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Crítica | Thor: Ragnarok (Com Spoilers)

por Ritter Fan
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  • Há um apocalipse de spoilers. Leia, aqui, a crítica sem spoilers e,  aqui, nosso índice do Universo Cinematográfico Marvel.

Thor: Ragnarok, o terceiro filme solo do Deus do Trovão no Universo Cinematográfico Marvel não carrega muita complexidade a ponto de exigir uma daquelas críticas detalhadas que temos feito em relação a outras obras como, por exemplo, Blade Runner 2049 ou mesmo uma análise comparativa entre fonte e adaptação como em A Torre Negra. No entanto, como é um filme de inegável hype, decidi prosseguir com a crítica com spoilers aproveitando a oportunidade para colocar uns pingos nos “Is” em relação a algumas questões preambulares que há muito gostaria de ter abordado.

Para facilitar a vida de todos, dividi meus comentários em capítulos de forma que seja fácil para qualquer um pular ao que mais interessa para si (a crítica propriamente dita começa no terceiro capítulo), ainda que eu nutra a esperança que uma grande parte de nossos leitores mergulhará na discussão como um todo, fazendo seus usuais comentários de qualidade lá na seção dedicada a isso. Seja como for, é hora de relaxar, colocar Immigrant Song para tocar e passear pela minha rabugice usual.

O Ragnarok dos Críticos de Cinema

Um dos fenômenos recentes decorrentes da popularização do subgênero cinematográfico dos filmes de super-heróis e da multiplicação de sites de críticas é como, casuisticamente, os fãs adoram ou odeiam os textos produzidos pelos críticos, por diversas vezes até mesmo chegando a confundir a crítica com a pessoa do crítico. Até mesmo o insucesso – mas não curiosamente o sucesso – de algumas obras parece, na cabeça de vários, inclusive até mesmo de alguns diretores e produtores magoados, ser decorrente do que por vezes é chamado de conluio de críticos contra determinado grupo de heróis ou editora. Chega até ser ridículo escrever algo assim, mas é a verdade, com movimentos até mesmo para “calar” agregadores de críticas como o RottenTomatoes.

Mas a grande verdade é que as pessoas têm sido normalmente incapazes de enxergar além de sua paixão, de forma um pouco mais distante e centrada, tentando compreender que se um crítico de cinema falou bem ou mal de algum filme de seu super-herói favorito, ele assim o fez – pelo menos em tese – por razões claramente justificadas em seu trabalho que vão além de uma mera emissão de opinião, ainda que crítica também seja opinião e sempre, em qualquer circunstância, estará carregada de aspectos subjetivos que podem ser mais ou menos preponderantes, dependendo do estilo de cada um e, por vezes, da obra criticada. Claro que há críticas apaixonadas, mas elas deveriam ser a exceção, com a regra levando em considerações aspectos que vão além do “a história é boa” ou “o personagem é fiel aos quadrinhos”.

Voltando ao aspecto casuístico, é engraçado como os mesmos fãs que gritam em ultraje quando se deparam com críticas majoritariamente negativas em relação ao seu mais novo “filme preferido da vida” são os primeiros a apontarem essa ou aquela crítica como maravilhosa, perfeita, um “exemplo de como se fazer uma análise”, quando ela está de acordo com o que pensam. Ora, se as críticas não servem para nada, então a crítica que combina com o que acham de um filme também não deveria servir para nada. E, se os críticos são “vendidos” como uns adoram dizer, então porque então esses mesmos fãs se preocupam tanto com o quão negativas (ou positivas) são as análises?

Tudo se resume a algo muito simples e que muita gente melhor do que eu já escreveu diversas vezes por aí: quase ninguém sabe qual é a função de uma crítica cinematográfica. E a resposta mais simples é meramente tentar levantar uma conversa. Como se levanta uma conversa? Trazendo à luz questões que normalmente não serão vistas por uma pessoa com olhar menos treinado. Fotografia, paleta de cores, direção, roteiro (não a história), arco de personagens, funções desse ou daquele artifício narrativo, iluminação e atuações são apenas alguns dos elementos que servem de ponto de partida para o que deveria ser um diálogo sadio entre crítico e leitor, algo que, modéstia à parte, é mais do que a regra aqui no Plano Crítico em razão de leitores realmente sagazes e dispostos a entabular enriquecedoras conversas. Portanto, o crítico nada mais é do que alguém que tentará trazer algum ponto aqui e ali que possa dar uma nova visão a este ou aquele filme.

E antes que alguém levante o dedo para dizer que filmes de super-heróis são “só entretenimento” e que não devemos exigir deles mais do que eles têm a oferecer, eu já respondo logo: será mesmo? Se tivermos esse pensamento pequeno, nos acomodarmos diante de qualquer coisa que colocam à nossa frente simplesmente porque determinado tipo de filme não “pode” ser mais do que mero divertimento por duas horas, então já começamos derrotados. Querer mais é bom, faz parte da natureza humana. E é por isso que o “mero entretenimento” pode e deve ser casado com algo mais. E não confundam “algo mais”, de forma alguma, necessariamente com discussões metafísicas e filosóficas complexas. Esse “algo mais” pode ser também algo tão frugal quanto uma escolha de filtros, a disposição simétrica de um plano ou até mesmo um sub-texto escondido nas entrelinhas de algo com aparência banal.

Em outras palavras: os críticos não só querem o melhor para os filmes, como estão do lado e não contra o fã.

Expectativa versus Realidade

Outra questão que merece breves comentários é um olhar para o que o fã de quadrinhos espera de seus filmes de super-herói. Os que me conhecem aqui do site já sabem, mas vale relembrar: eu leio quadrinhos com constância há mais anos do que a maioria de nossos leitores tem de idade. Sou aquele fã da velha guarda que comprava formatinhos não da Abril apenas, mas da Bloch e da RGE, isso lá pela época em que Odin brincava de rolimã com Borr, seu pai.

Portanto, eu poderia muito facilmente aliar-me à facção que faz questão que todos os detalhes de seus queridos personagens sejam transpostos para a tela, da cor da pele até o animal de estimação que a amiga da vizinha da tia do alter-ego do super-herói tem e que aparece em meio quadro de uma edição especial do relançamento da edição #1 da revista vendida exclusivamente na primeira noite de lua cheia do dia de seu lançamento. Mas a grande verdade é que essa facção é fadada a viver triste, irritada e sempre desapontada.

Adaptação é a palavra-chave aqui. Quando falamos de mídias diferentes, a transposição é impossível e, quando é tentada, o resultado costuma ser pavoroso. Há exceções, mas que só confirmam a regra de que não, não é sadio tentar ficar muito próximo ao material fonte. Quando falamos então de super-heróis que existem há décadas e décadas, a coisa fica ainda pior, pois ele ou ela fatalmente passou por um sem-número de fases completamente diferentes e é provável que o fã tenha a sua preferida. Se sua tara é com o Superman azul elétrico ou com o Homem-Aranha Octopus, maravilha, seja feliz.

No entanto, é aí que a porca torce o rabo. O fã tem a tendência de criticar uma adaptação cinematográfica não com base no que ela é, mas sim com base no que ele acha que ela deve ser. E cada um de nós acha uma coisa diferente, não é mesmo? Ah, não pode ter piada. Ah, não pode ser sombrio. Ah, não pode ter teia orgânica. Ah, não pode matar. Ah, não pode isso ou aquilo. Não pode, não pode, não pode.

Se o fã acha que crítico de cinema é chato, é porque não olhou para o seu próprio umbigo. A fórmula mágica é sempre tentar entender a proposta de uma obra – e aqui falo de qualquer obra – e concluir se sua execução foi bem feita ou não com base em algo que esteja além da contaminação pela pré-concepção do que o fã gostaria que ela fosse, algo que é certamente difícil, mas que é um exercício gratificante. Portanto, já partir da premissa que “meu Thor não pode ser colorido e piadista” e, portanto, automaticamente achar que é tudo uma porcaria, não é a melhor forma de encarar um filme. Seria o caso de nem assisti-lo se é algo tão assim “preto e branco” e irredutível.

E há, em cima disso tudo, uma notícia ruim para os fãs de quadrinhos: não somos em número suficiente para realmente sermos essenciais para o sucesso ou insucesso de um filme de super-herói. O destino de uma película dessas está nas mãos do público que não lê quadrinhos habitualmente. Portanto, não, esses filmes não são feitos para nós, mas sim para “eles” e, portanto, o que nós esperamos ver é razoavelmente irrelevante para o resultado final. Triste realidade, mas é a realidade de toda forma.

Thor, o Deus das Cores e da Comédia

E, com isso, meus caros, chegamos ao filme propriamente dito.

Se Stan Lee vem tradicionalmente recebendo suas devidas homenagens em todos os filmes do UCM (e aqui ele é ninguém menos do que o “cabeleireiro” de Thor!), já havia passado da hora que o outro grande responsável criativo por transformar a Marvel no que ela é hoje também ganhasse sua menção. Jack Kirby, o homem que efetivamente colocou no papel pela primeira vez personagens como o Homem-Aranha, Homem de Ferro, Hulk e, claro, Thor, simplesmente precisava de seu momento para brilhar.

E a forma como isso é feito em Thor: Ragnarok estabelece a base por intermédio da qual o filme dialoga com o público: as cores vibrantes e a leveza de diálogos. Quando Taika Waititi foi anunciado como diretor do filme, ficou automaticamente evidente o tom que a produtora queria para a obra, já que o diretor e roteirista neozelandês de carreira ainda nascente é conhecido por suas comédias indie doces e maluquinhas. Isso se confirmou e se intensificou quando as fortemente coloridas primeiras imagens vieram, com designs de produção que, para os fãs, faziam a perfeita mímica da arte de Kirby pela primeira vez nas telonas.

Os traços kirbyanos clássicos estão por todos os lugares de Sakaar, o planeta onde Thor e Loki caem depois de enfrentarem Hela e onde o Hulk está há algo como dois anos, depois de sumir no Quinjet dos Vingadores ao final de Era de Ultron. O local inédito, com apenas o nome retirado do planeta que é palco para a saga Planeta Hulk, que transforma o Golias Esmeralda em gladiador, tem o propósito de servir de campo livre para a equipe de desenho de produção usar a imaginação para materializar o máximo da mente de Jack Kirby por frame. São alienígenas, equipamentos, naves, panos de fundo, decorações, armamentos, uniformes e, claro, esquema de cores que parecem ser arrancados das páginas dos quadrinhos mais variados do autor e salpicados como enfeites ao longo do filme. É essa a parte dedicada aos fãs dos quadrinhos que, aqui, são agraciados com algo que nunca viram antes nas telonas.

Estabelecidas as exigências de cores vibrantes que, se pensarmos bem, rima perfeitamente com o lado cósmico do UCM iniciado por Guardiões da Galáxia, o passo seguinte era óbvio: a comicidade. Não só esse é o tom de rigueur nos filmes da Marvel Studios, amplificado (Guardiões) ou emudecido (Capitão América 2) na medida do que é exigido pelos roteiros, como a leveza é marca de muitos dos textos da Era de Prata da Marvel, incluindo em Thor. Sim, Thor sempre foi sisudo e falava difícil, mas suas histórias clássicas tinham aquele ar relaxado e simplificado dos textos de Lee e traços de Kirby.

Mas, cinematograficamente, o caminho que Thor já vinha trilhando, especialmente em suas interações com Loki (Tom Hiddleston) era o cômico e o caminho para a comédia completa era perfeitamente plausível. Melhor ainda, Chris Hemsworth já havia provado que tem boa pegada cômica tanto como o próprio Thor como também em papeis como o seu Kevin, em Caça-Fantasmas. Portanto, havia lógica para o tom escolhido.

No entanto, se Thor: Ragnarok não sofre com o lado pastelão demonstrado em Doutor Estranho, o filme tem seus problemas para achar sua veia cômica exata. E não digo isso porque o filme não tem momentos engraçados, pois tem, mas sim porque há uma repetição de um tipo de gag à exaustão, que, infelizmente, acaba sendo a marca do roteiro. Falo daquelas piadas dependentes de interrupção em que praticamente tudo para, até a trilha sonora, para irritantemente nos dizer que é o momento certo de rir. Isso começa já na sequência em que Thor, no reino de Surtur (um excelente trabalho de voz de Clancy Brown, o eterno Kurgan de Highlander), conversa com seu inimigo de cabeça para baixo amarrado em correntes. Por duas vezes ele pede para o demônio parar de falar de forma a esperar que ele termine de girar e encará-lo novamente. Se já ali as piadinhas não funcionam bem, nas diversas outras vezes em que algo semelhante acontece – creio que a última vez é no clímax, quando Banner se joga do Quinjet e se estatela na ponte Bifrost – a coisa chega a dar vergonha alheia. E tudo porque o roteiro insiste em fazer mais do mesmo, sem diversificar logo de cara.

Afinal, quando Hiddleston passa a interagir mais com Thor ou quando o Deus do Trovão se deparara com Korg (vivido pelo próprio diretor em ótimo trabalho de captura de performance) ou até na arena quando vê o Hulk – apesar da cena ser “estragada” pela quantidade de vezes que foi mostrada nos trailers – a cadência cômica se estabelece e, de seu jeito simpático (nunca histriônico ou exagerado, com uma exceção hilária – em breve comento), a narrativa é trabalhada. Até mesmo a Hela de Cate Blanchett entra na brincadeira, com a atriz usando sua natural postura aristocrática para acentuar os trejeitos da Deusa da Morte, compondo uma personagem que tem maleficência, mas com uma leve sugestão de auto-consciência de sua absurdidade, como se a atriz estivesse piscando para nós e dizendo algo como “estou nesse papel para me divertir”. Aliás, Hela é, visualmente, a mais fascinante vilã Marvel, ainda que, em termos de desenvolvimento, ela infelizmente fique ali naquele meio perdido e comumente designado como “potencial desperdiçado”.

O exagero verdadeiro fica por conta do mais do que colorido Grão-Mestre do sempre simpático e excêntrico Jeff Goldblum. O sujeito, que é da mesma raça do Colecionador, aquele cafetão espacial vivido por Benicio del Toro em Guardiões da Galáxia, é uma enlouquecida e hipnotizante mistura de apresentador de TV e DJ, com direito a ser introduzido por meio de uma espécie de carrinho de “passeio de brinquedo da DisneyWorld” a que Thor permanece amarrado. A mera presença física de Goldblum daquele jeito empolado, vestido das cores mais espalhafatosas possíveis, de chinelo e, ainda por cima, derretendo seus inimigos, já faz valer boa parte do filme se o espectador estiver com o humor ajustado.

Os 30 Minutos Iniciais

Independente do que o espectador possa achar do filme como um todo, há que se tirar o chapéu para tudo que acontece do momento que vemos Thor na jaula de Surtur até quando ele chega em Sakaar. Essa meia hora é um dos melhores inícios de filmes do UCM, com o roteiro de Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost sendo absolutamente azeitado e genial na sua capacidade de concisão, não só apresentando a premissa da história, como reunindo Thor com Loki, trazendo referências dos filmes anteriores, incluindo extensas pontas do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) e de Odin (Anthony Hopkins), além de pequenas e ótimas pontas de Matt Damon e Sam Neill, respectivamente como Loki e Odin do teatro em Asgard e armando todo o palco para o que vem em seguida.

Waititi mostra seu valor exatamente nesses minutos iniciais, fluidamente lidando com transições de cenários por meio de uma decupagem lúcida e clara, além de uma montagem (por Zene Baker e Joel Negron) precisa que se preocupa em jamais chegar sequer perto de desnortear o espectador, algo absolutamente essencial para a perfeita apreciação da sequência. Se há um lado negativo nesse começo – e é algo muito relativo – é sua forte dependência do conhecimento do UCM como um todo, desde a completamente deslocada sequência do poço mágico em Era de Ultron, passando pela substituição de Odin por Loki ao final de O Mundo Sombrio, além do próprio Doutor Estranho e diversas outras menções aqui e ali.

Já nesses momentos iniciais temos tudo o que precisamos mais do que estabelecido: tom, velocidade, dinâmica, vilã e história macro. Com Odin morto – ou transformado em partículas brilhantes -, a super-poderosa Hela, sua primogênita secreta (para os fãs de mitologia nórdica, a mudança pode feri-los de morte, pois Hela é filha de Loki, na verdade) escapa da prisão e volta para tomar seu trono em Asgard. No processo, ela não só destrói Mjölnir, o martelo de Thor, como se fosse um brinquedo, como ejeta os irmãos do teletransporte da Bifrost para Sakaar, onde Thor enfrenta o Hulk e Loki assiste preocupado (puny God!).

Sakaar, o Lixão Espacial

Como já abordei o elemento mais importante do planeta Sakaar, que é sua paleta de cores kirbyana, resta-me, então, lidar com o segundo elemento mais importante, a introdução da Coletora 142 ou, melhor dizendo, Valquíria (Tessa Thompson), aquela chutadora de bundas asgardiana que dizima os captores de Thor, derruba o próprio Deus do Trovão e parece ser uma máquina imparável de arrebentar vilões com um passado sombrio como a última sobrevivente das valquírias enviadas por Odin para derrotar Hela. A personagem tem o melhor mini-arco narrativo do filme e Thompson agracia o UCM com mais uma personagem coadjuvante de peso, que tem potencial para mais desenvolvimento  no futuro.

Sem explicar como foi parar em Sakaar, algo que o roteiro, sem didatismo, deixa entrever meramente pela existência de dezenas de buracos de minhoca ao redor do planeta, Valquíria é bem explorada ao longa de Ragnarok, primeiro como uma versão mais bêbada de Han Solo e, depois, como um heroína em seu próprio direito, não deixando nada a dever a Thor e companhia. O tipo de humor que Thompson usa é mais cru e direto, contrastando bem com a comicidade ingênua de Hemsworth e também com a esperteza de Loki. Construindo seu presente a partir de um passado que o Deus da Trapaça revela naquele flashback bem inserido e que ganha uma belíssima paleta de cores escurecida e sombria, emulando quadros renascentistas, entendemos a lógica de sua presença ali e de suas motivações tanto para caçar campeões para serem espancados pelo Hulk, como para se voltar contra o Grão-Mestre e ajudar Thor a voltar para Asgard pelo ótimo Ânus do Demônio, mais uma cutucada nonsense do roteiro.

Valquíria também é uma boa adição à mitologia de Thor no cinema, pois se o roteiro de Ragnarok não tem dó em fazer é eliminar praticamente todo o elenco coadjuvante do herói, especialmente o já citado Odin e os Três Guerreiros, seus melhores amigos (confesso que não sei que fim levou Lady Sif, porém). Eu tomaria como pessoal se a Marvel resolvesse limar Heimdall (Idris Elba) e a presente crítica seria bem diferente se isso tivesse acontecido, pelo que fiquei feliz ao receber uma carta pessoal de Kevin Feige se desculpando por ter pensado em colocá-lo  no mesmo bolo dos demais. Mas sério, um parênteses: Heimdall tem seu merecido destaque aqui, como praticamente o guerreiro solitário que salva a população inteira de Asgard, depois de ele exilar-se com a tomada do poder por Loki.

Com Asgard deslocando-se para a Terra – será que veremos então Asgardia, como nos quadrinhos? – será importante, para o futuro do herói, que ele tenha personagens conhecidos ao seu redor para manter a lógica interna da história. Valquíria, Heimdall e possivelmente até mesmo Loki e Korg poderão suprir a falta daqueles que foram para o Valhalla.

Outra adição importante que Sakaar traz, claro, é o próprio Hulk. Aqui, vemos outra versão do personagem, 100% irracional (um bebezão, na verdade) e 100% em controle de Banner. Ou seja, todo o avanço que vimos no caminho contrário em Os Vingadores e também em Era de Ultron é apagado em Ragnarok, o que, confesso, torna o personagem mais interessante.

De toda forma, Mark Ruffalo está muito bem no filme, como um doutor Banner completamente perdido no tempo e no espaço, depois de passar dois anos aprisionado no corpo do Gigante Esmeralda, sem nenhuma memória do que aconteceu. Não há, verdade seja dita, tempo algum para qualquer desenvolvimento do personagem dentro do filme, com essa aparição em si servindo de todo o desenvolvimento que precisamos, ou melhor, que teremos até Vingadores 3. A captura de performance, por outro lado, resulta em movimentos fluidos para o herói e o CGI se esmerou aqui em criar a versão do Hulk mais fisionomicamente parecida com sua contraparte humana. Um excelente feito.

Por Asgard!

Quando a ação deixa Sakaar, somos levados imediatamente para Asgard para o que deveria ser o clímax da história. No entanto, é nesse ponto que o roteiro feito a seis mãos começa a desandar mais claramente, com diversos blocos narrativos e cada um com seu próprio clímax que acaba protraindo a duração da projeção para um pouco mais do que talvez ela precisasse ser.

A identidade visual tão marcante estabelecida anteriormente, para começar, desaparece completamente. A fotografia perde seu brilho, a paleta de cores reverte ao que estamos acostumados e muito da graça vai embora. Automaticamente, assim, voltamos para um pouco do “mais do mesmo”. As ações de Hela, antes tão divertidamente maléficas, tornam-se um tanto quanto genéricas e repetitivas, com seu poder de criar objetos pontiagudos sendo usado mais do que as lentes de contato laranjas de Heimdall. A empolgação do diferente abre um pouco o espaço para o que muitos chamam de “fórmula Marvel”, ainda que, na verdade, todos os blockbusters serializados façam uso de fórmulas em maior ou menor grau e velha linguagem da narrativa climática com pancadaria sem fim vem para ficar.

Enquanto que as ações envolvendo Heimdall funcionam muito bem, as diversas lutas na ponte Bifrost – que lugar mais idiota para levar toda a população de Asgard antes de ter certeza de que não há ameaças, não? – são confusas, com uma decupagem pouco inspirada de Waititi que passa a mostrar um controle menor sobre momentos grandiosos como esse. É aqui que faz falta um diretor como Joss Whedon ou os Irmãos Russo (só para ficar no UCM), mais afeitos à escala desse tipo de obra.

Skurge, o Executor (Karl Urban) tem seus 15 minutos de glória, depois do roteiro dar umas 200 dicas de que ele trairia Hela ao final, o Hulk se engalfinha com o lobo Fenrir (que, na mitologia nórdica, é outro filho de Loki) e Thor finalmente aprende que ele é mais do que acha que é, o que determina o seu pequeno arco narrativo e estabelece seu futuro como o monarca caolho de seu povo. As lutas são quase que fragmentos de momentos que poderiam ser mais bem construídos e distribuídos no longo tempo dedicado a esse terço final da projeção. O resultado, infelizmente, é genérico, nada inspirado e razoavelmente confuso, ainda que sejam nesses momentos finais que a trilha sonora composta por Mothersbaugh ganhe alguma relevância.

Os momentos finais, porém, com Thor não evitando, mas ativamente trazendo o Ragnarok em forma de Surtur-Godzilla para sua terra natal ganham um interessante peso dramático que quase não combina com o tom inicial do filme, mas que mostra que existiu a preocupação em se estabelecer um arco finalista. Asgard, como conhecíamos, não mais existe. Agora, todos são refugiados espaciais a caminho da Terra.

Thor, o Rei do Trovão

Com Thor em seu trono na gigantesca nave do Grão-Mestre (e sim, trata-se de uma referência ao seu George Kirk, em Star Trek), a aventura cômica e colorida do ex-Deus do Trovão, agora Rei de Asgard, chega a seu fim. Olhando para trás e considerando tudo o que Waititi levou para as telonas e como ele levou, vê-se claramente ousadia em seus planos. Temos o brilhante início que costura toda a narrativa e o UCM à ela, a homenagem a Kirby permeando o segundo terço da história e marcando seu tom e um finalzinho apoteótico que cumpre a promessa de um crepúsculo dos deuses, ainda que não provavelmente da forma que todos esperavam (novamente, expectativa x realidade).

Há problemas, sem dúvida, mas há também o mérito de ter sido tentado algo razoavelmente fora da forma, o que merece ser louvado. Waititi nem sempre concretiza as ideias da melhor maneira e definitivamente se perdeu no terceiro ato, mas ele acabou entregando algo que diverte e que, melhor ainda, tem razão para existir da forma como existe.

  • Crítica originalmente publicada em 27 de outubro de 2017.

Thor: Ragnarok (Idem, EUA – 2017)
Direção:
 Taika Waititi
Roteiro: Eric Pearson, Craig Kyle, Christopher Yost
Elenco: Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch,  Taika Waititi, Clancy Brown, Ray Stevenson, Rachel House
Duração: 130 min.

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