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Crítica | “Vulnicura” – Björk

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Vulnicura (2015), título que mistura duas palavras em latim, vulnis (ferida) e cura, é o 9º disco da cantora e compositora islandesa Björk, que teve como motivação geral para este álbum o período antes e depois do rompimento de seu relacionamento com o artista Matthew Barney. O álbum tem uma concepção temática ligada à dor da separação, ao inconformismo de uma “vida jogada fora” e à solidão que se segue ao fim de uma convivência de tantos anos. O disco se divide basicamente em três partes, sendo a primeira, o “antes do fim”; a segunda, o “depois do fim”; e a terceira, “a vida segue”, onde vemos uma forma diferente de abordar a relação que foi fortemente dissecada nas canções mais pessoais.

Embora não tenha previsto isso, Björk se deu conta que as músicas que compunha eram um retrato sentimental de sua vida naquele momento, e por isso mesmo fez questão de localizar as canções no tempo, como vemos na organização abaixo, exatamente a sequência original do disco.

  1. Stonemilker (9 a 8 meses antes do fim)
  2. Lionsong (4 a 2 meses antes do fim)
  3. History of Touches (1 mês antes do fim)
  4. Black Lake (4 meses depois do fim)
  5. Family (6 a 8 meses depois do fim)
  6. Notget (11 a 12 meses depois do fim)
  7. Atom Dance (tempo indefinido)
  8. Mouth Mantra (tempo indefinido
  9. Quicksand (tempo indefinido)

Essa sequência cronista é facilmente perceptível no nível de emoção, na escolha mais ou menos ousada da produção para uma faixa específica e, principalmente, na força das letras das canções, dentre as quais History of Touches é uma das mais contundentes, realistas e comoventes.

A primeira coisa que o ouvinte precisa ter em mente é que não está diante de um álbum comum ou de uma artista comum. Björk não é uma artista POP no sentido que a gente conhece esse termo. Suas obras são um misto de música clássica, ópera, supra-pop, eletrônica e misturas diversas dentro de cada um desses gêneros, onde vemos surgirem subdivisões e elementos de identidade da discografia da cantora. Vulnicura não é um disco para se ouvir com a família num domingo ensolarado ou para se distrair quando se está feliz da vida, sentindo a brisa refrescante do outono. O disco nasceu com uma proposta contemplativa e dentro de um aspecto musical vanguardista. Não espere clichês de amor ou belas canções românticas como em 21 (Adele, 2011 — e aqui me refiro apenas à parte do elemento romântico, pois até os clichês deste 21 são interessantes), motivado pelo mesmo evento que Vulnicura: o término de um relacionamento.

Dito isto, é igualmente importante que se pense Vulnicura como uma viagem musical extremamente pessoal. Há algo de errado nisso? Definitivamente não. É evidente que essa viagem alcança um ponto final descartável na canção que encerra o disco, Quicksand, a única de fato ruim do álbum; mas é só… É possível também que a maioria das pessoas tenham um pouco de implicância com Mouth Mantra. Eu tive, mas depois re ouvi-la várias vezes cheguei à conclusão de que não se trata de uma faixa ruim. Em comparação ao todo, é claro que ela é mais fraca, mas não chega a ser ruim.

Ao lado dos co-produtores Arca (o jovem venezuelano Alejandro Ghersi, que tem feito um bom trabalho nessa área, vide o próprio Vulnicura ou o LP1, da FKA twigs, de 2014) e The Haxan Cloak (o britânico Bobby Krlic com dois trabalhos que merecem ser visitados: Excavation e I Shall Die Here, de 2013 e 2014, respectivamente), Björk conseguiu um resultado final nesse disco que se conecta perfeitamente com o restante de sua carreira, dando continuação ao pioneiro álbum-aplicativo Biophilia (2011) e explorando com grandiosidade o lado clássico que sempre foi uma de suas grandes paixões.

Se ouvirmos com atenção a belíssima Stonemilker, a música que abre o álbum, veremos em destaque o apoio orquestral emotivo, romântico no estilo, com violoncelos servindo inicialmente de narrador e em seguida os violinos acompanhando a voz límpida da cantora, acompanhada por uma ótima produção que vai da concepção para as batidas e instrumentos de percussão utilizados aos arranjos para cordas. É uma verdadeira suíte de amor em decadência. E é de partir o coração.

O mesmo cello narrativo de Stonemilker reaparece em formato concertista em Family, e a organização desse instrumento com o arranjo da canção é igualmente interessante, porém menos tocante. Já a orquestra é novamente percebida em destaque na canção Black Lake, que está entre dois extremos conceituais dentro dessa timeline de separação, History of Touches e Notget, cada uma com uma abordagem estético-musical diferente para o mesmo tema.

O momento falho de Vulnicura é protagonizado pelas três canções finais. A primeira, Atom Dance (que traz participação de Antony Hegarty, dos ótimos Swanlights e Cut the World), falha apenas pelo deslocamento do conceito. É uma ótima canção, mas ficamos um bom tempo tentando entender a localização dela no todo do disco, mesmo que possamos assumir a ideia de “a vida segue”, a posterior a cantora digerir a separação. A faixa seguinte, Mouth Mantra, já abordamos anteriormente, portanto, nos fixemos em Quicksand. Nada justifica a presença desse tipo de música em Vulnicura, mesmo se trouxemos todo o escopo musical de Björk à tona. Há um total desencontro das cordas com a parte eletrônica nesta faixa, e o fato de a cantora ter adicionado mais variantes sonoras até a metade da faixa confundo o ouvinte, cobre a voz solista e transforma um desfecho que deveria ser conciliador com o eu lírico, em completo [e negativo] caos. Talvez essa fosse até a intenção aqui. Mas definitivamente foi um erro.

Vulnicura é um disco conceitual soberbo. Mesmo com uma faixa ruim (Quicksand) e um final um tanto fora da temática central do álbum (as três últimas canções), o que Björk consegue realizar é aplaudível e, diferente do que andam dizendo por aí, não denota uma fase em que “a cantora de perdeu”. Nada disso. Dentro do mundo vanguardista que ela se ergueu e que vem mudando ao longo dos anos, não há nenhum desvio, nenhum projeto descartável. O que temos em Vulnicura é possivelmente o mais intenso, múltiplo, complexo e avant-garde disco sobre o término de um relacionamento que essa década terá.

Aumenta!: Stonemilker
Diminui!: Quicksand
Minha canção favorita do álbum: Stonemilker

Vulnicura
Artista: Björk
País: Islândia
Lançamento: 20 de janeiro de 2015
Gravadora: One Little Indian, Megaforce, Sony
Estilo: Eletrônica, Glitch Pop, Avant-garde, Música Clássica, Música Ambiente, Art Pop

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