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Crítica | Vício Inerente

por Luiz Santiago
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Depois de assistir a Vício Inerente, procure dar uma olhada nas sinopses do filme pela internet ou em jornais e revistas. Será uma boa maneira de dar boas risadas. Isso porque este longa de Paul Thomas Anderson, baseado no romance homônimo de Thomas Pynchon, lançado em 2009, é uma armadilha em si mesmo, algo impossível de descrever sobre “o que é”. O roteiro nos parece um quebra-cabeça lisérgico que mistura máfia, drogas, teorias da conspiração, crimes policiais e políticos, Estado e ideologias fortes como o nazismo, o Black Power e o patriotismo americano.

Nesta sopa de ideais e motivações, temos em destaque a característica principal dos filmes de Paul Thomas Anderson que é a ambientação meticulosa (aqui, lembrando-nos Boogie Nights) e a narrativa labiríntica e intercruzada, nos moldes de Magnólia ou, para dar um exemplo fora da filmografia de Anderson, como nos longas da Trilogia da Morte (ou da vida), de Iñarritu.

Joaquin Phoenix vive Larry “Doc” Sportello, um investigador completamente fora dos  padrões imaginados para esse exercício. Drogado e antissocial, ele resolve seus casos de uma maneira que facilmente o confundiria com qualquer bandido barato. O que acontece é que ele é um personagem interessante, com um senso de humor bastante peculiar e interpretado por um ator que a cada cenário visitado — e são muitos! — dá uma tonalidade diferente ao personagem. É em torno de “Doc” que o enredo se desenrola, porque todo o mistério e toda a confusão estão ligados aos casos que ele investiga. O filme acaba sendo difícil de se compreender porque acontece muita coisa ao mesmo tempo e tudo está relacionado de uma forma misteriosa (não tente buscar respostas imediatas para tudo!), mais parecendo uma mistura de Cem Anos de Solidão com Pulp Fiction, Twin Peakse a 4ª Temporada de Arrested Development, e sim, o exagero está à altura do contexto de Vício Inerente. Em tempo: eu acredito que uma série baseada nesse livro, ao menos com as “cores” que Anderson dá à obra aqui, seria sensacional.

De uma hora para outra, “Doc” se vê diante de três casos, e eu preciso comentar sobre eles para avançar nos comentários a respeito do roteiro. Farei isso de forma didática, objetiva e procurando não dar spoilers.

  • Caso 1: o desaparecimento de Sashta Fay Hepworth, ex-namorada de “Doc”.
  • Caso 2: o desaparecimento do guarda-costas de Michael Z. Wolfmann e do próprio Wolfmann, atual namorado de Sashta.
  • Caso 3: a investigação sobre a morte de Coy Harlingen, que, segundo sua esposa, não está morto.

Agora imagine você a ligação entre esses três casos a partir de um mistério-base, aqui, chamado de Golden Feng, que pode ser várias coisas e ter vários significados, dependendo da pergunta que se faz sobre ele. O tratamento misterioso dado a todos esses pontos confunde o público, mas, prestando bastante atenção, é possível entender a ideia e solucionar parte do mistério. O público aceita a dúvida final como parte do charme da investigação e compra a atitude desapegada e melancólica de “Doc” em relação às pessoas que o cerca — como todos os personagens são bem interpretados e recebem a devida exposição na tela, não é necessário cenas de contexto para vermos profundidade em cada um. O grande problema do roteiro é que todo esse esforço, todo esse labirinto e ligações inimagináveis se esvazia ao máximo no final do filme, com uma patética resolução para o Golden Feng (ou pelo menos a resolução superficial) e, principalmente, com o inaceitável destino dado a “Doc”.

Os ambientes sujos, minimalistas, barrocos e kitsch que Ruth De Jong cria para o filme dão ao roteiro toda a aura de mistério e conspiração necessárias. O mesmo acontece como a trilha sonora de Jonny Greenwood, bem adequada a cada situação, mas que nos dá a constante impressão de que algo ruim está para acontecer. É como se víssemos um cenário típico das comédias de ação de Cheech & Chong e entrássemos para algo mais arthouse, com direito a toques deslumbrantes da fotografia de Robert Elswit, que consegue nos trazer uma atmosfera que imita os filmes noir e ao mesmo tempo faz a ligação com o mundo decrépito e “chapado” do detetive particular. Há até uma brincadeira metalinguística sobre a fotografia, quando a mulher de Wolfmann se apresenta, algo que o espectador vai adorar quando vir.

A despeito de todos os esforços, Paul Thomas Anderson tropeça em Vício Inerente justamente onde ele deveria deixar uma marca dificilmente alcançável: o final com um potente sentido para um filme com esse porte enigmático. Seu trabalho de direção é admirável, tanto para os atores quanto para o filme, que, apesar da longa duração, tem um bom ritmo e não necessariamente deveria ter “cenas cortadas” — exceto ao final, que é o verdadeiro ponto fraco da obra.

O longa recebeu duas indicações ao Oscar, uma para Roteiro Adaptado e outra para Figurino, merecendo mais a segunda do que a primeira. De todo modo, trata-se de um épico de “investigação chapada” vista pelo caos ordenado de um personagem pouco convencional. A obra certamente cativará a maioria dos espectadores, mas não será espantoso ouvir reclamações a respeito da “chatice” ou “lentidão exagerada” da fita. De minha parte, acredito que a desaceleração do diretor ao final foi o seu único erro, mesmo com toda a confusão que pontua o texto (algo vindo do livro, é verdade). Mesmo assim, Vício Inerente é um ótimo filme. E daqueles que não é nada lugar-comum você dizer ao final: eu preciso assistir de novo.

Vício Inerente (Inherent Vice) – EUA, 2014
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson (baseado na obra de Thomas Pynchon)
Elenco: Joanna Newsom, Katherine Waterston, Joaquin Phoenix, Jordan Christian Hearn, Taylor Bonin, Jeannie Berlin, Josh Brolin, Eric Roberts, Serena Scott Thomas, Maya Rudolph
Duração: 148 min.

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