de uma pessoa, desta vez sua filha pequena Mei Peng (Leah Jung), pelas mãos de mais um vilão misterioso. Aqui, faltou o cuidado dos roteiristas em trabalhar Prax e Mei de maneira mais orgânica, na mesma linha do que é feito com Bobby, especialmente porque Prax passa a fazer parte do “time Rocinante”, algo que nem de longe é um detalhe. 

Mas esse “segundo capítulo” da temporada coloca Holden e seu grupo diante de uma nova missão de resgate e de busca e destruição que trabalha muito bem o suspense, as manobras espaciais (a pilotagem de Alex é, desde logo, a melhor que já vi em uma série ou filme de ficção científica!) e a relação interpessoal desse grupo nodal para a série. Se na crítica anterior eu apenas falei de relance sobre Jim Holden e mencionei Naomi, Alex e Amos como um “pacote”, estou aqui para reparar meu erro. 

Na 1ª Temporada, a complexidade desse mundo futurista e a antipatia de praticamente todos os personagens tornaram a série mais “difícil” de se ver do que de costume. Nada de heroísmos evidentes, nada de pessoas com personalidades iluminadas e rasas. Mesmo entre a tripulação da Rocinante, havia enormes desentendimentos. E isso continua na 2ª Temporada, só que de uma maneira estranhamente harmônica . Agora que nos acostumamos com cada um, os roteiros inserem desafios para eles e para o espectador. A vontade inquebrantável de Holden de fazer “o que é certo” o cega e o frustra, deixando-o na linha da inocência que esse jogo político todo esmaga sem dó nem piedade. Com isso, seu posicionamento firme ganha ares de obsessão e o personagem começa a perder-se em atos de crescente violência e de completa ignorância aos fatos que o cercam, papel em que o antes inexpressivo Steven Strait mergulha de verdade e extrai o melhor possível.

Sua espiral descendente só é equilibrada pela presença forte de Naomi, que traz Holden de volta à tona, ainda que cada vez com mais dificuldade. Naomi, diria, é a personagem mais fascinante do grupo, pois ela reúne a perseverança de Holden com uma experiência de vida que sabemos que ela tem, mas que ela esconde a sete chaves, deixando-nos entrever apenas detalhes aqui e ali, por intermédio de uma performance contida, mas cheia de significados de Dominique Tipper. E, como toda boa mantenedora de segredos, Naomi atua de forma semi-independente, escondendo informação vital até mesmo de seus colegas.

Naomi também é o ponto de conexão, a âncora moral de Amos, um homem que precisa ser comandado, que tem dificuldade de pensar por si próprio e que tem dolorosa consciência disso. Um personagem que eu jurava que seria raso como o proverbial pires ganha inesperadas camadas que encontram receptividade na atuação que chega às raias da loucura e da raiva incontida de Wes Chatham.

Um tanto quanto “de fora” dessa relação tríplice que abordei acima, mas de forma alguma menos relevante, há o piloto marciano Alex Kamal, vivido por Cas Anvar. Ele toma uma posição interessante na série que ecoa sua posição física na Rocinante, acima (sim, eu sei que isso é relativo no espaço, mas vocês entenderam) dos demais. Ele é o observador de comportamentos e tenta servir como fórmula arrefecedora de ânimos, com uma moralidade estupenda e uma coragem maior ainda. Não é o personagem mais profundo do mundo, mas ele é peça-chave para esse estranho grupo protagonista, diria que quase um Han Solon realista.

É interessante notar como a direção da série não se esquiva em mudar ou, pelo menos, deixar de forçar estilos que não fazem mais sentido. Aquela pegada noir que vimos na temporada anterior e que fazia todo o sentido para a investigação de Miller em Ceres não existe mais. Com o ex-policial como parte do grupo da Rocinante, ainda que mantendo-se em sua cruzada inicial, o lado “sci-fi sujo e vivido” toma conta de vez da temporada, sendo apenas equilibrado pelas relativas utopias da Terra e de Marte (esta última apenas vista por brevíssimos minutos no começo da temporada). Com Ceres sendo “trocada” pela estação Tycho primeiro e, depois, pelos domos destruídos de Ganimede, a pegada mais pura e direta daquela ficção-científica que podemos vislumbrar como um futuro perfeitamente possível é a pedra de toque da temporada.

Evitando entrar em detalhes sobre o “final” para manter a crítica da temporada sem spoilers, a evolução da protomolécula com os eventos em Ganimede e, depois, na Rocinante, podem fazer muitos coçarem a cabeça considerando esse o ponto em que o hard sci-fi abre espaço para algo mais fantasioso. No entanto, particularmente vejo essa evolução como algo natural nessa teia narrativa, justificando a existência do MacGuffin para além do MacGuffin e fazendo o que o título da série dá a entender: uma expansão das fronteiras. Assim como o motor a jato com eficiência de combustível que vemos ser inventado por Solomon Epstein (Sam Huntington) em flashbacks para mais de 100 anos antes em Mudança de Paradigma expande o que a humanidade pode fazer, a protomolécula também. Se sua origem é mesmo extraterrestre e que consequências isso pode ter, isso é ainda um momento futuro. O presente é a quebra de equilíbrio causada pela sua conversão em uma potencial arma e a luta pelo restabelecimento desse equilíbrio ao mesmo tempo em que podemos vislumbrar (e apenas isso) a potencial expansão da humanidade para além do sistema solar. Mal comparando, é como a Terra pré-motor de dobra em Star Trek.

Portanto, mesmo que haja uma espécie de mergulho mais evidente para o lado da ficção-científica padrão no terço final da série pelo sucesso da conversão da protomolécula em algo, digamos, manuseável, a grande verdade é que isso obedece uma lógica interna e de forma alguma parece ser tirado da cartola. Resta saber se esse elemento – e o tal “momento 2001” que mencionei mais acima – não desvirtuará a estrutura básica da série, o que seria um crime. Mas tenho esperanças de que o trabalho certeiro dos showrunners continuará da mais alta qualidade. 

A segunda temporada de The Expanse sedimenta a série como uma das melhores ficções-científicas da TV em muitos e muitos anos e mais uma vez reúne rigor técnico com personagens e situações cada vez mais fascinantes. Uma verdadeira sucessora de Firefly e de Battlestar Galactica que promete muito e tem entregado sistematicamente mais ainda para aqueles ávidos por uma “aventura espacial” de se tirar o chapéu.

The Expanse – 2ª Temporada (Idem, EUA – 1o de fevereiro de 2017 a 19 de abril de 2017)
Showrunners:
 Mark Fergus, Hawk Ostby (baseado em romances de James S. A. Corey, nom de plume de Daniel Abraham e Ty Franck)
Direção: Breck Eisner, Jeff Woolnough, David Grossman, Kenneth Fink, Mikael Salomon, Rob Lieberman, Thor Freudenthal
Roteiro: Mark Fergus, Hawk Ostby, Robin Veith, Naren Shankar, Dan Nowak, Georgia Lee, Daniel Abraham, Ty Franck, Hallie Lambert
Elenco: Thomas Jane, Steven Strait, Cas Anvar, Dominique Tipper, Wes Chatham, Florence Faivre, Shawn Doyle, Shohreh Aghdashloo, Chad L. Coleman, Frankie Adams, Andrew Rotilio, Jared Harris, François Chau, Cara Gee, Terry Chen, Leah Jung, Nick E. Tarabay, Sam Huntington
Duração: 567 min. (13 episódios no total)

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