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Crítica | Valerie e a Semana das Maravilhas

por Luiz Santiago
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O diretor Jaromil Jires foi um dos maiores representantes da New Wave Tcheca, o renovo surrealista e fantástico que negou o realismo e marcou a produção de cinema na Tchecoslováquia de 1958 a 1972. Valerie e a Semana das Maravilhas (1970) é uma espécie de último suspiro do movimento (que contaria com mais 4 filmes) e uma das obras mais fantásticas do cinema sobre a passagem da infância para a adolescência.

A história de Valerie, uma garota inocente que vive com a avó, começa na abertura do longa, quando a garota ganha um par de brincos mágicos. A conotação sexual dos brincos aparece imediatamente, como se quisesse ressaltar a nova fase da vida dessa garota que se dá conta do mundo “violentamente sexual” à sua volta. O sangue pingando nas margaridas é uma imagem simbólica e bonita e atravessa o filme como referência de que toda essa semana das maravihas é, na verdade, o período da primeira menstruação de Valerie. Todas as metáforas visuais e situações surrealistas do filme estão fora do campo político e concentram-se unicamente num patamar humano, feminino e sexual, com pitadas de terror.

Em sua semana de deslumbramentos, Valerie deixa a inocência infantil e passa a observar melhor o mundo cheio de volúpia, ameaças e medo. O diretor nos apresenta sequências de puro deleite antropológico, onde o paganismo naturalista junta-se aos ícones, símbolos e rituais cristãos. A virgindade, o incesto e a morte são elementos que circulam entre os vários mundos culturais.

Essa proximidade entre os dois focos religiosos, mais a fixação de um mundo onírico enraizado ao mundo real (o espectador não consegue perceber muito bem onde começa um e termina outro), cria um ambiente medonho que apresenta ameaças lendárias e reais para a vida de uma bela adolescente que já possui características, corpo e desejos de uma mulher.

A incursão dos vampiros, monstros e demônios são referências simbólicas da mutação de Valerie, que chegava a um ponto crucial de sua vida. A sexualidade, pulsão da libido que se desenvolve desde a mais tenra infância, alcança sinais de maturidade prática na adolescência, apresentando os seus primeiros suspiros de curiosidade e percepção do outro com um ardor urgente. Esse “primeiro sinal” coincide também com as mudanças hormonais no corpo dos adolescentes. O diretor Jaromil Jires trouxe o máximo de medos e percepções possíveis da sexualidade (amparado por Freud), e fez dessa descoberta de Valerie aquilo que todo adolescente sente ante a realidade de um mundo sexualizado: medo. Por isso temos o desfile de seres fantásticos e lendários na história.

Cada espectador pode aferir o resultado geral de maneira muito particular, dada a amplitude do universo surrealista que veste o filme. Todavia, é importante pensar na dinâmica da “caça-e-caçador” dos vampiros e aproveitadores com quem Valerie convive como uma inversão das forças psíquicas contra ela própria. Todos os seres no filme lutam mortalmente por suas vidas. A sede de viver compreende, se preciso for, a destruição do outro. Por isso a jovem foge da avó que luta pela sua juventude, do monstro ou vampiro ou pai que quer viver para sempre, do padre que tenta estuprá-la. A “vida” aqui pode ser entendida também como a realização dos desejos de todas as personagens.

Jaromil Jires faz jus à força surrealista da obra de Vítezslav Nezval, de onde adapta o roteiro do filme. Uma mistura de Alice no País das Maravilhas com o Nosferatu de Murnau dão uma identidade muito fiel a toda essa semana de deslumbramentos. Com um elenco entre mediano e muito bom, o filme tem seu maior sucesso no roteiro e na produção, cuja iconografia nos faz lembrar os filmes de Sergei Paradjanov. O gostar ou não gostar de Valerie e a Semana das Maravilhas está muito ligado ao que o espectador entende de surrealismo, psicanálise e cinema experimental. Mas uma coisa é certa: raros são os que não reconhecem o poder e a importância cinematográfica desse ícone deslumbrante da New Wave Tcheca.

O filme tem um outro título aqui no Brasil: Valerie e Sua Semana de Deslumbramentos.

Valerie a Semana das Maravilhas (Valerie a Týden Divu, Thecoslováquia, 1970)
Direção: Jaromil Jires
Roteiro: Jaromil Jires, Ester Krumbachová, Jirí Musil (adaptação da obra de Vítezslav Nezval)
Elenco: Jaroslava Schallerová, Helena Anýzová, Petr Kopriva, Jirí Prýmek, Jan Klusák, Libuse Komancová, Karel Engel, Alena Stojáková, Otto Hradecký
Duração: 73min.

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