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Crítica | Uma Mente Brilhante

por Marcelo Sobrinho
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Fazer a ciência parecer um tema interessante para o público leigo pode não ser a tarefa mais fácil de se alcançar. Basta que olhemos para a escassa filmografia que trata da vida e da obra de grandes personalidades de quaisquer ciências para descobrirmos como é difícil estreitar os laços entre o público comum e o distante (mas fascinante) mundo científico. Aqueles que ganharam notoriedade cinematográfica não a alcançaram somente por sua genialidade e sua contribuição científica à humanidade. Stephen Hawking ganhou, ao menos, duas cinebiografias – impulsionadas em grande medida pela fama que ganhou de gênio que superou a devastação física provocada por sua doença. Outras personalidades do mundo científico e tecnológico já tinham seu apelo midiático bastante consolidado antes de suas histórias serem levadas à grande tela. Steve Jobs e Mark Zuckerberg são bons exemplos, retratados em Jobs e A Rede Social, respectivamente.

Talvez o exemplo de maior sucesso de público e de crítica nesse universo seja Uma Mente Brilhante, dirigido por Ron Howard no ano de 2002. A escolha do diretor e do roteirista Akiva Goldsman pela história do célebre matemático e professor do MIT – John Nash – foi, mais uma vez, influenciada pela doença que o gênio norte-americano desenvolveu. O fascínio provocado pela ideia de que uma mente tão genial tenha tido que conviver com uma doença mental tão grave quanto a esquizofrenia certamente contribuiu para engrossar o caldo dramático do filme, que se permite recriar a história de Nash sem se preocupar com grandes precisões históricas. Uma Mente Brilhante se vale muito desse argumento – a mente produtiva do famoso matemático teve de viver durante toda a vida entre a razão e o delírio, entre o rigor intelectual e o desarranjo de sua imaginação.  E a dupla Howard e Goldsman soube dosar bem essa dualidade para atrair seu público.

O longa-metragem ganha muito com a inspirada interpretação de Russel Crowe, dando vida ao protagonista. Talvez seja o elemento de maior brilho da obra, embora o roteiro do filme seja competente em toda a sua liberdade ficcional e a direção de Howard bastante dosada, ao saber equilibrar o drama envolvendo os delírios de Nash com seu romance redentor com Alicia (Jennifer Connelly). Quando a psicose de John  aflora de vez, Howard opta por fechar seus planos em seus olhos sempre vigilantes e sua mímica sobressaltada. O diretor tem a inteligência de saber quando utilizar cortes rápidos e travellings acelerados para retratar os momentos em que as alucinações visuais de Nash atingem seu ápice. Desses momentos, fazem parte também dois outros ótimos personagens – o agente secreto do governo norte-americano William Parcher (Ed Harris) e o carismático colega de quarto Charles (Paul Bettany). Apesar de toda a catástrofe de sua doença, nem tudo o que ela produz é negativo. Parte deste mundo chega a criar afeto verdadeiro.

Mas, se Uma Mente Brilhante é eficiente enquanto ficção, há algumas facilitações em seu roteiro que considero um tanto desnecessárias. Acho que o filme poderia ter dado mais crédito a seu público em alguns momentos. Mesmo sem qualquer ligação com a ciência, acho que ele conseguiria compreender suficientemente bem que o trabalho científico é mais rigoroso, exigente e dispendioso do que o filme sugere. John Nash certamente não elaborou toda a sua teoria econômica, que lhe deu um Prêmio Nobel, com um simples insight em uma mesa de bar. Também não vivia de escrever suas equações e cálculos em vidros de janelas. Tudo isso demonstra um esforço de romantização que passa um pouco do limite. Não se trata apenas de falta de precisão histórica – um objetivo que o filme jamais teve. O único problema aqui é o retrato raso e bobo que o filme faz da figura do cientista sem que o público necessite de tanto didatismo para compreender que aquele homem era, de fato, uma mente brilhante. Talento e esforço não precisam estar dissociados. Na realidade, nunca estão quando tratamos de homens que atingiram um patamar tão alto.

Por outro lado, compreendo bem a opção do roteiro por mostrar John Nash sofrendo de alucinações visuais quase todo o tempo. Sabe-se que a doença provoca muito mais alucinações auditivas do que propriamente visuais, mas, para fins estritamente dramáticos, é feliz e acertada a escolha. As modificações ficcionais muitas vezes são necessárias e adicionam força ao relato. Uma Mente Brilhante é um ótimo filme de Ron Howard. Está longe de ser uma obra-prima por não permitir ao público metabolizar algumas informações por si só e por flertar, em alguns momentos, com o apelo fácil. Mas é um dos pontos altos da carreira de Russel Crowe – um dos atores mais talentosos e problemáticos de Hollywood. O maior êxito do longa-metragem está em demonstrar que a mente humana pode ser tanto uma dádiva extraordinária como um pesado fardo a se carregar por toda a vida.

Uma Mente Brilhante (A Beautiful Mid) – EUA, 2002
Direção: Ron Howard
Roteiro: Akiva Goldsman
Elenco: Russel Crowe, Jennifer Connelly, Ed Harris, Paul Bettany, Christopher Plummer, Josh Lucas
Duração: 135 minutos

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