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Crítica | Top Gun: Ases Indomáveis

por Gabriel Carvalho
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“Eu sinto a necessidade. A necessidade por velocidade.”

Quentin Tarantino, em Vem Dormir Comigo, possui um monólogo interessante acerca de Top Gun: Ases Indomáveis. Lá, comentava que o longa em questão marcava, na verdade, um confronto em Maverick (Tom Cruise), o personagem principal, entre ser homossexual ou ser heterossexual. Aos mais descrentes com essa possibilidade, pode parecer uma mera piada e, como era posta naquela obra, certamente nasceu de uma. Quando nota-se tanta tensão entre o protagonista e o seu caro antagonista, Iceman (Val Kilmer), quanto entre ele e justo a sua parceira romântica, Charlie (Kelly McGillis), o pensamento de Tarantino vai mais além do que ser uma teoria somente cômica, o que não incute, no oposto, ser a única possível verdade. Existe também, nesse caso, uma correlação entre as insinuações do cineasta, longe de serem completamente forçadas, com a abordagem que Tony Scott promove ao seu projeto, o mais popular de sua carreira. Top Gun: Ases Indomáveis amarra as manobras radicais nos céus com as rixas masculinas no vestiário e um romance proibido entre estudante e instrutora. Pois torna-se, nesse sentido, uma produção de pura adrenalina, e que, dado quem a dirige, inerentemente parte para um cunho mais sensual e erótico, realmente apaixonado por suas relações e impasses, tornando verdadeiro o supostamente cafona.

Uma cena no meio do longa, por exemplo, que não tem motivos para justificar a sua existência em termos narrativos, coloca personagens enfrentando-se em um jogo de vôlei de praia, a maioria sem camisa e suando, enquanto o calor é sentido pela própria cinematografia, do bom Jeffrey Kimball. No mais, o segmento remete-se a um videoclipe musical, com uma música tocando ao fundo, os atores posando para a câmera e a montagem reverberando um charme. Ora, Tony Scott terminava de sair da sua estreia em longas-metragens, o excelente Fome de Viver, que justamente possuía o erótico como um dos seus gêneros cinematográficos. Mas sem que este teor seja necessariamente pervertido, continua, no entanto, uma reverência aos corpos destes militares, postos seminus em vestiários. Mais que propaganda para a Marinha, é como um comercial protagonizado por jovens sarados. Pois é mais marcante ainda na filmografia desse cineasta, que tornou-se conhecido por suas empreitadas pelo cinema de ação, o seu tesão pelas imagens, as quais podemos pensar de várias formas distintas, mas sempre notando uma intensidade. O que permanece é a capacidade de Scott em envolver os espectadores num misto de irmandade, romance e ação, que no conjunto, como “Take My Breath Away”, música vencedora de um Oscar, já exemplificaria, é de tirar o fôlego.

Por isso, Tony Scott consegue nos convencer do que propõe, mesmo atravessando um roteiro um tanto ineficiente, que opera mais pela simplicidade de um confronto entre pilotos e um romance cheio de malícia que por qualquer ânsia de grandeza narrativa. Maverick, que é acompanhado por seu parceiro Goose (Anthony Edwards), recebe a grande oportunidade de treinar em um programa informalmente conhecido como TOPGUN. Juntamente a graduação, também acontece, ao mesmo tempo, uma competição interna entre os aviadores, o que colocará Iceman no caminho dos pilotos. Baseando-se nessa premissa, o roteiro, escrito por Jim Cash e Jack Epps Jr., inspirados em um artigo de revista, não impulsiona nada de extraordinário, somente um cenário quase colegial. Mesmo assim, em meio a uma trilha-sonora que sabe captar o clima tão fraterno quanto antagônico na guarnição, os primeiros minutos prontamente criam uma atmosfera sedutora. As interpretações, nesse passo, estão mais preocupadas na sedução, em um jeitão descolado, que em qualquer pretensão dramática, apesar de existir o pretexto de Maverick ser um piloto perigoso. As várias interações entre Tom Cruise e Val Kilmer, contudo, resumem-se em sorrisos e sentenças prontas, para se apimentar essa rivalidade mais que o drama – relacionado ao pai do protagonista.

Tony Scott tem um apetite em transformar cada um dos elementos que dispõe nas suas mãos em sensações variadas. Parte dos caças voando e combatendo aeronaves, algumas amigas e outras inimigas, e chega, sempre com peso nas imagens e no seu requinte, nessa possível alegoria sobre a sexualidade de Maverick. Quando abrange uma seriedade a mais, por sua vez, é que o roteiro não consegue sustentar com tanta proeza os questionamentos internos e a trama da pessoa que quer superar o seu pai. Diante de um acontecimento importante, porém, mesmo assim existe sinceridade, por conta do carinho que se constrói entre personagens. Cada cena, portanto, é um meio para Scott transformar a sua obra em vetor a estímulos e tensões indomáveis. Tanto é que o relacionamento amoroso custa a engatar, mas sempre é sugerido, permanecendo por muito tempo em um ambiente de insinuações e flertes. Quando, muito bem lembrado pelo personagem de Tarantino, Maverick vai à casa de Charlie, espera-se a consumação do interesse amoroso, o que surpreendentemente não acontece. Já na cena do elevador, o protagonista apenas provoca, sem beijar a suas instrutura. Dos apertos de mão às cantorias no bar, cenas com homens de cueca e se provocando,  Top Gun, em muitos sentidos e para muitos públicos distintos, nos deixa sem respirar.

Top Gun: Ases Indomáveis (Top Gun) – EUA, 1986
Direção: Tony Scott
Roteiro: Jim Cash, Jack Epps Jr. (baseado em artigo de Ehud Yonay)
Elenco: Tom Cruise, Kelly McGillis, Val Kilmer, Anthony Edwards, Tom Skerritt, Michael Ironside, John Stockwell, Tim Robbins, Whip Hubley, Meg Ryan
Duração: 110 min.

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