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Crítica | Turma da Mata – Muralha

por Luiz Santiago
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Com personagens e tramas surgidas no Brasil durante a ditadura militar (o pontapé inicial veio com o Raposão, em 1964), a Turma da Mata sempre esteve ligada a problemas de ordem social e política, ambos abordados de maneira sutil e cotidiana, quase como intrigas; uma abordagem que significava muito para época e que, mesmo passando despercebido pelas crianças e pelo censores da ditadura, formaram um ambiente de luta e companheirismo que se tornaram as características essenciais da turma e que foram muito bem utilizadas por Artur Fujita no roteiro de Muralha.

A história pode ser vista dentro da mesma linha de relações humanas (no presente caso, relações entre animais antropomorfizados), hierarquia social e luta para mudar uma realidade qualquer de Piteco – Ingá, o volume da Graphic MP que mais se aproxima, em conceito e abordagem, de Muralha. Vi alguns leitores comparando o tratamento mais adulto dado aos personagens aqui com as duas histórias do Astronauta no mesmo projeto, Magnetar e Singularidade, mas o contexto não se aplica, tanto pela solidão do Astronauta quanto pelos obstáculos e conflitos internos, existencialistas, psicológicos pelos quais ele passa nessas histórias. O drama em Muralha é mais palpável para nós em termos de comunidade, conflitos de Estado, abordagem econômica e sentimentos fraternos.

turma-da-mata-muralha-coelho caolho e raposao

De uma forma complexa, passando da geração de Leonino e um lendário elefante verde guerreiro para o reinado de Leonino II, a assistência de Luís Caxeiro e personagens já adultos como Fuinha, Furão, Jotalhão, Coelho Caolho, Raposão, Tarugo e Rita Najura, temos um cenário dramático que mistura elementos da Idade Média (abordagem visual dada à Turma da Mata) e da Idade Moderna e Contemporânea até o século XIX (abordagem visual dada ao reino de Leonino II). Trata-se portanto, de uma legítima aventura entre civilizações, onde interesses econômicos do reino tendem a exterminar ou escravizar os animais da mata. Nesse fio da meada, vemos interessantes discussões sobre corrupção, traição, covardia, passividade diante de algum tipo de dominação e alguns julgamentos morais.

Exatamente por essa riqueza de abordagem social e ‘humana’ — que acaba ganhando ares de fábula porque os personagens não são humanos — Muralha é até o momento o volume mais realista do projeto Graphic MP e o primeiro em que eu me senti lendo uma aventura de um grupo de super-heróis. A construção da trama em duas gerações, o foco inicial dado ao reino e posteriormente à mata, a fusão entre os personagens dos dois espaços e o final reticente (que não é ruim, mas é aquém da alta qualidade de todo o resto da aventura, que merecia uma finalização um pouco mais longa e melhor trabalhada, problema que me fez sentir o peso da obrigatoriedade das 82 páginas para os volumes) formam uma história que clama por continuação e que com certeza serviu para colocar a Turma da Mara no mapa de muita gente.

turma-da-mata-muralha-jotalhao e rita najura

A arte de Roger Cruz e as cores de Davi Calil não só combinaram perfeitamente com a mistura de tempos históricos como fizeram uma releitura extremamente honesta desses personagens, caminhando em par com o roteiro que, mesmo criando coisas novas — como o impasse de amizade entre Coelho e Jotalhão, por exemplo — não foge da essência de cada um. Finalizada, a arte tem a textura quase cinematográfica daquelas produções palacianas ou fantásticas onde você tem “civilização” versus “selvagens” e a exploração do movimento dos personagens, as relações de grandeza, a alternância entre feiura e beleza de cada um (quando estão irados ou calmos) e toda a atmosfera criada pelas cores — porque a história se passa em muitos lugares e com condições de tempo e incidência de luz bem diferentes — são um verdadeiro deleite.

Contando com uma inteligente e bem fluída diagramação de páginas, belas páginas duplas e um verdadeiro show de arte e roteiro, Turma da Mata – Muralha, superou todas as minhas expectativas e creio que as de muita gente também. O final da história, como já disse, é um tantinho mais apressado do que deveria e reticente demais para um desenvolvimento tão bem azeitado, mas está longe, muito longe de ser ruim. O projeto Graphic MSP acerta mais uma vez. E mais uma vez, todos saem ganhando.

Turma da Mata – Muralha – Brasil, 2015
Graphic MSP #9

Roteiro: Artur Fujita
Arte: Roger Cruz
Cores: Davi Calil
Editora: Panini Comics, Graphic MSP, Mauricio de Sousa Editora
Páginas: 82

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