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Crítica | Trama Macabra

por Ritter Fan
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Se Frenesi tivesse sido o último filme de Alfred Hitchcock, sua carreira teria acabado em um de seus mais baixos pontos. Mas, felizmente, o Mestre do Suspense teve fôlego, apesar de sua saúde claudicante, para fazer mais um, seu derradeiro filme: Trama Macabra. E o resultado, apesar de não chegar perto de suas grandes obras, pelo menos não desaponta completamente e até nos traz algumas gratas surpresas.

A primeira delas é uma parceria inusitada entre Hitchcock e ninguém menos do que John Williams, um dos maiores compositores vivos de trilhas sonoras. Saindo fresquinho de sua sétima indicação ao Oscar e segunda vitória (de suas até agora cinco vitórias e impressionantes 49 indicações), pela magnífica trilha de Tubarão e caminhando para compor talvez sua mais inesquecível obra, a trilha de Star Wars, Williams trabalhou em toda a música de Trama Macabra, resultando em material que, apesar de longe de ser marcante, conseguiu muito bem encapsular a oscilação do filme do diretor entre thriller e comédia de humor negro, com diversas notas remetendo diretamente à composição máxima de Bernard Herrmann, em Psicose.

A outra surpresa é o elenco, que reúne um jovem e dentuço Bruce Dern de um lado, com um sinistro William Devane e um enganosamente simpático Ed Lauter de outro, os três ainda na flor da idade. O elenco feminino, porém, composto por Karen Black e Barbara Harris, é menos inspirado, deixando muito a dever às suas contrapartes masculinas.

E, finamente, é interessante ver Hitchcock, no crepúsculo de sua carreira, fazendo uma amálgama bastante eficiente do melhor do conjunto de sua obra – o suspense e o humor negro – em uma fita que, se por alguns momentos equivocados chega a descambar para o “quase pastelão”, consegue manter-se equilibrada e engajante na maioria do tempo. De toda forma, o resultado é um filme menor do diretor, mas um que provavelmente divertirá o espectador.

A história se divide, inicialmente, em dois casais de vigaristas. O primeiro deles, formado por Blanche Tyler (Harris) e George Lumley (Dern) e o outro por Fran (Black) e Arthur Adamson (Devane). Hithcock nos apresenta às duplas separadamente. Blanche finge ser uma vidente e espírita, vivendo de pequenos golpes até, na sequência de abertura, acertar a sorte grande com a idosa milionária (Cathleen Nesbitt) querendo que ela, usando seus poderes, encontre seu único herdeiro e prometendo muito dinheiro. Lumley é um motorista de táxi que namora Blanche e participa dos golpes, convertendo-se em detetive particular para procurar o herdeiro perdido.

Do outro lado, temos dois vigaristas mais sofisticados – Arthur (Devane) e Fran (Black) – que vivem de sequestrar pessoas de influência para trocá-las por resgastes compreendidos por pedras preciosas. Apesar da complexidade do esquema de Arthur e Fran, Hitchcock não pausa para explicar os detalhes, nem para abordar as consequências desses atos para fora do âmbito da dupla. O enfoque é intimista e também simplista.

No entanto – e isso não é spoiler de forma alguma – o caminho dos dois casais começa a se cruzar quando a investigação de Blanche e Lumley os leva a deduzir que Arthur é o tal herdeiro. Acontece que um problema de comunicação e a desconfiança de Arthur, por ter culpa no cartório, óbvio, impede uma resolução tranquila para o caso, o que acaba envolvendo a história antiga de Arthur, sua amizade com Joe Maloney (Lauter) e tentativas de assassinato. Por mais absurdas que todas as coincidências possam parecer, especialmente os sequestros perpetrados por Arthur e Fran, no final das contas tudo funciona como uma aventura com leves pitadas de suspense.

Hitchcock trabalha com uma fotografia básica, sem arroubos de criatividade, com exceção da descida desenfreada de Blanche e Lumley de carro por uma região montanhosa (toda filmada em estúdio, na Universal, que, à época, tinha gigantescas glebas de terra para esse fim), em que o diretor filma em primeira pessoa em vários momentos, com resultados incertos e exagerados. Os atores, especialmente Dern, Devane e Lauter, estão bem à vontade em seus papeis substancialmente caricatos, mas divertidos. Vale especial destaque a inocência passada por Dern e o maquiavelismo de botequim de Devane, que estabelecem ótimo contraste de personalidades.

O título, que é intraduzível para o português, faz uma brincadeira com a palavra plot, que pode significar tanto “trama” quanto um terreno (plot of land) que, no caso, seria o terreno comprado por famílias para enterrar seus entes queridos, algo integral à narrativa. Uma jogada inteligente que se converte em um filme sem surpresas narrativas, mas bastante agradável, ainda que ele tivesse se beneficiado de um passo mais veloz, com montagem mais econômica.

De toda maneira, é um alívio ver que Hitchcock  conseguiu encerrar talvez uma das mais brilhantes carreiras da Sétima Arte com um filme competente o suficiente para ser algo com sua marca, com suas características. Um grande feito para um senhor de 77 anos à época.

  • Crítica originalmente publicada em 12 de julho de 2014. Revisada para republicação em 12/08/2020, como parte da versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Trama Macabra (Family Plot, EUA – 1976)
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Ernest Lehman (baseado em romance de Victor Canning)
Elenco: Bruce Dern, Barbara Harris, William Devane, Karen Black, Ed Lauter, Cathleen Nesbitt, Katherine Helmond, Warren J. Kemmerling
Duração: 120 min.

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