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Crítica | Você Acredita?

por Luiz Santiago
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A fantasia de Deus que o time de produtores de Você Acredita? (2015) tenta nos vender talvez seja um tantinho melhor organizada que aquela vista em Deus Não Está Morto (2014), mas no fim das contas, ambos caem no melodrama à la “cinema de lágrimas”, tomando passagens bíblicas, itens doutrinários e condenações pré-encomendadas (por Deus? Pelo diabo?) para aqueles que ousarem não aceitar a palavra, aqui exposta em um filme que tem o objetivo de evangelizar mas acaba irritando e reafirmando um Deus incoerente, iracundo e muito, muito oportunista.

Ou muito oportunista é o uso que os roteiristas Chuck Konzelman e Cary Solomon fazem de Deus e das outras duas figuras da Trindade para chegar a um ponto que seria bem mais interessante e divertido se tivesse sido feito através de uma animação com o Smilinguido chamando as crianças para a escolinha dominical e os adultos para terem fé e obedecerem a doutrina e a palavra. Simples, moralmente coagido, mas ainda assim, divertido. Todavia, se tiramos o Smilinguido de cena e colocamos atores B (conhecidos e desconhecidos) para interpretar caricaturas do negro criminoso, do médico cético, da advogada diabólica, do homem que não queria ser apóstata da fé e de coadjuvantes que agem como pequenos diabinhos, desafiando seus companheiros a “não levarem Deus tão a sério”, a coisa muda para pior.

A base da história é um chamado para a ação e o roteiro faz questão de valorizar isso. Todos os personagens foram pensados dentro de um molde que caiba no versículo “a fé sem as obras é morta […]” e até certo ponto, há segurança nessa abordagem. Mas esse “até certo ponto” está nos primeiros quinze minutos de um filme de duas horas, que ao querer imitar a multi-narrativa dos longas de Robert Altman ou Paul Thomas Anderson, se perde e deixa de ter foco. São doze (isso mesmo, doze!) histórias de pessoas tocadas pelo cristianismo. Não é preciso ser um gênio para imaginar que isso nunca daria certo em um filme evangélico, porque o propósito das pessoas que o conceberam é convencer ao público de que só existe uma única verdade em todo o planeta e que se você não acreditar nessa única verdade, você está perdido. Talvez a mesma mensagem fosse melhor apreendida — ainda dentro da visão evangelizadora — se fosse criado um enredo dramaticamente aceitável e que a partir dele, deixassem o público julgar, procurar e criar suas próprias verdades. Como um conselho e não como uma imposição ou ameaça.

Dentro dessa perspectiva, a montagem do filme, a cargo de Vance Null, tenta buscar algo mais ou menos parecido com o que aconteceu ao homem que morreu e ressuscitou (não, não Jesus, o personagem do filme mesmo). Mas o milagre não vem. O editor tenta de tudo: montagem paralela, em continuação, dialética, linear, alinear, mas falha em todas elas, não exatamente por incompetência profissional, mas pela extrema ambição do roteiro com suas doze histórias mal construídas. Aliás, o único bloco dessa “novela santa” que me fez dar meia estrela para o produto todo foi o de Mira Sorvino (exato, a mesma que fez uma excelente prostituta desbocada em Poderosa Afrodite, de Woody Allen), a mãe que é despejada com sua filha, após perder o marido, não conseguir se firmar em um emprego e viver em um abrigo. [ah, esse Deus maravilhoso que só quer o bem das pessoas…] E de todo o elenco, Sorvino é a única atriz que não parece estúpida em seu papel. Sua trama é a menos pior dentre as doze e a que melhor emprega o conteúdo emotivo do longa — à exceção do final, que é proselitismo chato e… wait for it… um baita Deus ex machina (hein, hein?).

Sem nenhum critério de identidade na direção que torne crível as histórias — e isso é espantoso, porque Jon Gunn não é exatamente um diretor ruim –; sem nenhum critério justificável de iluminação, movimentação de câmera e uso de filtros de cores (as cenas em que se vê carros com sirenes ligadas nos dá a impressão de que estamos mergulhando no Submarino do Senhor), e com uma montagem atrapalhada do início ao fim — a ponto de partirmos de uma panorâmica em um carro seguida de um corte brusco para um plano médio frontal e fixo em algo que nada tinha a vez com a cena anterior –, Você Acredita? é um fiasco retumbante. É nesse momento que sentimos falta do estiloso Deus do Antigo Testamento, que usava plantas espinhosas pegando fogo, jumentas falantes e dedos escrevendo na parede para ele mesmo dizer o que tinha para dizer. Vai ver esse é o problema e aí esteja a valiosa lição que Você Acredita? nos ensina: se tem alguma coisa para dizer, diga você mesmo, não mande seus bonequinhos de barro ou osso fazê-lo. Quem sabe assim as pessoas não vão realmente acreditar na mensagem e um belo filme com o título Eis a Prova! Acredite! possa ser feito? Você duvida?

Você Acredita? (Do You Believe?) — EUA, 2015
Direção: Jon Gunn
Roteiro: Chuck Konzelman, Cary Solomon
Elenco: Mira Sorvino, Joseph Julian Soria, Senyo Amoaku, Sean Astin, Brian Bosworth, Valerie Domínguez, Delroy Lindo, Andrea Logan White, Lee Majors, Liam Matthews
Duração: 120 min.

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