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Crítica | Virunga

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

Virunga é o segundo documentário comprado pela Netflix que concorre ao Oscar em sua categoria, mostrando o bom faro da produtora e canal de streaming. Em 2014, foi a vez de The Square, urgente e atualíssimo filme sobre a revolução egípcia. Na mesma veia, Virunga é urgente e importantíssimo, mas com um adicional histórico e ecológico de partir o coração.

Sim, de partir o coração. Não se deixem enganar pela imagem escolhida para ilustrar a presente crítica. O sorriso de André cuidando de seus amados gorilas na reserva ecológica congolesa de Virunga é enganoso. Não que seja um sorriso falso, muito ao contrário: é muito sincero e por isso mesmo de fazer chorar. Ele protege literalmente com a vida uma instituição caindo aos pedaços, que ninguém liga, que alberga três gorilas ainda jovens deixados órfãos pelos caçadores da região que literalmente querem acabar com os animais não por seu valor intrínseco, mas sim para tornar injustificável a manutenção de Virunga como santuário em mais uma demonstração de violência, descaso e destruição em um dos países mais indecorosamente estuprados da História.

Os gorilas, portanto, funcionam como a ponta do iceberg nesse documentário que, na verdade, não é sobre eles ou sobre proteção ambiental propriamente dita. Virunga é um filme mais amplo que denuncia a podridão do coração do Homem e o que esse coração enegrecido é capaz de fazer por dinheiro. O documentário fará com que qualquer um com um mínimo de discernimento sair revoltado, querendo ajudar.

A gigantesca reserva de Virunga, no leste do Congo, é protegida por um punhado de bravos homens que dedicam sua vida à patrulha da região. São poucos e com quase nada de infraestrutura. Mas são fieis. E corajosos. Pelo menos dentro da medida do possível. Todos trabalham sob o comando de Emmanuel de Merode, nascido na Tunísia, mas da família real belga (tecnicamente, ele é um príncipe), diretor do Parque Nacional de Virunga desde 2008. Na fronteira sul do parque, há os refugiados de Ruanda cuja instabilidade também desequilibrou a frágil calmaria estabelecida no Congo anos antes. O governo congolês é ameaçado por rebeldes armados até os dentes, especialmente o grupo auto-denominado M23. Há, também, uma ameaça talvez maior ainda: a descoberta de petróleo debaixo do parque e a concessão de exploração para a empresa britânica SOCO.

O Congo é um dos países com maior concentração de minerais cobiçados no mundo. Além disso, há a riqueza da fauna que sempre atraiu caçadores e comerciantes de marfim e peles. Essa combinação explosiva fez com que, ao longo dos séculos, o país fosse explorado sem qualquer controle por países europeus primeiro, depois por diversas empresas do mundo todo. Pouco importava o bem estar da população e muito menos dos animais selvagens. O que o documentário mostra é a história se repetindo. E só isso já leva mal estar ao espectador que literalmente não tem o que fazer a não ser sofrer de forma vicariante pelos heróis que são o foco da obra.

Além de Merode, que poderia muito bem se acomodar como membro da realeza em algum canto muito confortável mas que está lá no meio daquele inferno todos os dias, temos o já mencionado André Bauma, que cuida dos filhotes de gorila como se de sua família fossem, Rodrigue Mugaruka Katembo, o chefe dos soldados que protegem o parque e Mélanie Gouby, uma jovem e destemida jornalista francesa.

Rodrigue e Mélanie, vale dizer, participam das cenas mais inacreditáveis do documentário, literalmente espionando com câmeras escondidas diversos membros da SOCO e do governo congolês em busca de provas de corrupção. São momentos de tirar o fôlego, dignos de filme de espionagem da melhor estirpe. Orlando von Einsiedel faz bom uso das filmagens de Rodrigue e Mélanie, enxertando-as naturalmente no contexto de seu trabalho.

Como quase todo documentário dessa natureza, porém, em termos técnicos von Einsiedel teve que tomar alguns atalhos para arrendondar sua obra, o que acaba criando estranhamento. Esses atalhos são mais sensíveis durante o estouro do conflito entre os rebeldes do M23 e os rangers do parque. Há, sensivelmente, muita encenação, muita artificialidade. Mas vejam, isso faz parte do negócio. A dificuldade do momento deve ter sido frustrante e um pouco de trabalho “de ficção” acabou sendo necessário para não criar buracos narrativos. Não é algo que reduza o valor de denúncia ou a apreciação dessa obra pelo que ela é.

Virunga é um documentário que mexerá com o espectador. Que o transformará em uma espécie de cúmplice inquieto da situação, procurando saber como ajudar. O primeiro passo, porém, é prestigiar o documentário.

Virunga (Idem, Reino Unido/Congo, 2014)
Direção: Orlando von Einsiedel
Roteiro: Orlando von Einsiedel
Com: André Bauma, Rodrigue Mugaruka Katembo, Emmanuel de Merode, Mélanie Gouby
Duração: 104 min.

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