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Crítica | The Flash – 3X18: Abra Kadabra

por Giba Hoffmann
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spoilers. Leiam as críticas dos demais episódios de The Flash, aqui.

É seguro afirmar que a segunda metade da terceira e atual temporada de The Flash representa o ponto mais baixo da série até aqui. Enquanto que a primeira metade da temporada se aproveitou do setting de Flashpoint para enquadrar boas aventuras como Magenta, Monster, Shade e The New Rogues, o próprio desfecho do arco envolvendo o Doutor Alquimia já deixou a desejar, e o arco subsequente da morte profetizada de Iris (Candice Patton) nas mãos de Savitar acabou sendo, na maior parte do tempo, um festival dos clichês mais desgastados da série empilhados em episódios fracos e sem inspiração. O tom da série tornou-se especialmente opaco e o excesso de carga dramática nas relações interpessoais dos personagens atingiu níveis caricaturalmente deprimentes. O divertido episódio musical da semana passada, embora possa não ter sido necessariamente o que os fãs esperam de uma série televisiva do herói, ao menos acertou em afastar temporariamente o cansativo e forçado clima de desolação que vinha assombrando os corredores do S.T.A.R. Labs por semanas a fio. O episódio desta semana volta a acertar, dessa vez resgatando a dinâmica da série em seu melhor formato, embora o arco da temporada continue a soar cada vez mais desgastado, o que acaba por comprometer um pouco de seu efeito.

Somos apresentados à mais nova “Versão CW” de um vilão clássico de The Flash, a honra (?) da vez cabendo à ninguém menos que Abra Kadabra, membro da Galeria de Vilões cuja origem data da mesma Era de Prata que originou os mais icônicos inimigos de Barry Allen. Criado por John Broome e Carmine Infantino e aparecendo pela primeira vez em The Flash #128, o Abra Kadabra dos quadrinhos é um cidadão do século LXIV (sessenta e quatro!), um aspirante a mágico de palco que decide voltar no tempo para uma época em que a ciência não deixou obsoleta a arte do ilusionismo. De alguma forma o pobre homem acaba se perdendo em sua trajetória de vida e acaba caindo no crime, hipnotizando cidadãos indefesos, fazendo-os de marionetes e por aí vai. A nossa versão televisiva, interpretada por Gregório Duvivier David Dastmalchian, apesar de claramente ser um entusiasta da mágica de palco, aparece meio que sem mais nem menos, cometendo diversos crimes que descobrimos depois serem uma busca por peças faltantes para consertar sua máquina do tempo.

Trata-se do conhecido modelo de episódio do “inimigo da semana”, com o Team Flash organizando-se em torno de lidar com a ameaça e a maior parte do tempo de tela destinada a investigar e combater o vilão, com o twist adicionado de que, sendo ele do futuro, ele propõe revelar a identidade de Savitar em troca de sua liberdade. Apesar de ser por vezes muito criticado, particularmente percebo o modelo do “inimigo da semana” como bastante eficiente em entregar boas histórias de forma consistente, em especial em uma série de super-herói, já que remete ao modelo clássico das edições na Era de Prata, que prezavam por aventuras auto-contidas sem, no entanto, deixar de se usar de uma continuidade. O desafio acaba sendo justamente conseguir lidar com essas duas linhas narrativas, a do episódio e a do arco da temporada do qual ele faz parte. Assim como nos bons episódios da primeira metade da atual temporada e, principalmente, na ótima primeira temporada da série, Abra Kadabra consegue sair-se bem também nesse quesito, fazendo um uso do vilão que retoma acontecimento e relações diversas, encaminhando tudo ao mesmo tempo em que assistimos a uma história no formato simples “Flash enfrenta um novo vilão”.

Os poderes de Abra Kadabra são bem utilizados, com destaque para as cenas do início do episódio, quando ele prende dois guardas em um tanque e o enche de água, e, depois, no primeiro confronto contra Barry (Grant Gustin),  no qual ele escapa fazendo uso de uma farfalhada de cartas de baralho. As duas cenas tem um visual divertido, bem reminiscente da doideira dos quadrinhos, com o uso de efeitos especiais práticos e simples. É o tipo de cena de que sinto falta na minha série de super-herói, principalmente quando as maiores lutas com os vilões se resumem a bonecos 3D envoltos em relâmpagos de diversas cores, sobrepostos em takes sobrevoantes de Central City. A caracterização de Kadabra é boa e serve ao propósito, um misto da extravagância de um vilão galhofeiro com uma dose de sociopatia mal-disfarçada, ao melhor estilo Leonard Snart. A chegada inesperada de Cigana (Jessica Camacho), que se encontra em perseguição ao mágico do futuro (e transdimensional também, pelo jeito) ajuda o episódio a manter o ritmo acelerado A perseguição ao vilão segue o modelo básico da série, que no entanto soa estranhamente renovador no contexto atual. A curta investigação a respeito do vilão e a invasão do laboratório são interessantes, e Barry chega até a lembrar alguém que ainda tem vontade de viver curte ser um herói e utilizar seus poderes, o que é mais do que ele tem feito nos últimos tempos.

Porém, faz-se notar que mesmo com H.R. (Tom Cavanagh) ausente e após a partida de Jesse Quick, o S.T.A.R. Labs continua a sofrer de um problema de “superpopulação”, embora o episódio consiga nos apresentar uma pequena história com cada personagem (duas delas, é claro, as boas e velhas DRs nos dois casais, Caitlin/Julian e Cisco/Cigana). A falta mais grave é, sem dúvida, Wally (Keiynan Lonsdale), que tem pouquíssimas cenas e praticamente nenhuma fala no episódio inteiro. Pelo quanto ele é central na trama geral da série, sendo o segundo Flash e tudo mais, e ainda mais pela centralidade da participação dele no arco de Savitar, é muito estranho o quanto o personagem é totalmente ignorado por um episódio inteiro. A impressão que dá é que a fórmula que funcionava sem erro na primeira temporada, com um Team Flash de quatro pessoas, tem dificuldades para manter-se agora que esse número dobrou.

Dentre os personagens do elenco de apoio merece destaque especial Joe, que recebe boas cenas sob a atuação sempre ótima de Jesse L. Martin. Nos momentos em que a série acerta o tom e a construção de uma situação realmente dramática fica ainda mais evidente o quanto por muitas vezes ela apenas empurra situações e tramas forçados. O confronto de Joe com Abra Kadabra e Cigana convence como poucas das situações semelhantes dos episódios recentes fizeram, embora em minha opinião o detalhe de que o mágico foi responsável por assassinar seu companheiro acaba soando como um exagero. Cigana já provou ser uma pessoa prática e com abordagem curta e grossa no lidar com os problemas dos quais está encarregada, e talvez seria mais interessante para a personagem que sua posição inflexível se fundamentasse apenas nisso, inclusive como um modo de desenvolvê-la mais. Mas trago isso mais como uma pequena picuinha, já que o dilema oferecido pela situação foi bem utilizado, trazendo boas cenas.

A invasão de Abra Kadabra ao S.T.A.R. Labs é bem construída, estando anos-luz à frente da patética invasão feita pelo Geomancer na temporada anterior. O problema, aqui, é a lei dos retornos decrescentes, bem conhecida dos leitores de X-Men que simplesmente bocejam ao ver páginas destinadas a retratar a destruição da Mansão Xavier. O laboratório é invadido com muita facilidade e com muita frequência (claro que por corte de gastos), e isso diminui um pouco da tensão em ver um vilão à solta na base de operações de nossos heróis. O mesmo pode-se dizer de cenas nas quais um inimigo é preso nas celas, fica de conversa mole com algum personagem que fica naquele fecha/não fecha da alavanca que manda a cela para dentro do reator, e tudo isso apenas para o vilão conseguir sair pouco tempo depois. Porém, se for para escolher entre repetições, o episódio repete situações que funcionam e entretém, o que é um ponto positivo.

A trama entre Caitlin (Danielle Panabaker) e Julian (Tom Felton) não sai do básico “drama romântico com justificativa absurda”, neste caso o de que Julian está profundamente magoado com Caitlin por conta dela ter escondido de todos () que ficou com uma lasca da Pedra Filosofal para tentar retirar seus poderes. Mas vejam bem, ele não fica magoado por conta da colega, mesmo com uns quarenta pós-doutorados e bem ciente do risco que representava a Pedra, ter tomado uma atitude tão imbecil e impensada, que no fim das contas colocou todos em risco. Não. Ele está magoado porque EVIDENTEMENTE que isso que ela fez sinaliza a verdade inescapável de que ela só se interessou por ele por conta de seu conhecimento em lidar com meta-humanos, e sua expertise no lidar com a Pedra. É isso mesmo, produção???

O desfecho do confronto com Abra Kadabra se dá em uma ótima cena de perseguição, com Flash capturando o vilão, para a felicidade de Cigana e tristeza dos demais, inclusive ele, já que o cara vai embora sem ajudar em nada na busca por Savitar (e tendo mandado para o futuro o dispositivo que roubou do S.T.A.R. Labs). Provavelmente uma decepção para os espectadores que esperavam pela revelação da identidade do vilão, que desta vez ficará para o bloco final de episódios, ao contrário do que ocorreu nas duas temporadas anteriores. Com um mês de hiato pela frente, é de se esperar que isso gere alguma reação negativa, mas eu particularmente desconsidero como um grande problema, já que o uso desse tipo de revelação como gimmick poderia significar uma descoberta da identidade do vilão desconexa do fluxo da história. Pelo menos não será o caso, já que no próximo episódio veremos Barry ir ao futuro buscar informações sobre o Savitar. Uma ótima ideia, que demorou um pouco pra aparecer, mas vá lá… Quem sabe uma origem ou revelação de identidade impactante para Savitar seja o que o arco está precisando para pelo menos recuperar o gás na reta final?

No final, temos Caitlin se ferindo em um desabamento e tendo que ser operada às pressas por Julian. A operação inicialmente parece ter sucesso, mas H.R. chega com uma gelatina e de alguma forma, poucos minutos depois, Caitlin está morta. Em um plot twist que de twist não tem nada, Julian arranca o colar inibidor de Caitlin, que volta à vida como Nevasca, no que acaba sendo o segundo cliffhanger do episódio. Resta saber como a viagem de Barry ao futuro e a transformação de Caitlin irão se desenvolver no sentido de encaminhar a história para o eventual combate contra Savitar. Uma coisa é certa: caso eventualmente seja dado a entender que o clima de enterro da série nesta temporada foi planejado especialmente para fazer mais sentido já conhecendo a tragédia de Savitar (para a ocasião dele ser Barry, Wally ou alguém próximo), já adianto: não cola. Por mais que esta seja a temporada cuja linha narrativa se inicia com o trágico assassinato de Henry Allen, o fato é que nada justifica a necessidade de se arrastar um clima pesado tão forçado e mal desenvolvido por tanto tempo, ainda mais atrelado a episódios fraquíssimos como The Wrath of Savitar, onde simplesmente quase nada acontece.

Abra Kadabra faz o que parecia impossível e nos entrega um segundo bom episódio consecutivo em The Flash, entretendo com a boa execução de um modelo de trama já conhecido, boa divisão de tempo entre os personagens (ainda que sofrendo de um excesso deles), boas cenas de ação e um vilão promissor saído diretamente da clássica Galeria de Vilões. Os pontos fortes da série voltam a brilhar aqui, e fica a esperança de que uma futura temporada que saiba jogar bem com esses elementos (vilões divertidos, bom desenvolvimento do elenco de apoio, FOCO) e deixar de lado outros (dramas desnecessários, vilões velocistas cuja identidade é um mistério, viagem no tempo – sim, vamos dar uma parada e viver o tempo de forma linear um pouco, que tal??) volte a nos dar um Flash televisivo consistentemente aproveitável, da mesma forma que primeira temporada conseguiu. Nos vemos daqui a um mês, com o Flash no futuro dirigido por Tom Cavanagh!

*The Flash entrará em hiato, retornando dia 25 de abril de 2017.

The Flash – 3X18: Abra Kadabra — Estados Unidos, 28 de março de 2017
Direção: Nina Lopez-Corrado
Roteiro: Brooke Roberts, David Kob, Andrew Kreisberg
Elenco: Grant Gustin, Candice Patton, Danielle Panabaker, Carlos Valdes, Keiynan Lonsdale, Tom Cavanagh, Jesse L. Martin, Tom Felton, Jessica Camacho, David Dastmalchian
Duração: 43 min.

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