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Crítica | Uma Onda no Ar

por Leonardo Campos
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O rádio é um meio de comunicação que exerce imensa função social. Vejamos o caso da Amazônia: na região, o rádio possui extrema relevância. É praticamente uma questão de sobrevivência. Com locomoção e acesso restrito em alguns trechos, o meio de comunicação serve para avisar que alguma vacina ou outro serviço não está disponível. Observa a importância? Pois é, mas não apenas em zonas remotas. O espaço urbano também depende muito deste meio. As ruas pouco acessíveis e as zonas onde a informação para ser transformada em conhecimento não chegam também clamam pela permanência do rádio como elemento de socialização.

Em Uma Onda no Ar, os caminhos dos protagonistas são demarcados pela vivência hostil numa favela de Belo Horizonte. Será através do rádio e da sua função social que os integrantes do centro desta história encontrarão o espaço para exercício da cidadania, tendo em vista dar mais dignidade ao ambiente pesado em que vivem. Dirigido por Helvécio Ratton, também responsável pelo roteiro, em parceria com Jorge Durán, Uma Onda no Ar aborda com lirismo e esperança os sonhos de Jorge (Alexandre Moreno), Brau, Roque e Zequiel, quarteto interessado em instalar uma estação de rádio que seja “a voz da favela”.

Todos são importantes para a condução dos conflitos, mas Jorge ganha destaque, afinal, é quem começa a contar a história. Preso por conta da condição “pirata” da rádio que fundou, ele conta aos demais detentos as histórias que fazem parte do percurso histórico do espaço democrático que dissemina crítica social pelas ondas do rádio. Rapaz apaixonado pela vida, Jorge é estudioso. A sua mãe vive como auxiliar de serviços gerais de uma instituição renomada, situação que lhe permitiu ter uma bolsa de estudos para exercer as suas atividades intelectuais no meio da “elite” que o oprime constantemente. Ele é mais um dos jovens que preferem a vida digna ao ter que ganhar dinheiro fácil no tráfico de drogas. Jorge vive um conflito: quer seguir a vida de comunicólogo, mas a mãe sonha com a faculdade, quer ver seu filho “doutor”.

Paciente e com muita dedicação, Jorge e sua trupe dão início aos trabalhos na rádio, enfrentando cotidianamente a burocracia. As legislações pouco ajudam, há alguns locais que não tem alcance, haja vista a limitação de um quilômetro para uma rádio comunitária, dentre tantos outros problemas. Ao oferecer uma programação múltipla, transmitir notícias e prestar serviços para a comunidade por meio de entrevistas, divulgação de eventos, recados e afins, é preciso lembrar que muitas dessas rádios “vem sendo utilizadas como instrumento de educação nas comunidades nas quais estão inseridas”, afirma um dos personagens, além do fato de “sofrer forte coação por parte do governo e de rádios convencionais”, interessadas, na concentração dos meios de comunicação. Espécie de catalisador de críticas sociais, Uma Onda no Ar trata de maneira acessível da necessidade do exercício da cidadania para transformação da realidade.

Cidadania por parte de quem faz e também de quem escuta, o filme flerta com o idealismo dos amigos que juntos queriam modificar a comunidade, mas também dar significado para as suas existências. A realidade, dura e opressiva, como se pode ver ao passo que o filme avança, não subsidia muitas oportunidades.  Em seu discurso sobre a liberdade dos meios de comunicação, a produção deflagra o status do rádio enquanto agente da democracia, com imensa função social. O homem letrado, a mulher intelectual, o analfabeto, o idoso, todos podem ter acesso.

Em sua denúncia, o filme retrata uma rádio similar há muitas outras pelo Brasil, isto é, são estes espaços que recebem tratamento excludente, desempenham papel importante para a sociedade, através de ações que reforçam o que conceituamos como cidadania, mas que infelizmente, precisam trabalhar fora dos padrões legais, haja vista os interesses das grandes corporações. As empresas tradicionais e outros meios alegam que as rádios piratas prejudicam a comunicação, mas o que se revela em Uma Onda no Ar e em histórias similares é o interesse da hegemonia pela manutenção do poder.

Baseado na história real da Rádio Favela, local que iniciou as suas tarefas em 1981 e apenas em 1986 se instituiu como entidade cultural, Uma Onda no Ar tem a missão de contar uma bela e edificante história. O filme, entretanto, não é perfeito enquanto linguagem. Os diálogos dos personagens parecem pregação ou discursos, há falhas. Atualmente o panorama mudou, mas o cinema brasileiro durante muito tempo foi refém da relação de alguns atores com o teatro e a televisão, meios diferentes. O diálogo, no cinema, em especial, no filme em questão, requer dinamicidade e realismo. Os personagens falam como se estivessem lendo o discurso da formatura, pregando o sermão para os fieis e outros exemplos oratórios do tipo.

A direção de arte de Vera Hamburger cumpre o seu trabalho, tal como a condução musical de Gil Amâncio. A montagem de Nair Tavares, semelhante aos diálogos, também deixa a desejar, mas nada disso estraga a mensagem interessada em desbancar preconceitos, denunciar a ausência do estado na resolução de problemas basilares e na linha do ótimo Cidade de Deus, refletir sobre problemas sociais gerais de quem habita a favela. Ao mostrar a juventude negra indo além dos estereótipos, Uma Onda no Ar retrata os sonhos de pessoas alijadas da sociedade e em constante luta por igualdade. Como dito por alguns críticos e até mesmo personagens, “a verdadeira voz do Brasil”.

Uma Onda no Ar — Brasil, 2002
Direção: Helvécio Ratton
Roteiro: Jorge Durán, Helvécio Ratton
Elenco: Adolfo Moura, Alexandre Moreno, Babu Santana, Benjamim Abras, Edyr Duqui, Priscila  Dias
Duração: 123 min

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