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Crítica | Uma Estranha Amizade

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Uma Estranha Amizade, que poderia muito bem ter sido traduzido como “Uma Improvável Amizade”, para não parecer filme de terror barato, é uma pequena obra independente dirigida por Sean Baker bem em seu estilo naturalista de ser. Fugindo do tema da imigração, que caracterizou seus dois filmes anteriores, Prince of Broadway e Take Out, mas mantendo sua câmera na mão – mas sem tremer muito, ainda bem – e se utilizando de cores naturais, Baker nos traz um filme que vem percorrendo bem os festivais, tendo amealhado o Robert Altman Award no Independent Spirits Awards e o de atriz para Dree Hemingway no Hamptons International Film Festival do ano passado.

Sua estreia, aqui no Brasil, na atribulada época do final de ano, é estranha, mas sintomática de nossa distribuição disfuncional. De toda forma, pelo menos essa fita tem algo a dizer e é bem feita, algo que não se pode dizer, por exemplo, de Infectados, outra estreia sem sentido dessa época.

Lembrando de longe o clássico Ensina-me a Viver, mas bem menos complexo ou ambicioso, Uma Estranha Amizade conta a história da amizade entre uma jovem de 21 anos, Jane (Dree Hemingway, modelo americana, bisneta de Ernest Hemingway, em seu primeiro papel principal em um longa) e Sadie (Besedka Johnson), uma senhora de 85 anos. Depois de comprar uma garrafa térmica em uma “venda de garagem” promovida por Sadie, Jane encontra 10 mil dólares lá dentro e acaba se aproximando da senhora por um sentimento de culpa que a corrói, ainda que seu primeiro impulso seja fazer algumas compras. Mas esse sentimento logo se desenvolve em algo mais genuíno, uma amizade improvável que tem que quebrar a barreira de um gigantesco abismo de gerações.

Sadie é solitária e, como única diversão, joga bingo todo sábado, ainda que seja extremamente azarada, diferentemente de seu marido Frank, morto há muito tempo. Jane, por outro lado, vive com uma amiga e o namorado dela, mas é também solitária. Vive – assim como amiga – de fazer filmes pornôs, mas ela mesmo não tem nenhum tipo de vida amorosa. Sua única relação é com seu chihuahua Starlet (que é macho, apesar do nome) que batiza o filme em inglês e diz muito da própria Jane, que provavelmente foi para Los Angeles para ser uma atriz, mas não pornográfica e, como tantas outras, acabam caminhando para San Fernando Valley, a capital mundial de filmes triplo-X.

Ao mesmo tempo que Baker procura nos dar uma breve visão dessa peculiar indústria cinematográfica, mas sem emitir qualquer tipo de julgamento, eles nos coloca diretamente em contato com as duas novas amigas. Reticente e extremamente rabugenta no começo, Sadie vai vagarosamente se abrindo para sua nova – e única – amiga e as duas constroem uma bonita relação, mesmo que a base dela tenha sido a apropriação indébita cometida por Jane. Baker também não julga esse suposto crime, aliás. Ele faz a pergunta na narrativa, mas a deixa sem resposta e eu pergunto ao leitor: o que você faria com dinheiro esquecido que achasse dentro de algo que comprou?

A resposta imediata “eu devolveria, claro!” talvez não seja a única resposta. O dinheiro – ou a culpa – levou Jane até Sadie que claramente não precisa desse dinheiro (ela deixa bem claro que tem mais dinheiro do que pode gastar, mesmo que não viva na opulência) e as duas acabam se completando, sem nenhuma delas exigir algo da outra em troca. Essa relação constrasta fortemente com a de Jane com sua “amiga” Melissa (Stella Maeve). Melissa é uma irresponsável que só faz gastar o dinheiro que não tem com carros, drogas e com o namorado sugador. Jane tem que literalmente bancar Melissa e ainda interferir em sua conturbada relação com o produtor de filmes pornô Arash (Karren Karagulian).

O interessante é que a primeira imagem que temos quando falamos em um produtor de filme pornô provavelmente é de um cafetão que usa as câmeras, mas Sean Baker cuida de apagar os estereótipos. Há uma poderosa indústria pornô nos EUA e ela é legítima, gostem ou não do resultado dela, gostem ou não das pessoas que dela participam. Arash é um empresário como outro qualquer que preza por suas atrizes dentro do possível. É esse olhar para dentro de uma indústria raramente vista é que torna o filme especialmente interessante para cinéfilos.

Mas não que a relação entre Jane e Sadie seja desinteressante. Ao contrário, Baker, que também cuidou do roteiro e da montagem, engaja o espectador na observação atenta das reações perfeitamente legítimas das duas atrizes novatas. Entendemos perfeitamente e aceitamos como o laço entre as duas pode realmente se formar e acompanhamos uma bela e íntima jornada. Não esperem lições de moral nem de vida vindo da cabeça mais experiente de Sadie e nem esperem descaso e motivos escusos por parte de Jane. As duas entram na relação de amizade literalmente de cabeça e Baker chega ao final do filme fazendo uma pequena revelação que pode levar algumas lágrimas aos olhos mais sensíveis.

Uma Estranha Amizade é uma pequena e agradável surpresa de final de ano que pode trazer muitos sorrisos e divertimento.

Ah, não tenho escolha a não ser terminar essa crítica com uma observação triste, mas bonita: Besedka Johnson, que vive Sadie, tinha mesmo 85 anos quando o filme foi feito e foi achada pela produtora executiva Shih-Ching Tsou no vestiário de uma academia que frequentava. Besedka queria ser atriz desde os 15 anos e demorou 70 anos para ver seu sonho se realizar. Realizado o sonho, como se tivesse alcançado o ponto alto de sua vida, a simpática senhora faleceu no dia 04 de abril de 2013. Arrepiante, não? E essa é mais uma razão para não perder esse filme.

Uma Estranha Amizade (Starlet, EUA/Reino Unido – 2012)
Direção: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker, Chris Bergoch
Elenco: Dree Hemingway, Besedka Johnson, Stella Maeve, James Ransone, Karren Karagulian
Duração: 103 min.

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