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Crítica | Uma Dama de Óculos Escuros Com uma Arma no Carro

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Através da linguagem cinematográfica o realizador de um filme pode subverter as expectativas do espectador, transformar o que ele enxerga em algo que não necessariamente é a verdade, como é o caso de Amnésia, de Christopher Nolan, que utiliza da montagem para colocar a história fora de ordem, criando o mistério de sua trama. Em casos como Garota ExemplarA Garota no Trem é o roteiro que se encarrega disso, ainda que seus diretores, através da decupagem, brinquem com quem assiste a obra, nos fazendo interpretar situações de outra maneira. Uma Dama de Óculos Escuros Com uma Arma no Carro une essas duas escolhas narrativas, nos entregando um thriller psicológico cujo mistério somente desvendamos no fim.

A trama acompanha Dany Dorémus (Freya Mavor), uma secretária que, a pedido de seu chefe, deve levá-lo ao aeroporto e, em seguida, devolver o carro para a sua casa. Subitamente, porém, a protagonista decide fazer uma curta viagem para a praia, onde jamais estivera. Nesse momento, coisas estranhas começam a acontecer, ao passo que pessoas desconhecidas passam a dizer que ela já estivera ali antes. Entrando em uma espiral de confusão, Dany começa a duvidar de sua própria mente, acreditando ter ficado louca, situação que se complica quando ela se envolve com questões perigosas.

Baseado no livro de Sébastien Japrisot, o roteiro de Gilles Marchand e Patrick Godeau logo cedo consegue captar a nossa atenção. Ficamos curiosos para saber o que de fato está acontecendo ali, se é apenas um golpe elaborado dado na mulher ou se ela realmente tem algum problema psicológico. Essa dúvida somente aumenta conforme vemos cenas de Dany conversando consigo mesma, como se tivesse dupla personalidade, com um de seus lados mais impetuoso, enquanto que o outro apresenta uma maior fragilidade. O texto, porém, deixa tudo na dose certa para que encaremos essas conversas como algo normal, como a típica pessoa em um dilema, tentando vencer seus próprios temores.

É aí que entra a excelente montagem e edição de Maryline Monthieux e Christophe Pinel, que avançam alguns detalhes futuros a fim de causar uma maior confusão no espectador, através de inserts ao longo da narrativa. Aliado a isso, temos a imaginação da própria Dany, que é colocada em tela através de curtos trechos os quais não sabemos se é o futuro, passado ou apenas algo imaginário. Tudo isso compõe um quadro de instabilidade quando se trata da mente da personagem, gerando a incerteza no espectador, que não sabe em quem acreditar: na mulher que diz que jamais estivera ali, ou naqueles que a reconhecem nos lugares pelos quais ela passa.

Além disso, em razão dessa montagem mais dinâmica, a obra acelera seu ritmo consideravelmente, tornando tudo uma viagem verdadeiramente frenética. Através de fusões, Monthieux e Pinel avançam determinadas ações, novamente dialogando com o tom de incerteza da obra, criando a sensação de que o tempo em questão é psicológico, mesmo não, necessariamente, o sendo. Freva Mavor, como a protagonista, somente faz toda essa construção ganhar ainda mais vida, desempenhando mais de um papel ao interpretar uma personagem apenas: são os diferentes aspectos da personalidade de qualquer um que ganham vida, são expostas no mundo real.

Infelizmente, a conclusão do longa não chega à altura da engenhosidade de seu desenvolvimento, com o texto saindo pela saída mais fácil, nos explicando minuciosamente tudo o que verdadeiramente aconteceu. Não é deixado qualquer espaço para a interpretação, visto que é tudo tão didático, que chega a parecer como o roteiro fosse um velho vilão de James Bond, explicando todo o seu plano maquiavélico. Em razão disso, tudo ganha um ar maior de irrealidade, transformando essa jornada psicológica crível em algo que tenta se aproximar do realismo, sem verdadeiramente conseguir. O que fora construído antes é jogado fora em um grande anticlímax.

Apesar disso, Uma Dama de Óculos Escuros Com uma Arma no Carro continua sendo um filme instigante, sendo capaz de envolver o espectador nessa espiral de loucura, nos deixando sem saber exatamente no que acreditar. Ao utilizar um falso, ou não, tempo psicológico, nos vemos, a cada instante, tentando desvendar o que acontece em tela – uma pena que o texto tenha privado o espectador de pensar através de seu final, caso contrário, certamente seria uma obra verdadeiramente impecável.

Uma Dama de Óculos Escuros Com uma Arma no Carro (La dame dans l’auto avec des lunettes et un fusil) — França/ Bélgica, 2015
Direção:
 Joann Sfar
Roteiro: Gilles Marchand, Patrick Godeau (baseado no livro de Sébastien Japrisot)
Elenco: Freya Mavor, Benjamin Biolay, Elio Germano, Stacy Martin,  Thierry Hancisse, Sandrine Laroche, Frederic Etherlinck
Duração: 93 min.

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