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Crítica | Tudo Pelo Poder

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Quando George Clooney dirigiu o seu primeiro filme, Confissões de uma Mente Perigosa (2002), foi quase unânime a opinião da crítica de que o ator fizera uma ótima estreia na direção e que também poderia construir uma ótima carreira atrás das câmeras. Em seu filme seguinte,Boa Noite, Boa Sorte (2005), a receptividade foi ainda maior, rendendo-lhe seis indicações ao Oscar e inúmeros prêmios em festivais de cinema pelo mundo. A partir de então, criou-se uma certa expectativa (frustrada em 2008, com o terceiro filme do diretor, O Amor Não tem Regras), a partir da próxima estreia de um filme assinado por George Clooney. Seu engajamento político e a maneira quase clássica com que dirige seus filmes fazem-no um realizador interessante e bem cotado dentro e fora de seu país.

Tudo Pelo Poder (2011), é definitivamente a declaração política e crítica que Clooney poderia dar a seus fãs e ao seu próprio cinema. Estética e formalmente distinto dos outros três filmes que ele já dirigiu, o longa acompanha a jornada de um candidato democrata à presidência da República na intricada rede que constitui a sessão das primárias nos Estados Unidos. Vivido pelo próprio Clooney, o candidato Morris é um homem de excelente retórica e uma aparente postura incorruptível. A recusa do candidato em fazer alianças podres com senadores e delegados em busca de influência política contrasta com o que teremos no desenvolvimento do longa e põe na mesa as cartas do jogo político. O temor, a traição e a tentativa de encobrir qualquer ato legalmente errado do passado fazem de Morris um refém de seu diretor de comunicação, o verdadeiro protagonista do filme, interpretado pelo excelente Ryan Gosling.

O Leviatã de George Clooney

Thomas Hobbes escreveu uma das mais incríveis obras sobre o poder, a soberania e a estrutura do contrato social: O Leviatã. O nome refere-se a uma criatura marinha e mitológica de proporções monstruosas, muito presente no imaginário popular medieval e bíblico (Livro de Jó, capítulos 40 e 41). Com base na mitologia, Hobbes criou uma “teoria política” cuja base é a de que os homens são egoístas e o mundo não satisfaz todas as suas necessidades, por isso mesmo, no estado natural, todos disputam riqueza, segurança e glória. Para que essa “guerra de todos contra todos” não exista, é necessário um contrato social. Esse contrato necessita de um grupo de pessoas (ou uma única pessoa) cuja função é observar e punir quem quebrar as regras estabelecidas – e aquilo que chamamos de “Justiça” passa a existir. A esse grupo (ou essa pessoa), Hobbes dá o nome de “Soberano”, cujo principal objetivo é manter a paz e punir os que a perturbam. O soberano é o Leviatã do título. Em Tudo Pelo Poder, é justamente a corrupção dos “fiscais do contrato social” que está prestes a vir à tona, e, partindo de um campo micro, percebemos que o filme aborda uma rede colossal de favores cedidos, corrupção, tráfico de influência, chantagem e falsidade ideológica. Aqueles que supostamente deveriam zelar pelo estado de harmonia social são os que deturpam o significado da justiça, da ética e da moral, e por mais paradoxal de pareça, são as mesmas pessoas que não teimam em punir aqueles que fazem a mesma coisa.

Longe de um filme regrado sobre a política, Tudo Pelo Poder aborda as características mínimas de um jogo de egos e status social. Para que se mantenha as aparências – para si, para o povo e para o partido – tudo é permitido. Da primeira para a parte final do filme, temos uma completa reviravolta na moral das principais personagens. Independente dos fatores que desencadeiam essas mudanças, somos levados a questionar a própria integridade humana. Alguns acreditam que o poder corrompe as pessoas. Mas Clooney nos aponta para o outro lado: a corrupção existe desde o primeiro momento em que alguém se propõe alcançar o poder.

Não há dúvidas de que este é o filme mais maduro de George Clooney. O diretor se permitiu ousadias narrativas e estéticas tão grandes, que além de ser um marco definitivo em sua carreira como diretor, foi um bom fôlego de inovação nas produções estadunidenses em 2010. A supressão do som direto em favor da incrível e pontualíssima trilha sonora (assinada por Alexandre Desplat), uma mínima mixagem de som, o uso de silêncio absoluto, câmera parada e ângulos vazios não são encontrados em qualquer filme hoje em dia, e denotam segurança plena do diretor em seu trabalho. Se em um momento ou outro o filme parece “denso” demais, essa sensação não dura muito tempo, e logo é substituída por um epifânico estado de graça.

Com um time de técnicos maravilhosos e um elenco de gigantes, todos em interpretações notáveis, George Clooney usa de sua experiência no cinema e na TV para fazer um filme que atendesse diversos públicos, embora sua vitória seja quase exclusivamente para o grupo verdadeiramente cinéfilo, uma vez que Tudo Pelo Poder está a anos-luz de distância de um “filme pipoca”. Uma das melhores estreia de 2011, e certamente, mais um filme que desafia aos altos escalões dos jogos de poder a explicarem sua razão de existir e se manterem em uma ordem corrupta e aparentemente insubstituível. Com quatro indicações ao Globo de Ouro, talvez o filme não seja lembrado no Oscar 2012 (pelo seu conteúdo e por seu modelo estético-narrativo em partes inovador, coisa que incomoda sobremaneira a Academia), mas uma coisa é certa, Tudo Pelo Poder se tornou uma inesperada pedra no sapato da ala cinematográfica puxa-saquista. Querendo ou não, o poder estadunidense está denunciado em sua intricada máquina política, e os discursos proferidos são levemente semelhantes aos que o presidente Barack Obama fizera à época de sua candidatura. Não há constatação melhor do que esta: de quem e de onde menos se espera surge uma voz que grita: “há algo de podre aqui!”. E no fim de tudo, não há a Estátua da Liberdade e uma conclusão ideológico-burguesa ressaltando a voz que falou em nome da elite, como em Trabalho Interno (2010). Tudo Pelo Poder não é um filme condescendente, é um filme-incômodo.

Tudo Pelo Poder (The Ides of March, EUA, 2011)
Direção: George Clooney
Roteiro: George Clooney e Grant Heslov (adaptação da peça Farragut North, de Beau Willimon)
Elenco: Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymor Hoffman, Paul Giamatti, Evan Rachel Wood, Marisa Tomei, Jeffrey Wright, Max Minghella, Jennifer Ehle, Gregory Itzin, Michael Mantell
Duração: 101min.

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