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Crítica | Um Casal do Barulho (Sr. e Sra. Smith)

por Luiz Santiago
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Hitchcock lançou dois filmes em 1941. O primeiro, Um Casal do Barulho, no final do mês de janeiro, e o segundo, Suspeita, no início de novembro. Filmes completamente diferentes. O segundo, um ótimo suspense. O primeiro, uma comédia clássica com todos os ingredientes e toda a graça comum a esse tipo de obra.

Segundo o próprio diretor, nas entrevistas que deu a François Truffaut, Um Casal do Barulho (que título nacional mais Sessão da Tarde esse, hein!) nasceu de sua amizade com Carole Lombard. A atriz perguntou ao cineasta se ele aceitaria juntar-se a ela para realizar um filme e, sem saber exatamente por quê, ele acabou aceitando. O resultado foi uma obra completamente diferente de tudo quanto o cineasta já havia feito e faria, sendo, portanto a única comédia (pura) de sua carreira.

A história é basicamente a relação de Ann e David Smith (Carole Lombard e Robert Montgomery) após descobrirem que seu casamento no civil não era mais válido. Partindo de uma premissa bem construída no início do filme, o roteiro de Norman Krasna brinca com o ego do casal, passando de um para outro a força do discurso de raiva e a recusa de assinar novamente os papéis do casamento. É um exemplar das comédias de “gato-e-rato”, onde o homem ou a mulher perseguem seus parceiros disfarçadamente, recusando-se a se assumirem apaixonados mas querendo que a paixão logo se concretize.

Se há alguma coisa que nos faça pensar em Hitchcock (como estilo) durante a projeção, são as indicações estéticas aprimoradas, especialmente no início da obra. O filme é fotografado de uma forma muito bela por Harry Stradling Sr., que também trabalharia em Suspeita; mas da sua primeira metade para frente se torna pouco ousado, sem as famosas indicações metafóricas na imagem, ponto recorrente nos filmes de Hitchcock. Um melhor uso dos símbolos e angulação voltam a aparecer na reta final, durante a estadia dos Smith e da família Custer no chalé de inverno.

Há um ritmo constante de amor e fuga que sustenta o filme de maneira bastante eficiente. O que aparece para quebrar um pouco essa satisfatória linha é a concepção do roteiro para o final. Depois da via crucis até chegar a um acordo entre os orgulhosos pombinhos, era de se esperar um ponto final de maior peso, mesmo que também seguisse o modelo de sugestão sexual. A rapidez com que a sequência final acontece talvez tenha contribuído para isso, e o filme termina um pouco vago para o público, não necessariamente ruim, mas insatisfatório.

Todavia, é possível se divertir bastante durante a sessão. Aliás, essa impressão de diversão é a que temos quando vemos a atuação da dupla Lombard e Montgomery e depois do amigo que vai apimentar a relação entre o casal “separado”, personagem interpretado com muita competência por Gene Raymond. Hitchcock disse várias vezes que as filmagens transcorreram de modo bastante tranquilo e agradável, o único problema é que ele se sentia perdido na direção porque “não conhecia aquele tipo de personagem“, então seguiu à risca o que estava decupado no roteiro, sem intervir de outras maneiras.

Essa relação de amizade nos sets culminou com a anedota contada pelo próprio Hitchcock a Truffaut, dizendo que no primeiro dia das filmagens teve uma grande surpresa vinda de Carole Lombard, uma brincadeira tirada da famosa frase do cineasta de que os atores eram gado — ou deveriam ser tratados como gado. Faço questão de citar o trecho da entrevista:

_ […] Carole Lombard tinha mandado construir uma jaula com 3 compartimentos, e dentro havia três vacas vivas, de tenra idade, cada uma exibindo, em volta do pescoço, uma grande rodela branca pendurada, com um nome: Carole Lombard, Robert Montgomery e Gene Raymond. […] Minha observação era apenas uma generalização, mas Carole Lombard me deu essa resposta espetacular, a fim de fazer uma brincadeira. Acho que ela concordava bastante comigo nesse assunto.

Mesmo não sendo uma obra-prima, Um Casal do Barulho é daqueles filmes dos anos 40 simplesmente deliciosos de se assistir. E ainda tem o bônus de ser um adorável elefante branco na filmografia do Mestre do Suspense.

  • Crítica originalmente publicada em 1º de abril de 2014. Revisada para republicação em 04/02/20, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Um Casal do Barulho / Sr. e Sra. Smith (Mr. & Mrs. Smith) – EUA, 1941
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Norman Krasna
Elenco: Carole Lombard, Robert Montgomery, Gene Raymond, Jack Carson, Philip Merivale, Lucile Watson, William Tracy, Charles Halton, Esther Dale, Emma Dunn, Betty Compson
Duração: 95 min.

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