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Crítica | Um Assaltante Bem Trapalhão

por Luiz Santiago
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Woody Allen é um dos cineastas mais prolíficos dos Estados Unidos. O lema de “um filme por ano” tem sido o seu norte desde a década de 1980, e de lá para cá, ele tem alternado obras de sucesso com alguns filmes fracos ou mal recebidos pela crítica e pelo grande público.

A cada novo filme, Allen procura apresentar de maneiras diferentes um mundo neurótico, com personagens fracassadas, e quase sempre ligadas a alguma área artística — direta ou indiretamente. O gosto pela arte é visível em seus roteiros e em alguns casos é o motor da trama, como o teatro clássico em Poderosa Afrodite ou inúmeros outros exemplos ao longo de sua carreira. Também o caráter artístico do cinema é revisto em películas do diretor, e ele nos legou pelo menos três ótimas obras metalinguísticas: Memórias, A Rosa Púrpura do Cairo e Dirigindo no Escuro. Todavia, não só as homenagens à sétima arte povoam constantemente os filmes do novaiorquino. Percebemos que a manipulação do gênero documentário é também algo recorrente em sua obra, seja como tema principal, seja como parte do enredo.

Para grande parte dos admiradores de Woody Allen, Zelig é o ápice absoluto de sua criatividade, e não podemos nos esquecer de que este filme — um dos maiores de sua carreira — é um falso documentário. A mesma linha do “documentário de ficção” é seguida pelo diretor em Poucas e Boas, mas dessa vez, ele insere esquetes encenados entre as entrevistas dos personagens. Ora, não foi apenas na maturidade da carreira que Woody Allen veio interessar-se pela potencialidade desse gênero como partida para comédia (“falar a verdade” sobre bizarrices), mas já em Um Assaltante Bem Trapalhão, seu primeiro filme, vemos esse formato em cena, já com muitos ingredientes recorrentes na obra futura do cineasta.

Virgil Starkwell, o personagem principal, nasceu em 1º de Dezembro de 1935 (data de nascimento do próprio Woody Allen), e desde adolescente, apaixonou-se pela música, especialmente pelo violoncelo, instrumento que tocava terrivelmente. Acontece que durante toda a infância, tudo o que Virgil fosse fazer dava errado, e ele sempre acabava culpado pelos atos de um grupo, o que lhe rendeu uma má fama na vizinhança. Sua vida muda completamente na juventude, quando um grupo de vagabundos quebra o seu violoncelo. A partir de então, Virgil dedica-se à “arte do roubo”, mas nunca consegue realizar, de fato, um verdadeiro assalto.

Tendo em mãos a história de um assaltante desastrado, Woody Allen resolveu tornar o enredo de seu début ainda mais interessante. O filme começa com o narrador apresentando-nos o protagonista desde o seu nascimento. As imagens são descritivas e rápidas, alternando cenas filmadas e fotografias estáticas. No desenvolver da história, ficará claro que Virgil partiu para a criminalidade — tornando-se inclusive um dos assaltantes mais perigosos do país, condenado a quase meio milênio de prisão — por causa de sua baixa estima. As explicações dos especialistas são as melhores, e a minha preferida é a do psicanalista que faz uma ligação entre a escolha de Virgil pelo violoncelo e sua satisfação sexual.

O roteiro do filme, escrito em parceria com Mickey Rose, trabalha o maior número de gags possíveis, desde as absurdas, como a que Virgil tenta acompanhar a banda em marcha pela cidade tocando violoncelo, ou a sequência do papel escrito “agma” ao invés de “arma” durante um assalto ao banco (aliás, uma obsessão de Virgil: roubar bancos); até as visuais, como o disfarce usado pelos pais de Virgil para não serem reconhecidos na entrevista, ambos com o nariz e os óculos de Groucho Marx.

Apesar de se tratar de um filme tecnicamente muito simples, a precisa edição tem um papel importantíssimo na criação do suspense ou do humor para algumas cenas. De Chaplin a Mel Brooks, podemos identificar as influências cômicas de Allen, que realiza uma maravilhosa, leve e simples estreia. Para os fãs do diretor e cinéfilos que admiram uma boa comédia, Um Assaltante Bem Trapalhão certamente garantirá boas risadas, além de ser o histórico primeiro filme (estou arbitrariamente excluindo O que Há, Tigresa? da sequência porque este não foi, a rigor, dirigido por Allen) de um dos maiores diretores americanos.

Um Assaltante Bem Trapalhão (Take the Money and Run, EUA, 1969)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen e Mickey Rose
Elenco: Woody Allen, Janet Margolin, Marcel Hillaire, Jacquelyn Hyde, Lonny Chapman, Jan Merlin, James Anderson, Louise Lasser
Duração: 85min.

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