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Crítica | Uma Mulher Fantástica

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Sebastián Lelio tem se mostrado um diretor bastante sensível ao trabalhar temáticas delicadas e humanas no cinema. Em Uma Mulher Fantástica (2017), sua lentes se voltam para a jovem Marina Vidal (Daniela Vega) e seu parceiro Orlando (Francisco Reyes), cujo relacionamento é interrompido pela trágica morte do par mais velho, deixando Marina com aquele enorme vazio no peito que nos assoma toda vez que perdemos alguém que amamos.

Os minutos iniciais do filme nos mostram incertezas. O primeiro plano geral que temos, nas Cataratas do Iguaçu, elenca não só a beleza, a imensidão diante dos nossos olhos, mas também, dramaticamente falando, uma torrente de sentimentos que aos poucos vão se revelando para nós. Orlando é um senhor de idade que, apesar da delicadeza ao encarar a vida e da felicidade ao lado de Marina, parece não estar muito certo de seus movimentos atuais. A direção de Lelio sugere algo diferente da parte do personagem. Para plantar essa mudança não verbalizada, ele começa nos brindando com uma belíssima transição de filtros de luz em fotografia, logo na cena de abertura, e passa pela melhor coisa da edição e mixagem de som da obra, indo do barulho das Cataratas para o barulho dos chuveiros na sauna.

Ao jogar com essas incertezas o diretor (que também assina o roteiro), desvia o nosso olhar para delicadezas que só entenderemos no futuro. É como se fôssemos forçados a julgar os personagens pela primeira impressão que temos deles e, aos poucos, tivéssemos que deixar esses pré-conceitos de lado e entender essas pessoas a partir de seus desejos, de sua identidade, da forma como eles se mostram para o mundo e quer que o mundo os vejam. É curioso que quando o texto fecha um pouco o cerco em torno de Marina, sugerindo que haverá alguma culpa para ela por conta da morte de Orlando, nós não entendemos o por quê a personagem não responde diretamente às perguntas. Por que ela hesita em falar algumas verdades. Por que não luta mais do que já está lutando.

À medida que o filme avança e vemos a relação de Marina com a família de Orlando, como ela se ocupa e o que sofre em seu dia a dia — a cena do sequestro, embora mal aproveitada no filme, é bastante incômoda, mostra um dos lados de sofrimento pelos quais a personagem passa; tendo um outro momento talvez bem mais cruel, que é o do exame médico, este sim bem aproveitado no filme –, entendemos que se trata de uma pessoa ainda em fase de adequação. Se é um choque para nós quando entendemos que Marina é uma mulher trans, isso fica ainda mais forte quando percebemos que a transição do corpo e o entendimento de si mesma não bastam e não são as únicas coisas do processo. A colocação do indivíduo no mundo, os laços que cria e a maneira como é tratado pelas pessoas ao redor também compõem esse pacote. E se as mudanças de dentro e na parte externa do corpo já são difíceis, imaginem algo que afeta tudo isto, mas que não depende da pessoa.

Até o ponto em que essa linha de relações está ativa no roteiro, o filme segue bem. O começo é ótimo, o bloco do suspense e a via crucis de Marina para conseguir sua cachorra Diabla de volta é algo que nos chama muito a atenção. Mas depois de determinado ponto, o roteiro aposta em uma solidão “sem mais nem menos” para a personagem, tendo ainda um outro tropeço que é a sugestão de que existe algo importante relacionado à chave da sauna; ou ainda, que terá algo importante ligado ao “fantasma” de Orlando. Esta sim é a pior coisa de toda a película e infelizmente se repete até o fim. Pelo ótimo tema e pela ótima interpretação da atriz Daniela Vega (que é, de fato, uma mulher trans), o espectador não perde a conexão com a película e consegue aproveitá-la até os seus últimos minutos.

O retorno ao território lírico da personagem serviu, pelo menos, para não deixar solta a cena com o professor de música, mas convenhamos que dentro da narrativa, este “outro lado” ou “escape artístico” dela parece despropositado. A vida de Marina não abraça esse Universo em nenhum momento, de modo que a apresentação, apesar de bem filmada e fotografada, parece solta, apontando para uma direção que o espectador não consegue entender porque o enredo não lhe dá ferramentas suficientes para isso. Todavia, o significado da presença de Marina no palco é compreendido. Ela virou a página. E fantástica como é, não deixará que a viuvez tome dela ainda mais coisas do que já tomou.

Uma Mulher Fantástica (Una Mujer Fantástica) — Chile, Alemanha, Espanha, EUA, 2017
Direção: Sebastián Lelio
Roteiro: Sebastián Lelio
Elenco: Daniela Vega, Francisco Reyes, Luis Gnecco, Aline Küppenheim, Nicolás Saavedra, Amparo Noguera, Trinidad González, Néstor Cantillana, Alejandro Goic, Antonia Zegers, Sergio Hernández, Roberto Farías, Cristián Chaparro, Diana Cassis, Eduardo Paxeco
Duração: 104 min.

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