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Crítica | Thor: Journey Into Mystery #84 a 95 (1962 – 1963)

por Giba Hoffmann
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Depois de nos aventurarmos com o doutor Donald Blake, fatidicamente encontrando o Mjölnir em suas férias na Noruega na primeira aparição do poderoso Thor, acompanharemos agora o restante do primeiro ano de publicação (Setembro/1962 – Agosto/1963) das aventuras do vingador asgardiano.

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#84: O Poderoso Thor vs. O Executor

“Capturado pelo Executor? Parece ótimo! Gosto pra caramba desse vilão! Será que a Encantor também vai aparecer? Peraí, esse não é… Ah… Esse tipo de Executor? OK…”

Com algo próximo dessa reação é que entramos na segunda aventura do deus do trovão. Aqui, acompanhamos Thor embarcando na tradicional jornada anti-comunista, parada obrigatória para os super-herois da Marvel nos anos 1960. Conforme veremos logo mais à frente, não se trata da única incursão de Donald Blake na Guerra Fria nesses primeiros meses de sua nova vida dupla. Todo o valor da edição encontra-se já nas primeiras páginas, restringindo-se ao interesse histórico e à arte sempre fantástica de Jack Kirby. Após uma recapitulação dos acontecimentos de Os Homens Rochosos de Saturno, somos apresentados à vida cotidiana de Donald Blake, brilhante cirurgião, humilde e com senso de justiça apurado, que sofre por não poder declarar seu (insuspeitamente correspondido) amor à enfermeira Jane Foster, uma vez que… é manco. Pois é, esse é o motivo. Tosqueiras de roteiro à parte, presenciamos aqui nada menos que a primeira aparição de Jane, elemento central na mitologia de Thor. São lançadas as bases para o clássico “triângulo amoroso” entre Don, Jane e Thor – que na verdade é mais uma “reta amorosa” mesmo. Encantada pelas virtudes de ambos, a enfermeira acaba sempre suspirando mais pela coragem e pelos feitos lendários do Deus do Trovão do que pelo humor soturno do frágil Doutor Blake, muito para o desgosto de Don.

Voltando de suas férias fatídicas na Noruega, Don fica sabendo que nesse meio tempo os comunistas deram um golpe no país centro-americano de San Diablo. Sabe, logo ali, pertinho de Santo Marco? No mapa-mundi da Marvel, a América Central deve ser maior que a América do Norte… Enfim, como bom cidadão americano, Blake decide que precisa se voluntariar para ajudar, o que o leva em uma viagem para a ilha, acompanhado de Jane. A cena em que ele tem que se virar para se transformar em Thor e de volta, no barco e sem ser visto, para então enfrentar um ataque militar ao barco em que chegavam é o ponto alto da trama. Em terra firme, temos bons momentos de ação, com mais tanques sendo destruídos no melhor estilo do Hulk de Kirby. Infelizmente não é o suficiente para salvar o roteiro apático da trama, com um vilão genérico e sem acontecimentos interessantes.

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#85: Emboscado por Loki, o Deus da Trapaça!

No diametral oposto ao imediatamente esquecível vilão da edição anterior, esta edição traz a estreia de um vilão tão glorioso que estaria destinado a se tornar o arqui-inimigo do Deus do Trovão: Loki, o Deus da Trapaça. Trata-se talvez de um marco tão importante quanto a estreia de Thor, uma vez que temos aqui a inauguração propriamente dita de muito de sua mitologia. O primeiro vislumbre de Asgard, da ponte Bifrost, de Loki e Heimdall, além de um breve cameo das nucas de Odin, Balder e Tyr – tudo retratado na genialidade do traço de Jack Kirby, que já ensaiava aqui as formas definitivas da fantasia cósmica do mundo asgardiano que em breve figurariam em seus seminais Contos de Asgard. A sequência inicial é especialmente interessante, atuando como efetivo prelúdio às extravagantes aventuras asgardianas. Loki se liberta de sua prisão arbórea burlando a regra do encantamento que o selou, que garantia que ele apenas seria liberto quando alguém derramasse uma única lágrima por ele. Percebendo que era inútil esperar por tal demonstração de um afeto inexistente, ele dá conta de derrubar uma folha nos olhos de Heimdall, que acaba libertando-o sem querer, provando que o selamento era bem meia-boca, afinal de contas. Essa simples introdução ao mesmo tempo em que nos apresenta a personalidade ardilosa de Loki, também dá pistas do reino extradimensional de Asgard, de onde teoricamente proviriam os poderes de Don Blake, o qual até aqui não questionou minimamente as origens ou o significado de sua transformação em Thor.

Quando encontra-se com Loki, a referência de Thor é meramente a do conhecimento de Blake sobre a mitologia nórdica. Não reconhecendo-o como seu irmão, Thor apenas se esforça para desfazer as travessuras do oponente, que aqui não faz menção aos laços familiares que existem entre os dois, apresentando-se apenas como um adversário em busca de vingança, já que aparentemente fora Thor quem aprisionara ele na árvore. É a primeira vez em que temos pistas da existência asgardiana de Thor, ou seja, de uma entidade independente da transformação de Blake. Não que o médico tenha tempo para sequer lidar com isso, já que Loki se aproveita de sua confusão e rapidamente o insere em uma série de ardis, com truques, feitiços e hipnoses atuando conjuntamente na tentativa de acabar com a imagem do poderoso deus do trovão.

O tradicional embate entre força ingênua e inteligência maliciosa já se mostra nesse divertido combate fraterno inicial, e Loki talvez represente aqui o primeiro real desafio à versão divina de Blake (não que a concorrência tenha sido muito acirrada), aproveitando-se principalmente de sua confusão para submetê-lo ao que poderíamos chamar de travessuras, com a imprevisibilidade das galhofagens dos roteiros de Stan Lee. A história ganha pontos também pela resolução final, onde Thor mostra misericórdia e salva Loki após lançá-lo direto para um aparente afogamento (quero dizer, ele é um deus… Mas enfim…), enviando-o de volta para Asgard, nos dando alguma pista sobre a relação ambígua que se desenvolverá entre os dois. Uma história rápida recheada de momentos inusitados e visualmente muito bem realizada, que peca talvez pela falta de conteúdo para além da batalha entre os deuses, mas que funciona bem como introdução do deus da trapaça.

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#86: Na Trilha do Homem do Amanhã!

Nesta aventura temos Thor envolvendo-se novamente em um roteiro típico da ficção científica da época. Zarrko, o titular “Homem do Amanhã” é mais um daqueles cientistas geniais, porém com senso moral duvidoso. Vivendo, no futuro, em utopia pacifista que não apetece seus instintos mais destrutivos, o cientista desenvolve uma máquina do tempo para voltar para a época em que possa encontrar armas extremamente destrutivas em abundância. Seus planos começam a falhar quando ele tem o azar de se materializar próximo a um campo de testes onde Thor ajudava o exército com testes de armas, utilizando-se de suas habilidades e resistência sobrehumanas. Inicia-se uma perseguição através do tempo que nos dá ideia da dimensão do poder dos asgardianos, mais especificamente, do grande paizão Odin. Temos um momento bastante interessante e historicamente significativo, com Thor voando para o topo de uma colina e invocando uma tempestade a partir da qual se comunica com Odin, recebendo sua autorização para realizar uma viagem no tempo. Por outro lado, também ficamos sem explicação a respeito do quanto Blake compreende a estutura de poder e seu lugar no panteão asgardiano nesse momento, ficando subentendido apenas que ele sabe intuitivamente se comunicar com eles – o que levantaria a questão do que exatamente ele faz em Midgard, afinal de contas.

Mas esses questionamentos ficam para mais tarde, pois o que ocupa presentemente o herói é justamente alcançar Zarrko e impedi-lo de causar tragédias no futuro. O esquema de viagem no tempo de Odin não sendo tão exato quanto se poderia querer (e também pudera, ela funciona com uma gambiarra de amarrar um pedaço da nave de Zarrko no Mjölnir), Thor chega um pouco tarde, o suficiente para que Zarrko tenha armado uma estrutura para se defender de seus inimigos. A rápida aventura de Thor no futuro é cheia de momentos divertidos, como uma infiltração em que ele se disfarça e troca de lugar com um civil e um combate com robôs gigantes, que na verdade são a força de trabalho da época, onde um deles consegue inclusive arrancar o martelo das mãos de Thor – não é por menos que se diz que o trabalho dignifica o homem (e os robôs também, ao que parece). Em outro momento que merece destaque, vemos o deus do trovão reverter uma prisão dimensional de Zarrko, arrebentando o véu que separa as dimensões no grito. Ou seja, no total, um rompante divertido e inspirado para o herói, com o benefício do traço de Kirby retratando não apenas as inúmeras cenas de açao, como também a cidade futurística com um nível fantástico de detalhes, que infelizmente se vê prejudicado pelo redimensionamento da arte, como era de praxe. No final das contas, Thor consegue impedir o estouro da bomba e restaurar a paz na terra futurista.

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#87: Prisioneiro dos Vermelhos!

Prosseguindo sua cruzada como emissário dos Estados Unidos na Guerra Fria, nessa história temos Thor cruzando efetivamente a cortina de ferro, em uma aventura que o leva até Moscou, onde as forças soviéticas tem mantido captivos alguns dos cientistas norte-americanos mais geniais. Indignado com os desaparecimentos, que são porcamente maquiados pelos agentes comunistas como deserções, Donald Blake decide honrar seu juramento hipocrático e anuncia publicamente estar produzindo armas biológicas de ponta, do tipo que exterminará os vermelhos da face da terra caso eles demorem demais pra sequestá-lo. A armadilha funciona rapidamente, e Blake acaba descobrindo o método de captura dos agentes soviéticos, que envolve um fotógrafo não-requisitado (provavelmente com sotaque russo) visitando-o em seu trabalho e lançando uma nuvem de gás hipnotizante em você. Não é necessariamente o mais discreto dos métodos, mas aparentemente tem funcionado.

Por sorte, nem mesmo os vermelhos são cruéis o suficiente para privar um homem manco de sua bengala rústica, e Blake consegue transformar-se despercebido em sua solitária. Mesmo capturado posteriormente, entregando o martelo mediante a ameaça dos soldados soviéticos em autodestruir a base, matando todo mundo, Thor consegue escapar a partir da reversão para a forma de Blake, que faz com que as correntes com que fora preso fiquem frouxas demais. Recuperando o martelo, ele tem sucesso em resgatar facilmente os cientistas norte-americanos, demolindo a fortaleza soviética no processo. Uma aventura simples e capaz de entreter, porém sem muita inspiração, seus os pontos mais interessantes se encontram no flerte com o gênero da espionagem, com os agentes secretos russos e um mergulho no tanque com tubarões, por exemplo. No final, ele diz que não punirá seus captores, uma vez que viverem ali já é punição o suficiente. Derruba o microfone no chão, gira o Mjölnir e sai voando – mais uma vitória para Asgard na terrível e acirrada guerra contra a ameaça vermelha!

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#88: A Vingança de Loki!

Nessa história temos uma ótima exploração da continuidade, exemplificando uma das marcas fortes da Era de Prata da Marvel. Acompanhamos o que ocorre com Loki após ser remetido de volta à Asgard ao final da edição #85. Declarado proibido de viajar para outros reinos, o que é sem dúvida um cenário mais favorável do que estar fundido ao tronco de uma árvore, Loki encontra-se incapaz de deixar de remoer seu ódio pelo irmão. Com um encantamento nutrido por esse mesmo ódio, ele consegue visualizar Thor, “sintonizando” na vida do herói justamente no momento em que ele destransforma-se para escapar das correntes na base dos soviéticos, na edição anterior. Assim, numa tacada só Loki descobre o que não apenas é a identidade secreta de Thor, mas também seu ponto fraco. Ele toma seu tempo, observando o irmão por mais alguns dias, para então colocar em prática seu plano ardiloso de vingança. É bastante interessante como a história tem uma tonalidade mais fabulesca nas sequências em Asgard, passando para um tom mais tipicamente super-heroico nas sequências terrestres. Loki escapa de ser pego por Heimdall (novamente ele, sempre o culpado por deixar o cara fugir!) transformando-se em uma pequena serpente e deslizando por toda a Bifrost.

O embate contra Thor traz um pouco do estilo do primeiro conflito, mas consegue expandir a ameaça de Loki ao envolver inicialmente Jane Foster, em uma visita que ele realiza ao consultório de Blake. Seguem os artifícios de hipnose e transfiguração já apresentados no conflito anterior, porém agora com o objetivo claro de afastar Thor do Mjölnir por tempo suficiente para disparar a destransformação. A ardilosidade de Loki fica clara quando ele força Thor a escolher entre apanhar o martelo a tempo ou tentar salvar Jane (hipnotizada por ele com antecedência) de um tigre (fruto de sua invocação). Após derrotar definitivamente o irmão, Loki passa a tocar o terror por toda Midgard, transformando as pessoas de uma cidade em sombras, os carros de outra em sorvetes e até mesmo sabotando uma bomba soviética (ao que o piloto lamenta o fracasso do teste dizendo: “Nos falhamos! Como vou encarar Nikita, agora?”). A história balanceia bem a jocosidade de Loki com suas intenções realmente crueis, uma vez que ele pretende estender sua vingança à Blake acabando com a Terra de forma lenta e gradual e, aparentemente, se divertindo imensamente no processo. No entanto, Thor tira da manga um inesperado truque, enganando o deus da enganação com um manequim de si mesmo segurando uma réplica do Mjölnir, reutilizando a manobra de que se usou no futuro, na edição #86, mas dessa vez com um dublê de plástico ao invés de um civil disfarçado. Tirando um final um pouco anticlimático para uma situação em que Thor enfrentava sua maior derrota até o momento, a história diverte bastante ao apresentar até que ponto a loucura vingativa de Loki vai, estabelecendo uma rixa com Midgard que irá definir as ações do personagem pelas próximas décadas. Com as peraltices de Loki bem retradas no desenho de Kirby e com o charme adicional das sequências de abertura e encerramento se passando em Asgard (inclusive com a primeira ida de Blake/Thor até lá, sem muita cerimônia mesmo), a história certamente merece lugar de destaque neste primeiro ano dos quadrinhos do deus do trovão.

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#89: O Deus do Trovão e o Mafioso!

Essa história é insanamente hilária. Recheada de momentos engraçados, é difícil saber onde o humor foi intencional ou não. Começamos, talvez de maneira inesperada, retomando o entusiasmo de Thor por engodos de si mesmo. Após o caso do civil fantasiado de Thor e de derrotar Loki com uma evolução desse mesmo conceito, aparentemente Don Blake tem se encontrado em uma espiral obsessiva com manequins de si mesmo na forma de Thor. No andar superior ao seu consultório médico, somos levados a testemunhar que Don Blake aparentemente guarda diversos manequins e props para vesti-los como Thor. OK, um pouco mais de contexto – mas não pense que isso ajudará a esclarecer o que acontece aqui. Após chegar com um vôo rasante na janela do próprio consultório, Thor percebe que deve ser mais discreto (tarde demais) a fim de proteger sua identidade secreta. Sua solução, que ele aparentemente planeja na hora, é vestir um dos inúmeros bonecos de uma suposta loja de manequins que fica aparentemente um andar acima de sua sala, e lançá-lo pela janela em direção ao mar, para então rapidamente entrar no consultório, de modo a não levantar suspeitas. Imaginem a cena, um manequim vestido de Thor sendo lançado da janela, provavelmente para se estatelar no chão. Pense nas crianças, doutor Blake!!

Após o absurdo da cena inicial, somos introduzidos à figura do titular mafioso, Thug Thatcher. Preso por fabricar aço de má qualidade (!?), o gângster é libertado por seus capangas com uma abordagem violenta ao carro de polícia, mas acaba ferido no tiroteio. Os capangas correm para sequestrar o primeiro médico que encontrarem – adivinhem quem! No quartel dos mafiosos, temos todo um imbróglio envolvendo Don exitando em se transformar em Thor, pois isso significaria revelar sua identidade secreta. Um dos capangas confisca sua bengala para que ele possa operar com as duas mãos (sensato), o que faz com que ele fique ainda mais apreensivo. Só lhe resta orar – e é o que ele faz, rezando para Odin, que ouve em alto e bom som e lança um relâmpago direto de Asgard na direção do capanga com a bengala, o que faz com que ele… derrube a bengala. Não é todo dia que você leva um raio de Odin e sobrevive! Don Blake aproveita a deixa agarrando a bengala e… se transforma na frente de todos, afinal de contas. No entanto, ninguém é capaz de deduzir que Blake na verdade é Thor. Quem mais chega perto é o próprio Thatcher, que no entanto apenas suspeita haver alguma conexão entre os dois, já que eles estão sempre no mesmo lugar. Pois é, Thug, pois é… Thor rapidamente captura os bandidos, exceto o chefe que consegue escapar com a ajuda da namorada Ruby. Eles decidem fazer Jane de refém para atrair Blake ou Thor, não que eles possam ser a mesma pessoa, claro.

Thor está em pé, Mjölnir no chão, um mafioso segura Jane Foster na mira de um revólver. Caro leitor, o que você acredita que aconteceria se Thor decidisse inesperadamente chutar o Mjölnir na direção da mão armada do mafioso? Provavelmente seria a última vez que ele seguraria uma arma com aquela mão, se é que ele teria alguma outra vez fazendo qulquer coisa que fosse. No entanto, com um chute cirurgicamente calculado, Thor apenas derruba a pistola, salvando Jane. Encontramos tempo ainda, nessas treze páginas recheadas de nonsense, para uma terceira perseguição a Thug, que dessa vez sobe num prédio em construção. Thor perde a paciência e lança raios no andaime, que arrebenta e faz com que Thug caia em direção ao chão. O heroi logicamente não deixa que ele se espatife, mas faz questão de lhe esfregar na cara que ele só caiu porque a viga em que ele estava era feita do aço de má qualidade das indústrias dele. Ironia tão pura que chega a ser poética. Como epílogo, Thor resolve usar seu recém descoberto poder de super-reza para pedir para Odin apagar as memórias de Ruby sobre o seu amado Thug. Afinal de contas… ela provavelmente merecia coisa melhor? Não sei. Mas o Pai de Todos atende o pedido, arrancando qualquer vestígio das boas memórias que ela poderia ter, deixando-a livre para, quem sabe, encontrar alguém que fabrique aço de melhor qualidade. Uma história inusitadamente divertida, com boa ação, lápis de Kirby e fazendo bom uso da identidade civil de Thor.

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#90: Capturado pelo Homem Cópia-de-Carbono!

Impossível falar dessa edição sem começar pela arte. Temos aqui uma mudança radical em relação ao que vinha sendo apresentado nas edições anteriores, com a arte do veterano Al Hartley (que ilustrava sobretudo os quadrinhos de Patsy Walker) entrando no lugar dos lápis de Jack Kirby. A sensação que se tem é a de se ler uma série diferente, se assemelhando bastante a algo que se veria na Era de Ouro, com traços simples (ainda que bastante carismáticos) e sem a tendência à padronização de estilo típica dos quadrinhos dessa época. A história, mais uma invasão alienígena, traz dessa vez os xartanos, uma espécie alienígena pouco expressiva no Universo Marvel. Dotados de um poder de transmutação, que por vezes parece mais transformação de matéria (já que, uma vez assumida a forma de um homem de gelo, um deles é capaz de efetivamente congelar Thor), eles apresentam uma ameaça pouco esclarecida e muito mal trabalhada. Apesar de se iniciar bem, com uma aparente loucura generalizada dos cidadãos da cidade, a coisa rapidamente descamba a não fazer sentido algum, uma vez que Blake localiza a nave dos comandantes dos “homens cópia-de-carbono”.

Os invasores declaram ter tomado o lugar de várias autoridades importantes, mas o que ocorre é que cidadãos comuns e até mesmo Jane faziam parte do delírio coletivo, que ia muito além da aprovação de leis absurdas, como eles sugeriram. A impressão que se tem é que apenas Blake não fora convertido. E isso tudo ignorando o fato de que a suposta troca não teria tempo de ter acontecido e tido os efeitos alegados. Thor enfrenta o comandante supremo dos xartanos e seu filho, derrotando-os com seus poderes sem muita dificuldade. A única parte minimamente interessante do conflito é quando ele invoca chuva para fazer aparecer a silhueta do comandante, que havia se tornado invisível. Porém os poderes mal explicados, o plano sem sentido e absurdo e a derrota fácil e repentina fazem a coisa toda cair por terra. Um roteiro fraco aliado a uma arte que é até interessante, mas que destoa do tom da revista e chama a atenção sobretudo pela inconsistência fazem dessa uma entrada facilmente esquecível na cronologia do deus do trovão.

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#91: Sandu, Mestre do Sobrenatural!

Nesta edição, temos Joe Sinnott assumindo a arte, que não retorna ao patamar das edições iniciais com Kirby, mas que se mantém mais alinhada àquele estilo. Temos o retorno de Loki, que continua a tocar o terror em Midgard, porém de maneira insuspeita, já que permanece fisicamente aprisionado em Asgard. Aparentemente testando o limite de seus poderes, ele tem feito bancos desaparecerem e conduzido arrastões à distância. Não que ele tenha qualquer uso para dinheiro ou riquezas, é claro, sendo que o que realmente o agrada é deleitar-se com o sofrimento dos mortais que convivem no mesmo reino que seu detestado irmão – como fica bastante claro no quadrinho onde gargalha às custas de Thor, que recebe de um ingênuo Odin a garantia de que Loki não é reponsável pelos crimes, uma vez que se encontra ainda preso em Asgard. Melhor checar bem os poderes de seus filhos da próxima vez, Odin…

Não satisfeito com esses truques, Loki confabula um outro plano, fazendo uso da figura de Sandu, um vidente ambicioso e mal intencionado que ele conhece por meio de sua observação constante do irmão, que aparentemente não parou desde que ele lançou o encanto na edição #088 (creepy demais, Loki!). Don Blake conhece Sandu em um passeio com Jane, onde o vidente faz o uso de truques que provavelmente são sucesso de público como revelar dados confidenciais das pessoas em voz alta ou expor seus sentimentos mais ocultos sem ser requisitado. Concedendo-lhe uma amplificação para suas capacidades extrassensoriais natas, Loki transforma Sandu em um supervilão que ele considera à altura de Thor, confiante de que o artifício renderá a vitória definitiva sobre o deus do trovão. O vidente então passa a realizar todo tipo de assalto com seus recém-adquiridos poderes. Conforme previsto por Loki, isso leva a um embate contra Thor onde, surpreendentemente, Sandu adquire a vantagem – coisa que o próprio Loki não fora capaz de fazer. Seu poder é tamanho que Thor acaba acorrentado e enterrado sob um enorme prédio da ONU, situação da qual apenas a intervenção de Odin garante que ele consiga escapar, presenteando-o com o cinto da força, Megingjord (que no entanto não recebe o nome aqui). Nessa cena contamos também a primeira aparição das Valquírias.

Mesmo com a ajuda do Megingjord, Thor acaba perdendo novamente o Mjölnir, quando lança-o em um portal dimensional criado por Sandu. Loki já está comemorando quando seu plano descarrilha na frente de seus olhos, com Sandu se teletransportando para a dimensão onde o Mjölnir encontra-se preso e decidindo-se se apossar do martelo. Ele havia acertado a respeito da ambição cega de Sandu – até demais! Mesmo sob as advertências diretas de Loki, o poderoso mago não consegue aceitar o fato de que não é capaz de erguer o martelo, e acaba levando seus poderes a um completo curto-circuito ao tentar realizar a proeza, o que faz com que ele os perca, revertendo-os de volta para a dimensão normal. Claro que Thor poderia alcançar o martelo forçando a passagem interdimensional com um gritoconforme já foi provado que ele é capaz de fazer. Mas o desfecho é muito interessante ao fazer da ambição de Sandu sua própria derrota, num fechamento irônico que aumenta a ira de Loki, superado em seu próprio jogo uma vez mais. Uma história divertidíssima, que peca apenas pela forma como Thor é questionavelmente derrotado, por mais que tenha sido pego de surpresa. Uma pena que Sandu tenha ficado esquecido, mas ele aparenta ser aqui um protótipo de outro vilão com origem um tanto semelhante, e que viria a causar diversos problemas com um poder muito além do que o que deveria ter em suas mãos, o Destruidor.

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#92: O Dia em que Loki Roubou o Martelo Mágico de Thor

Seguindo a linha de boas histórias trazendo Loki no papel de antagonista, a aventura desenhada por Joe Sinnott peca apenas no início ao reciclar a história de Don Blake sendo obrigado a auxiliar criminosos, a apenas três edições de distância de O Deus do Trovão e o Mafioso, onde a interessante subtrama teve papel central. Aqui, temos algo bastante similar ocorrendo como cena de abertura, mas servindo apenas para possibilitar a cena hilária onde Thor amarra dois capangas na maca junto a um homem recém operado, para então lançá-la pelos ares, enganchada no Mjölnir. No entanto, nada disso tem ligação com o restante da trama. Enquanto isso, em Asgard, acompanhamos um ressentido Loki, que agora encontra-se aprisionado por correntes mágicas, punição que provavelmente é fruto de suas presepadas com Sandu. Sorte dele poder contar com um feed 24h da vida do detestado irmão, com o qual ele se distrai tramando as mais diversas vinganças.

Loki decide atacar algum tempo depois, quando Thor está atuando em um filme (visando doar a totalidade dos lucros para a caridade – veja aí Chris Hemsworth, a real dignidade do deus do trovão) que retrata uma batalha fictícia entre ele e o deus da trapaça. É bem interessante ver aqui mais uma vez um senso de continuidade, que nos dá pistas do quanto não apenas Thor se tornou uma figura conhecida na culutra popular, mas que inclusive seu irmão maligno também ganhou sua parcela de reconhecimento, muito provavelmente após os acontecimentos da edição #88. Loki fica desgostoso com sua apresentação no filme e com a falta de ambição do irmão, e utiliza-se de um encantamento perspicaz, que faz com que o metal mágico Uru, do qual é feita sua corrente, atraia o Mjölnir que, como sabemos, também é forjado do mesmo material. Manipulando as propriedades do Uru, ele não apenas se liberta de sua captividade mas também traz o martelo mágico para Asgard, forçando Thor a segui-lo e enfrentar o irmão em sua casa, ao invés de Midgard que, segundo Loki, é um local mais familiar para Thor e por conta disso desvantajoso para ele. Thor segue para Asgard, carregado nas mãos de Odin (literalmente), e enfrenta o irmão em sua floresta, contrapondo aos truques usuais uma série de habilidades insuspeitas: o deus do trovão improvisa um martelo de madeira, e depois um martelo de pedra para dar conta dos truques e armadilhas que Loki arma para ele.

Loki continua a ser um antagonista interessante, especialmente pelo modo ardiloso como usa seus poderes, que sempre envolve a subversão de algo mais do que a criação de uma coisa nova. Neste sentido, ele é muito bem construído como deus da trapaça, para além da mentira e do engano. O fato de que ele utiliza-se das próprias correntes para não apenas se libertar, mas também desarmar Thor e trazê-lo para Asgard mostra bem o caráter do personagem, que desde a primeira aparição faz uso daquilo que foi usado para aprisioná-lo (no caso da edição #85, a árvore onde fora aprisionado) como forma de ganhar vantagem e reverter sua situação. O combate entre os irmãos adquire contornos ainda mais absurdos agora que acontece em Asgard, e no total a edição diverte bastante ao levar adiante essa rixa fraterna sem fim.

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#93: O Misterioso Homem Radioativo!

Após uma sequência de duas boas histórias focando em desafios advindos da ira asgardiana de Loki, a edição #93 leva o deus do trovão de volta ao fronte midgardiano da guerra fria, dessa vez concentrando seus esforços na Guerra Sino-Indiana. Factualmente uma disputa territorial, o conflito é apresentado aqui com a ênfase caricatural da ameaça vermelha, desta vez com o benefício de trazer elementos muito bem-vindos de ficção científica. Ao invés de mais uma tediosa expedição de despedaçar tanques e socar militares genéricos com seu martelo, o desafio de Thor é o de enfrentar o maligno cientista chinês Chen Lu. Com Don Blake liderando uma missão humanitária na Índia, o exército chinês se vê ameaçado pelo poder incrível de Thor. Um comandante ameaça de morte os seus cientistas mais brilhantes, caso não consigam encontrar um jeito de derrotar o deus do trovão. A solução de Chen é a de finalmente colocar em prática seu plano de utilização bélica da radioatividade.

O ponto alto da edição é, sem dúvida, o traço de Jack Kirby, que retorna gloriosamente e cuja diferença se faz sentir em especial nas sequências do laboratório de Chen, onde os imaginativos equipamentos futuristas fazem contraste com o templo budista, resultando em visuais impressionantes. Infelizmente o combate contra Thor é decepcionante, ficando aquém do potencial erguido pela origem do vilão. Os poderes de Chen não são bem explicados – em se tratando de um superpoder de radioatividade, nas mãos de Stan Lee, é como se falássemos em controle da realidade – mas até aí, isso é como um lugar-comum. O problema é que o uso que é feito deles é ainda menos empolgante, com uma subtrama envolvendo hipnose parecendo saturada após as investidas de Loki, e com pouca ligação com o tema da radioatividade. Algo interessante é o mecanismo failsafe equipado por Chen em si mesmo, que garante que caso derrotado, seu corpo detonará como uma bomba atômica. No final, Thor lança o vilão em um tornado diretamente para a China, ao que Chen tenta lembra-lo a respeito de seu mecanismo. A resposta de nosso herói: “Esse é um problema de vocês, não meu!”. É canônico no Universo 616 (“Terra Prime” é o caramba!): Thor foi responsável por um ataque nuclear à China!

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#94: Thor e Loki Atacam a Humanidade!

A última investida vingativa de Loki neste primeiro ano de publicação acaba sendo a menos empolgante delas, trazendo inesperados ares de comédia pastelão. Se por um lado isso confirma um pouco mais da veia cômica que os quadrinhos de Thor abraçaram desde o início (e que ganhará centralidade no terceiro filme da franquia, Thor: Ragnarok), também fica a impressão que o humor aqui é mais um efeito incidental de uma trama absurda do que realmente abraçado enquanto tal. A partir de um extremamente improvável plano de Loki, Thor acaba atingido na cabeça pelo próprio Mjölnir. Para o azar da humanidade, Loki foi preciso o suficiente para que o golpe atingisse a glândula cromossômica, que como todos sabemos é responsável pela personalidade dos asgardianos. Thor se torna um bufão violento, e acaba acreditando ser aliado de Loki contra uma conspiração de Odin. Juntos, os irmãos arrasam Midgard – Thor destrói o Taj Mahal, a Golden Gate Bridge e a Torre Eiffel, para citar alguns exemplos.

A situação é tão absurda que o leitor pode chegar a imaginar que se trata de um sonho de Loki, que desmaiou após esgotar seus poderes à distância, no início da edição. Seria um desfecho interessante e até mais cabível, porém não é o caso, e ao final da história temos que aceitar que tudo isso realmente aconteceu, com os asgardianos revertendo os danos e apagando as memórias da humanidade estarrecida. O que há de mais interessante na história talvez seja curiosamente mostrar um lado até então pouco visto de Thor. A caricatura do Thor reverso é de um deus do trovão prepotente, agressivo e que tem em alta conta a relação fraterna com Loki – todos esses elementos que aparecerão futuramente na caracterização do personagem.

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#95: Os Duplicadores Demoníacos!

Encerrando o primeiro ano de publicação de Thor em péssimo estilo, Os Duplicadores Demoníacos se destaca negativamente como a pior história do período. Deixando de lado a arte competente de Joe Sinnott e a sequência introdutória com Thor atendendo a um pedido de ajuda de Odin, a “saga do clone” asgardiana apresentada aqui consiste em uma sequência do mais puro nonsense – e nem mesmo do tipo divertido – redundando em praticamente nada. Nessa história descobrimos que Don Blake, utilizando-se de seus conhecimentos de medicina, criou um poderosíssimo androide, inteligentíssimo e invencível (!?), pedindo para o físico Zaxton realizar sua demonstração pública. Zaxton acaba sabotando a coisa toda (por inveja do gênio de Blake), e posteriormente invade seu consultório, sequestra Jane Foster e revela precisar da ajuda do médico para terminar de aperfeiçoar sua máquina duplicadora.

Além de duplicar Thor, o cientista sai pela cidade duplicando aviões e prédios, o que é mostrado de forma especialmente desinspirada pela arte, complementando um roteiro de luta fraquíssimo. Muito antes do polêmico androide Ragnarok de Guerra Civiltemos aqui um clone de Thor infinitamente mais desinteressante do que a famigerada criação starkiana, repetindo o enredo do Thor maligno apenas uma edição após ele ter sido utilizado pela primeira vez, e sem fazer um bom uso do conflito de habilidades, como aconteceria, por exemplo, entre os dois “Homens-Aranha” no combate final da Saga Original do Clone. Um conto abaixo do que fora demonstrado pela série por todo o seu primeiro ano de publicação, felizmente não representativo da qualidade das aventuras do deus do trovão.

Journey Into Mystery – Vol. 1 #084 – #095, (EUA, setembro de 1962 – agosto de 1963)
Roteiro: Stan Lee, Larry Lieber
Arte: Jack Kirby, Joe Sinnott, Al Hartley
Capa: Jack Kirby, Joe Sinnott
Editora: Marvel Comics
Editoria: Stan Lee

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