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Crítica | Uchu Sentai Kyuranger

por Giba Hoffmann
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– Contém spoilers!

É possível haver inovação em um conceito que entra em sua quadragésima primeira versão? Indo na contramão do que ocorre com os super-heróis ocidentais, cuja longevidade se deve ao menos em parte ao profundo esmero pelo passado e cuidado em torno da cronologia (seja para aproveitá-la, seja para negá-la: a danada sempre está lá!), os super-heróis televisivos japoneses se estruturam em torno de uma filosofia do absoluto desapego. Claro que os filmes e especiais trazendo inúmeros crossovers, os diversos eventos realizados em torno da temática e a comunidade de fãs sempre entusiasmada não deixa que o passado seja jamais esquecido. Porém isso não muda o fato de que duas das maiores franquias de tokusatsu do subgênero super-heroico, Kamen Rider e Super Sentai, encontrem-se em constante processo de radical renovação. Todo ano temos personagens conhecidos saindo de cena para entrar para o panteão cada vez mais extenso de lendas do passado, enquanto que na semana seguinte somos apresentados a novas iterações dos conceitos tradicionais criados por Shotaro Ishinomori nos seminais seriados Kamen Rider (1971) Himitsu Sentai Goranger (1975). 

Essa transformação interna aos universos ficcionais reflete uma transformação do mundo real bastante simples e prática, que é o rodiziamento das equipes de produção, sistema que merece todo o crédito pela longevidade dos conceitos e pela riqueza das duas grandes franquias da Toei. Um ano para construir um mundo, contar uma história principal e diversas subtramas interessantes, amarrar tudo em um final à altura e partir para a Valhalla dos mechas combinatórios e espadadas faiscantes – uma proposta simplesmente genial de se fazer televisão sem excessos (e vender algumas belas toneladas de brinquedos no processo – por que não?). Neste entremeio, temos séries das mais variadas identidades e temáticas, sob as mais variadas ênfases e visões possíveis. Ao contrário do que pode parecer ao observador casual, o caráter formulaico das sequências de ação de Super Sentai não se generaliza em seu alcance em termos de narrativa – cada série costuma ter uma identidade muito própria, ainda que tenhamos arquétipos que vão sendo retomados vez ou outra. Uchu Sentai Kyuranger se aproxima mais de uma série que funda um arquétipo para o futuro do que da que retoma algo do passado sobre uma roupagem nova. Se fôssemos definir sua premissa em uma palavra, certamente seria: ambição.

Para um seriado que dispõe de um orçamento sufocante e de uma visão bastante básica a respeito do uso de sets e filmagem em locação (leia-se: a mesma pedreira da Toei sendo palco para inúmeras batalhas cruciais de diferentes mundos), situar uma série em um conflito que se estende por todo o universo (porque galáxia é pensar pequeno demais) pode ser visto como um movimento bastante delirante ousado. Não bastasse isso, para uma franquia que já teve dificuldades em desenvolver bem elencos de em média cinco heróis, que tal começar com nove? Sim, começar, já que assim que pudermos não teremos apenas um tradicional “sexto (no caso, décimo) Ranger”, mas sim três membros extras, elevando nossa equipe ao total de doze heróis. E que heróis! Dois andróides, uma forma de vida tecnorgânica, um dragão chinês, um homem-lobo, um homem-escorpião e seis outros humanóides advindos de planetas diferentes, muitos deles com super-poderes próprios. Como tudo isso se combina em uma série de Sentai? Bem melhor do que se poderia suspeitar!

A começar pelo elenco principal: temos aqui uma equipe notável. Visualmente trata-se de um grupo que chama bastante a atenção, o design dos uniformes e os efeitos práticos para os personagens não-humanos dando origem a um cast extravagantemente diversificado, vendendo bem a ideia de um coletivo formado por pessoas de diferentes lugares do universo. Em termos da escrita dos personagens, ao menos no nível de suas origens, características principais e objetivos, também podemos falar em um grupo muito bem construído. Tão bem construído que acaba-se deixando a desejar que alguns deles pudessem ter tido mais tempo de tela, ainda que haja uma exploração bastante eficiente através da fragmentação do enorme grupo em núcleos menores de personagens, com pequenos arcos pessoais distribuídos para todos os integrantes da equipe.

Mirando na raiz do problema: se por um lado Kyuranger consegue a façanha de caracterizar bem um elenco de doze personagens principais, sendo que tivemos séries em que dois dos seis Rangers não eram mais do que um nome, por outro lado é fato que o foco excessivo em Lucky / Shishi Red (Takumi Kizu) acaba custando uma pequena parcela da representação de seus companheiros. Isso se torna mais incômodo nos episódios cujas tramas ofereciam raro tempo de destaque para alguns dos personagens mais desaparecidos, apenas para que na conclusão a coisa toda fosse infiltrada pelo cara que simplesmente parece não conseguir impor limites ao seu amor próprio. Quando seu mantra pessoal, que você exclama em alto e bom som após praticamente qualquer evento notável (bom ou ruim) é o seu próprio nome, é um sinal de que ao menos dos males dos problemas de auto-estima você não deve sofrer.

Claro que isso também faz parte da própria caracterização do protagonista, cuja liderança inspiradora tem mais a ver com uma determinação genuína em fazer o bem sem esperar qualquer retorno do que a algum tipo de vaidade – menos do que se tornar uma lenda, o nosso Vermelho principal quer mudar o universo com sua inabalável “sorte”. Nas primeiras histórias em que isso é posto em destaque, temos a impressão de que o personagem advoga algum tipo de fórmula mágica do pensamento positivo (como se a série se encaminhasse pra uma adaptação nipônica de O Segredo com kaijus, mechas e lutas coreografadas – o que automaticamente faria dela a melhor adaptação possível da obra). Isso em parte é verdade, mas a forma como os enredos vão nos revelando detalhes sobre seu passado acabam garantindo uma interpretação mais interessante do conceito. Mesmo com todas as reservas que podem ser feitas à frequência de seu bordão e intromissões nas histórias dos colegas, trata-se de um personagem marcante, frequentemente engraçado e que cumpre muito bem o papel não apenas de líder da equipe, mas de encarnar o coletivo que são os salvadores definitivos (algo que fica mais patente ainda com sua transformação final, Shishi Red Orion).

De maneira geral, todo o restante do elenco consegue ter seu tempo sob os holofotes, com pequenos arcos que aproveitam bem suas características centrais e desenvolvem os personagens em relação ao ponto inicial em que se encontravam quando os conhecemos. A relativa exceção é Raptor / Washi Pink (Mao Ichimichi): após uma introdução inspiradora como a ajudante que sonhou em ser heroína e que, por acreditar suficientemente, recebeu os poderes da Kyutama, acaba sendo a personagem mais frequentemente jogada para escanteio, desempenhando no máximo um papel de… ajudante! Estranhamente seus companheiros de viagem nos primórdios da equipe, Spada / Kajiki Yellow (Tetsuji Sakakibara) e Hammie / Chameleon Green (Sakurako Okubo) acabam sendo os próximos na fila dos ignorados – do trio inicial, é Champ / Oushi Black (dublado pela eterna voz do Black Jack, Akio Ōtsuka) quem acaba tendo mais enredos que o centralizam ao longo da série, com a formação de um núcleo em torno de seu criador, Prof. Anton e seu passado com Stinger / Sasori Orange (Yosuke Kishi). Ainda assim, mesmo os personagens que acabam relativamente  como coadjuvantes desfrutam todos de momentos importantes no decorrer da saga espacial (ainda que quase todos sempre tenham de ser ao lado de Lucky – o cara simplesmente não consegue se conter!).

O enredo central da série, ambicioso que é, acaba entregando uma aventura sólida que, ainda que recaindo em alguns lugares-comuns aparentemente inescapáveis, constrói uma trama empolgante ao redor do levante da Rebelião contra a tirania de Don Armage e sua Jark Matter. A estrutura da série segue um formato de arcos, que se alongam por um bom número de episódios com apenas uma ou outra aventura avulsa entre eles. Começamos com a formação da equipe e os primeiros combates contra os Malistrados, partindo para a saga de Scorpio, a busca pela lendária Argo, a ameaça de Hebitsukai Metal e a viagem no tempo, o retorno à constelação de Leão e finalmente o combate derradeiro contra Don Armage. Ao longo destes arcos vão se formando e desenvolvendo núcleos de personagens bastante interessantes, formato que encontra seu ápice no segmento em que parte da equipe vai para o passado investigar o que ocorreu após a batalha entre Houou Soldier e Armage, enquanto a outra lida com a ameaça de Hebitsukai Metal no presente.

Embora no geral todas as sagas funcionem bem e mantenham um ritmo bastante acelerado e empolgante, vale notar o quanto a série se sai bem em suas histórias episódicas mais tradicionais, ao mesmo tempo em que praticamente todos os arcos a partir de Scorpio duram por um ou dois episódios além do necessário. Ou seja, um ponto negativo relevante é que a série perde a oportunidade de explorar boas histórias nesse universo tão interessante, em favor de se alongar um pouco em tramas já bem trabalhadas – mas felizmente não é nada que pese muito contra o fluxo da coisa toda.

Muitos anos após Dengeki Sentai Changeman introduzir a ameaça de um bizarro império galáctico à Terra como elemento central de sua trama, a perspectiva que temos aqui é a de um grupo de salvadores que não conta com nenhum membro terráqueo em seu núcleo – apesar de duas importante adições posteriores o serem: Kotaro Sakuma / Koguma Skyblue (Shota Taguchi) e Tsurugi Ohtori / Houou Soldier (Keisuke Minami), este último um elemento absolutamente central na história da resistência contra a Jark Matter. Assim sendo, apesar de nosso auto-proclamado salvador atual vir da longínqua constelação de Leão, a Terra continua a ser o palco principal de grande parte da história. E não haveria como ser diferente. Mesmo quando nossos heróis viajam até os confins do universo, o espectador tem a aguda impressão de que na verdade eles se encontram… no Japão! Excetuando raros casos, o valor de produção extremamente básico da série se prova um tanto restritivo a uma realização completa dos conceitos que o roteiro tenta vender. Neste ponto é que o choque entre a ambição da idealização de Nobuhiro Mouri e as possibilidades efetivas da série cobra seu preço mais alto – embora não seja nada que realmente subtraia de uma experiência definitivamente acima da média. O problema acaba sendo mais marcado na reta final da série do que em seu início, onde ainda víamos algum esforço mais eficiente em discernir a ambientação dos tradicionais cartões-postais da Toei.

De maneira geral, pode-se dizer que Uchu Sentai Kyuranger encontra sua maior força no cast de personagens muito bem construído e realizado, tanto visualmente quanto em sua caracterização. Complementarmente temos um enredo e uma produção que se propõem a uma leve experimentação em cima do modelo já mais do que consagrado da franquia, iniciativa que rende bons resultados aqui e indica o quanto o formato pode se beneficiar de um trabalho mais cuidadoso no que tange à caracterização. Mesmo sofrendo dos conhecidos limites orçamentários e de algum desbalanço no tempo de tela destinado a cada personagem, a série é uma exemplar produção de televisão infanto-juvenil – aquela capaz de impressionar tanto aos efetivamente pequenos quanto às crianças interiores já calejadas dos adultos mais marrentos. Uma entrada bastante acima da média na franquia Super Sentai, o Esquadrão Espacial abre espaço para uma necessária renovação da franquia que parece tender a continuar com Kaitou Sentai Lupinranger VS Keisatsu Sentai Patranger, provando o quanto é possível inovar em um formato tradicionalmente estabelecido sem se perder a identidade.

 

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5. “Space.7: Take Back the Birthday!”

Uma história hilária que exemplifica bem o quanto a série tem sucesso em armar bons episódicos entre os arcos principais. Pela primeira vez desde que os conhecemos em Let’s Go! Phantom Thief BN Team!, ficamos sabendo um pouco mais sobre a dupla de ladrões espaciais Naga / Hebitsukai Silver (Taiki Yamazaki) e Balance / Tenbin Gold (Yuki Ono). Mais especificamente, descobrimos que o até então aparentemente desapegado Balance se torna extremamente sentimental quando o assunto é seu aniversário. Para seu azar, o Malistrado da vez é o infame Toome, conhecido por ser um ladrão de aniversários. O absurdo do vilão – de seu visual aos seus planos e poderes  – consiste em uma ameaça ao melhor estilo de tokusatsu, do tipo que te deixa pensando: “Mas o quê?”. A dupla BN tem momentos bem divertidos aqui e rouba a cena com seu estapafúrdio imbróglio dos aniversários ao ponto em que a rápida participação especial de Emu Hojo, o Kamen Rider Ex-Aid, acaba sendo apenas um adicional a um episódio que já tinha de tudo.

4. “Space.17: Lighting the Dome of Darkness!”

Em um dos momentos mais escuros da equipe, logo após a aparente destruição de Champ nas mãos do terrível Scorpio, o clima na Orion encontra-se em um recorde de desânimo e ressentimento. Nesse contexto é que os Kyurangers se vêem às voltas com a ameaça de Shaidos, um Malistrado com poderes de sombras. Sua redoma sombria funciona como forma de controle sobre os trabalhadores submetidos ao seu governo, no que parece uma forma de crítica às conhecidas práticas de empresas japonesas em sobrecarregar seus funcionários com jornadas de trabalho que não respeitam o ciclo natural mínimo dos dias e noites. Trata-se de um contexto criativo e inusitado para inserir os (primeiros de muitos) power-ups de Shishi Red, desta vez as transformações do Sol e da Lua. O episódio trabalha muito bem as emoções da equipe e concede um raro espaço de tela dedicado ao adorável Garu / Ookami Blue (Kazuya Nakai – a voz inconfundível de Toshiro Hijikata em Gintama e de Roronoa Zoro em One Piece), com uma premissa bastante interessante que mostra bem os efeitos do domínio da Jark Matter sobre os cidadãos comuns e um desfecho que exige um uso bastante criativo dos mechas além dos interessantes power-ups de Lucky. Outro ponto alto da série, cortesia do roteirista visitante, o veterano lendário Naruhisa Arakawa.

3. “Space.30: All Right! The Miraculous Kyutama”

Após uma aparente derrota de Shishi Red nas mãos de Don Armage – que no capítulo anterior se utilizou de uma jogada clássica dos vilões de Dragon Ball, que é o raio de energia fatal vindo do meio das sombras/fumaça em um momento em que os heróis achavam ter vencido – este episódio vem trazer o milagroso retorno do herói, aprofundando um pouco suas origens. Enquanto que no episódio inicial da série vemos Lucky recebendo a Kyutama de Leão como resultado da mais pura e burra sorte, aqui o herói descobre que vem da linhagem lendária do guerreiro Orion, e recebe uma nova transformação que remete ao seu lugar como herdeiro de ambas as constelações. Trata-se de um momento de amadurecimento para o personagem, que passa de uma atitude ingenuamente individualista ao herói cujo poder encarna com responsabilidade todo o coletivo dos salvadores definitivos – ou seja, uma forma brilhante de abordar a temática central de Sentai a respeito do trabalho em equipe como algo que é muito mais do que a soma de partes individuais. Um ponto de virada no enredo e provavelmente o melhor episódio de nosso Vermelho da vez.

2. “Space.47: The Saviors’ Promise”

O penúltimo episódio da série traz uma investida desesperada contra as forças aparentemente infinitas de um Don Armage que tomou posse não apenas dos poderes do imortal Houou Soldier, como também de toda a vida no universo. Pois é, não é pouca coisa em jogo, não! O plano de Lucky para encarar as chances praticamente impossíveis com que se deparam é talvez o momento mais icônico de toda a série. Com Takayuki Shibasaki lançando mão de uma rara direção sóbria, a last stand dos Kyurangers contra as hordas invencíveis da Jark Matter vai nos mostrando a aparente derrota e morte de cada um de nossos heróis de forma bastante dramática. Apesar de ficar logo claro ao espectador que alguma forma de reversão é inevitável, a coisa toda funciona muito bem como um vislumbre da trágica derrota que aconteceria caso eles falhassem neste misterioso plano. No final das contas, não apenas temos a melhor sequência de batalha de toda a série (o final com Chameleon Green e Shishi Red enfrentando Armage é simplesmente sensacional!) como também um plano bastante elaborado e extremamente arriscado da parte da equipe, que mostra aqui total confiança em Lucky ao se entregar à investida final impossível. Nem só de sorte vive o homem, afinal de contas!

1. “Space.9: Burn! Dragon Master”

OK, o episódio 47 pode ter a melhor batalha de toda a série e algumas cenas que estão destinadas a serem lembradas como icônicas. Porém nem mesmo assim ele é capaz de superar o quão bad-ass é a retomada dos poderes do fantástico Comandante Shou Ronpo (Hiroshi Kamiya). Dando desfecho a um arco enxuto de apenas duas partes, aqui nós não apenas conhecemos mais sobre a misteriosa figura de Ronpo e de seu antecessor Big Bear, mas mais importante do que isso, somos apresentados ao Ranger mais incrível de uma equipe recheada de Rangers incríveis. Ryu Commander é simplesmente fantástico, e todas as cenas de ação mostrando suas habilidades aqui são sensacionais. Ajuda o fato de que a trama envolve o grupo efetivamente se tornando uma equipe pela primeira vez, ao mesmo tempo em que enfrentam os dois vilões mais carismáticos de toda a série: a dupla Ikagen e Madakko (cuja melhor encarnação é justamente esta aqui, a primeira). Um divertidíssimo episódio carregado de ação e que traz a introdução marcante de nosso “sexto Ranger” (o primeiro dos três, na verdade). Enfim, um momento memorável para uma equipe que, por sorte, teve vários!

Uchu Sentai Kyuranger (Japão, 12 de Fevereiro de 2017 – 4 de Fevereiro de 2018)
Direção: Takayuki Shibasaki, Teruaki Sugihara
Roteiro: Nobuhiro Mouri, Kento Shimoyama, Naruhisa Arakawa, Tete Inoue
Elenco: Takumi Kizu, Yosuke Kishi, Kazuya Nakai, Yuki Ono, Akio Ōtsuka, Taiki Yamazaki, Sakurako Okubo, Mao Ichimichi, Tetsuji Sakakibara, Hiroshi Kamiya, Shota Taguchi, Keisuke Minami
Duração: 30 min. (cada episódio)

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