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Crítica | Todo Mundo Quase Morto

por Lucas Nascimento
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estrelas 5,0

No início dos anos 2000, o nome de Edgar Wright já era conhecido entre os admiradores da televisão britânica. Em especial, as séries de comédia Asylum e Spaced, onde Wright testou seu estilo e firmou uma duradoura parceria com os atores Simon Pegg e Nick Frost, que viriam a se tornar os protagonistas da chamada Trilogia do Cornetto; uma das mais cultuadas obras de humor dos últimos anos. O primeiro capítulo começa com Todo Mundo Quase Morto, uma brilhante sátira ao gênero de zumbis.

A trama nos apresenta a um dia fatídico na vida do pacato Shaun (Pegg), um residente de Londres preso no tédio do cotidiano. Tudo muda quando sua namorada Liz (Kate Ashfield) lhe dá um pé na bunda justamente por essa falta de comprometimento, o que joga em Shaun em uma mini crise existencial que ainda envolve seu emprego infeliz e o fato de sua mãe ter um namorado que o despreza. Com apenas o amigo Ed (Frost) como principal companheiro, tudo isso ganha um novo contexto quando um apocalipse zumbi repentinamente se alastra pelo mundo.

Tomei muito cuidado para não cair no clichê “e tudo mundo quando…”, pois realmente não é o caso do filme. Uma das grandes sacadas do roteiro de Wright e Pegg é explorar, nos primeiros momentos do apocalipse, a total ignorância de Shaun e de outros personagens ao fato de que zumbis carnívoros estão à solta na cidade. O plano sequência em que Shaun vai ao mercado e não percebe os vestígios de uma carnificina sangrenta pelo ambiente é um primor, que também revela o incrível talento de Wright para a comédia visual (esse plano sequência se desenrola duas vezes, sendo a primeira delas em uma situação pré-zumbis), popularizando seu agora icônico uso de cortes rápidos para acelerar uma situação. E sem comentários para a impagável cena do quintal envolvendo discos de vinyl.

Não só isso, todos os problemas da vida de Shaun continuam a ser sua principal preocupação, independente do fato de mortos vivos famintos dominarem a cidade. Simon Pegg ilustra com perfeição o oportunismo de Shaun em usar do cataclisma a fim de criar uma imagem positiva e heróica diante de sua ex-namorada, os amigos e até seu padrasto. O próprio plano de Shaun e Ed de se refugiar – dentre todos os locais da cidade – em um pub pelo mero fato de este conter bebidas e uma espingarda que supostamente funciona já é de um humor irreverente divertidíssimo; rendendo uma inesperada sequência musical com “Dont Stop Me Snow” do Queen no eletrizante clímax.

A crítica social que marca os melhores filmes de zumbis (em particular, os de George A. Romero) está bem sutilmente nesse exemplo descrito acima, com a incapacidade da população em diferenciar a monotonia e a chatice da vida cotidiana com um apocalipse zumbi. Na visão de Wright, as pessoas já são zumbis muito antes de se serem infectadas. É um comentário que funciona justamente pela sutileza e pela forma com que Wright usa as imagens, e a repetição de sequências (o já mencionado trajeto até o mercadinho) e falas recorrentes que ganham novo contexto ao longo da trama. Há até mesmo uma virada de tom assustadoramente eficiente no terceiro ato, que é mais eficiente e impactante do que os dramas vistos em The Walking Dead.

Ah, e da onde vem esse nome Trilogia do Cornetto? É um easter egg divertido que não tem a menor importância temática em cada um dos filmes, sendo uma referência aos tempos de adolescência de Wright, que afirma que sorvetes Cornetto eram a única cura de suas ressacas… Aqui, há uma piadinha com Ed e Shaun tomando o tal sorvete enquanto o apocalipse vai tomando proporções midiáticas mais drásticas.

Todo Mundo Quase Morto é uma engraçadíssima sátira do gênero de zumbis e um veículo impecável para que Edgar Wright explorasse seu talento invejável, que só se confirmaria mais e mais a cada novo filme.

Publicado originalmente em 09/07/2016.

Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, Inglaterra – 2004)
Direção: Edgar Wright
Roteiro: Edgar Wright e Simon Pegg
Elenco: Simon Pegg, Nick Frost, Kate Ashfield, Lucy Davis, Dylan Moran, Bill Nighy, Nicola Cunnigham
Duração: 99 min

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