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Crítica | Um Rei em Nova York

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Chaplin disse algumas vezes que Um Rei em Nova York não era um filme político, era apenas uma sátira. Mas todos nós sabemos que com isso ele só estava contando parte da verdade. A outra parte é que o longa tem todos os motivos possíveis para ser considerado uma obra de caráter político, exposto como sátira, é verdade, mas claramente político e alinhado à esquerda, especialmente pela realidade que se propõe retratar.

Durante a divulgação europeia de Luzes da Ribalta (1952), Chaplin recebeu a notícia de que seu visto de entrada nos Estados Unidos havia sido revogado e ele não poderia mais retornar ao país. Dava-se início ao exílio definitivo do diretor, que jamais retornaria à Terra do Tio Sam (exceto para receber o Oscar honorário em 1972, mas mesmo assim apenas por 24h), fixando moradia no Reino Unido, sua terra natal; e na Suíça, onde passaria os anos finais de sua vida.

Um Rei em Nova York foi, então, o filme que se seguiu a uma quebra no estilo de vida e na fase criativa de Chaplin, que mesmo após o fracasso comercial de Monsieur Verdoux, tinha tudo o que queria e precisava dos estúdios e contatos em Hollywood, onde era de fato tratado como um rei. Talvez por isso imaginava-se que o diretor assumisse a aposentadoria depois de Luzes da Ribalta, especialmente porque este é um filme que funciona muito bem como canto do cisne. Mas Chaplin via a vida como um passo para a criação (“Viver é criar e eu quero estar vivo”) e então surpreendeu a comunidade cinematográfica com mais dois filmes no Velho Continente: o ótimo Um Rei em Nova York e o insosso A Condessa de Hong Kong.

Enquanto o último funciona como uma despedida trôpega de uma brilhante carreira, o primeiro funciona perfeitamente bem e tem a mágoa e a energia criativa de um artista como propulsores, o que permitiu que o roteiro fizesse uma hilária e bem articulada brincadeira com os sistemas políticos em declarada luta ideológica na ápoca – estamos falando de uma década traumática da Guerra Fria – e ao mesmo tempo trabalhasse questões humanistas de peso, tais como percebemos na relação entre o rei Shahdov (Charles Chaplin) e Rupert Macabee (Michael Chaplin), filho de pais comunistas e que acaba delatando os amigos dos pais para conseguir a libertação destes – uma pesada e ao mesmo tempo sutil indicação do caso Julius e Ethel Rosenberg que afetou Chaplin profundamente.

Como não tinha grandes preocupações com a estética ou forma do filme, Chaplin investiu o máximo que pode na valorização da história, criticando e ao mesmo tempo agradecendo ao país que lhe dera tudo e tirara parte disso anos depois. O teor satírico-político já pode ser visto nos primeiros minutos da fita, com o povo meio abobalhado invadindo o castelo do rei Shahdov que, em seguida, é mostrado chegando aos Estados Unidos. A perda da majestade, o choque cultural e a readaptação a um modo completamente diferente de vida são ingredientes que servem de alívio cômico e alfinetadas do decorrer da obra.

É engraçado percebermos o quanto Chaplin exercita o seu ar profético neste filme, expondo o rock com uma força que só viria a ter de verdade nos anos seguintes e também expondo a selvageria televisiva, o abuso do marketing, dos sonhos e da rapidez (a cena em que os trailers de cinema são exibidos é maravilhosa em mostrar isso) e toda a via crucis para se conseguir dinheiro como coisas comuns do cotidiano novaiorquino.

A atuação de Chaplin não é a melhor de sua carreira mas mesmo assim é muito boa. Há cenas memoráveis como a que ele tem que prender o riso em uma pequena representação cômica (que lembra muito os seus curtas-metragens da era silenciosa), ou a relação dele com Ann Kay, a especialista em marketing televisivo que tentava inserir Shahdov no show business americano a todo custo. O mesmo podemos dizer da atuação de Michael Chaplin, que na época tinha 11 anos de idade e fez um pequeno comunista (embora no início ele seja anarquista) muito engraçado, com um modo de falar bastante característico e uma paixão típica dos políticos inflamados.

Mesmo que peque em termos técnicos (montagem e direção), Um Rei em Nova York consegue um resultado final bastante positivo, com uma mensagem triste e cheia de amargura no final. Chaplin não quis facilitar para o espectador, tornando as coisas mais calorosas ou aceitáveis, o que contribuiu para a unidade lógica da obra, fazendo-a uma sátira bem vinda e bem engraçada que sobreviveu aos meandros políticos de sua época (a caça às bruxas do senador McCarthy — e seria um pecado não citar aqui a louvável cena em que Shahkov dá um banho nos políticos do Comitê de Atividades Antiamericanas) e pode tranquilamente ser vista e apreciada em nossos dias sem parecer ultrapassada, seja por seu conteúdo, seja pela forma como o humor é utilizado para denunciar os problemas de seu tempo, que, inconveniente e de forma mascarada, também são os nossos.

Um Rei em Nova York (A King in New York) – Reino Unido, 1957
Direção: Charles Chaplin
Roteiro: Charles Chaplin
Elenco: Charles Chaplin, Maxine Audley, Jerry Desmonde, Oliver Johnston, Dawn Addams, Sidney James, Joan Ingram, Michael Chaplin, John McLaren, Phil Brown, Harry Green
Duração: 110 min.

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