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Crítica | Tron – O Legado

por Ritter Fan
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estrelas 3

A crítica de cinema Isabela Boscov,  da revista Veja, encapsulou com muito mais propriedade do que eu seria capaz a sensação que tive ao acabar de assistir Tron – O Legado. E faço a citação: “Pois a falha que atinge Tron – O Legado é de ordem estrutural: a ideia de pessoas extraviadas em um programa de computador era avançada em 1982 – mas é antiquada para empolgar em 2010, a despeito do desvelo e da inspiração com que Kosinski reimagina o mundo de Tron”.

Tron – O Legado é visualmente deslumbrante. O então diretor estreante Joseph Kosinski vendeu a ideia de uma continuação de Tron – Uma Odisseia Eletrônica à Disney fazendo uma espécie de trailer falso para mostrar do que ele era capaz e a empresa pagou para ver e pagou caro, mais exatamente 170 milhões de dólares. Vale dizer que, mais uma vez, a Disney teve atitude corajosa. Na verdade, a coragem demonstrada para se quebrar barreiras com o filme original se repete aqui, muito mais pelo fato de Tron – O Legado ser uma continuação de alto orçamento do que mais um reboot de um clássico. E reparem que é uma continuação não dois ou três anos depois do primeiro, mas sim impressionantes 28 anos depois do fracasso financeiro que foi o filme original (sim, fracasso).

Mas é perfeitamente possível entender o que a Disney viu em Kosinski: apuro visual, apuro visual e apuro visual. Isso e mais o fato que, ao menos em tese, faz perfeito sentido retrabalhar Tron para a era digital em que vivemos. No entanto, aí está o maior pecado de Tron – O Legado: enquanto seu predecessor era muito além de seu tempo, a continuação é muito aquém de seu tempo, exatamente como Boscov coloca. Tron – O Legado bem que tenta ser um novo Avatar, mas falha.

Em primeiro lugar, assim como em Avatar, a história de Tron – O Legado, é simples e objetiva, eivada de clichês, o que não é necessariamente ruim. Há uma repetição da linha narrativa do primeiro filme: Sam Flynn (Garrett Hedlund), filho de Kevin Flynn (Jeff Bridges) entra por acidente no mundo virtual que vimos anteriormente apenas para encontrá-lo dominado por Clu (Jeff Bridges também), o programa de computador criado por seu pai há 25 anos. Ele se envolve, então, em lutas gladiatoriais e escapa graças à ajuda de Quorra (Olivia Wilde) que o leva até seu pai que, na verdade, estava preso no programa.

E, da mesma forma que Avatar, o ator que faz o personagem principal do novo filme é péssimo. Hedlund faz caretas que são engraçadas quando deveriam ser sérias e cara de cachorro pidão quando tem que mostrar personalidade. Jeff Bridges, por outro lado, é sempre um prazer de se ver, mas, dessa vez, o roteiro não lhe dá muito material para trabalhar, forçando-o a canalizar o “The Dude” de O Grande Lebowski e não muito mais do que isso. Olivia Wilde é bonita e não passa muito disso.

Continuando o paralelo com Avatar, os dois filmes são longos demais, com uma quantidade pouco sadia de diálogos expositivos. Talvez esteja sendo até injusto com o filme de Cameron, pois o didatismo de Tron – O Legado é de revirar os olhos. Esse didatismo, que talvez tivesse ajudado os espectadores do original em 1982, hoje é redundante e emburrecedor. Poder-se-ia dizer que o grau de explicações artificialmente inseridas nos diálogos equivaleria ao que Christopher Nolan fez em A Origem e, mais recentemente, em Interestelar, mas essa conclusão seria simplista demais, uma vez que os mundos e regras criadas nas obras de Nolan exigem naturalmente um grau maior de exposição (que, em determinados momentos, confesso, ele extrapola), algo que não existe em Tron pela objetividade de tudo que vemos na tela. Além disso, o roteiro de Adam Horowitz e Edward Kitsis (mais conhecidos por seus trabalhos como produtores e roteiristas de televisão, em séries como Felicity, Lost e Once Upon a Time) é inábil ao inserir explicações pouco orgânicas, em muitos momentos parando a narrativa para fazer observações que imagens resolveriam de forma muito mais eficiente. Vê-se um pouco do ranço do roteiro para TV (em séries de TV aberta para ser justo) no trabalho de Horowitz e Kitsis.

No final das contas e mantendo o paralelo que tentei estabelecer com Avatar, Tron – O Legado é uma experiência bem menos completa e satisfatória, já que, apesar de se fiar nos visuais para prender a atenção do espectador, não oferece muito mais além disso, algo que a obra de Cameron, por mais que alguns possam defender o contrário, tem de sobra. Tron é apenas um belo videogame não-interativo que, via de regra, não precisa se preocupar com a narrativa e se esmera em apresentar novos e bonitos desafios a cada virada de esquina.

Mas Tron – O Legado tem momentos dignos de nota, todos eles facilmente classificados como eye candy, como diriam os americanos.

O primeiro deles é a corrida com os lightcycles, as clássicas motos de luz que ganham novo design na continuação. É uma sequência de tirar o fôlego e que realmente deslumbra o espectador. O mesmo se pode dizer – ainda que em menor grau, da batalha com os discos. É uma pena que Kosinski dedique pouco tempo para esses conflitos iniciais, em um raro exemplo de filme em que mais pirotecnia teria sido melhor.

Os outros veículos e, em linhas gerais, o design do mundo virtual do primeiro filme elevado à enésima potência pelo diretor são de se tirar o chapéu. Há uma tendência a se beneficiar o lado sombrio do mundo virtual, seguindo o que poderia ser classificado como uma exigência moderna, mas, mesmo assim, o resultado final é impressionante. Mas, claro, por melhor que tenha sido o esforço de Kosinski e equipe nesse quesito, o que vemos em Tron – O Legado não é comparável à importância e ineditismo do que foi feito em Tron – Uma Odisseia Eletrônica.

Outro destaque vai para a trilha sonora: a dupla Daft Punk compõe músicas com sua características batida eletrônica, que se encaixa com perfeição ao ritmo do filme. Aliás, o uso diegético da música, com a presença da própria dupla no bar/boate de Zuse (o ótimo Michael Sheen) resultam na melhor sequência da película. Um exagero visual e sonoro do começo ao fim, mas que marca presença no filme.

E, por fim, temos o polêmico uso da computação gráfica para rejuvenescer Jeff Bridges de forma que ele pudesse fazer o papel de Kevin Flynn mais novo, ainda com seu filho pequeno, e o de Clu. Muitos consideraram o uso do CGI ali algo irreal, com os “olhos mortos” que caracterizam a tecnologia. Particularmente, fiquei impressionado (não se compara com Michael Douglas rejuvenescido em Homem-Formiga, claro). Ainda que seja mais difícil aceitarmos o personagem digital no mundo real no flashback, não consigo imaginar melhor forma de representar Clu dentro do mundo digital. Ele é um ser digital e construído por Kevin Flynn à sua imagem à época da criação do programa. Faz todo sentido lógico que sua forma fosse aquela e, ainda por cima, com uma espécie de aura digital.

Tron – O Legado deixa claro seu potencial, mas sofre por ter um roteiro didático demais. Além disso, é definitivamente um filme que tenta ser a revolução que foi o original, mas que não consegue nem mesmo chegar perto de ser. É uma obra que já nasceu desatualizada, exatamente o contrário de Tron – Uma Odisseia Eletrônica.

Tron – O Legado (TRON: Legacy – EUA, 2010)
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Edward Kitsis, Adam Horowitz
Elenco: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Olivia Wilde, Bruce Boxleitner, James Frain, Beau Garrett, Michael Sheen, Anis Cheurfa, Daft Punk, Steven Lisberger, Donnelly Rhodes, Belinda Montgomery, Owen Best
Duração: 125 min.

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