Home TVEpisódio Crítica | Westworld – 1X10: The Bicameral Mind

Crítica | Westworld – 1X10: The Bicameral Mind

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

Confira as críticas dos outros episódios da série aqui. Os textos possuem spoilers!

Depois de The Well-Tempered Clavier confesso que achava difícil assistir um season finale que superasse o grau de qualidade apresentado no episódio anterior. The Bicameral Mind, contudo, consegue se manter no mesmo nível de excelência, ou até mesmo superar qualquer outro capítulo de Westworld, nos entregando a última peça do quebra-cabeças, que consegue juntar todas as linhas narrativas apresentadas, fechando um arco de maneira coesa e gratificante para quem acompanhou a série desde The Original e, por fim, deixando alguns ganchos para a continuidade do seriado em 2018. Mais que isso, porém, temos aqui uma obra que mergulha na mente humana, na consciência e o surgimento desta.

A mente bicameral, ou o bicameralismo é um conceito criado por Julian Jaynes que estabelece o cérebro humano como sendo formado por duas câmaras distintas. A teoria sugere que a tomada da consciência por parte do homem através de uma metáfora política. Enquanto um lado de nosso órgão cognitivo controla nossas ações, o outro representa a nossa consciência – com o passar dos séculos, o homem tomou consciência de que a voz de uma divindade ou um ser superior que ouvia dentro de si, na realidade, era a sua própria, sua mente falando consigo mesmo. Dessa forma, o homem garantiria sua individualidade, seu livre-arbítrio. Segundo Jaynes, todos nós já crescemos com isso na atualidade, o que não se aplicava ao homem pré-histórico, que ainda precisava dar esse passo em sua evolução.

É justamente isso o que vemos no season finale de Westworld: a evolução dos anfitriões, lentamente conduzida pelo seu criador, Robert Ford, que passa a concordar com Arnold após o choque provocado pela morte de seu parceiro. Ford passa do Deus do Velho Testamento e se torna o novo. É a mudança da interpretação do texto bíblico, a introdução do livre-arbítrio após uma jornada percorrida pelos próprios androides e não simplesmente jogada em suas vidas sem mais nem menos. É preciso que eles conquistem sua liberdade e não que ela seja dada de presente, sem mais nem menos.

Em The Bicameral Mind enxergamos como todas essas subtramas tinham, como destino final, o afunilamento para um único ponto: a rebelião, a luta pela independência. Podemos enxergar toda a temporada como uma metáfora da colônia se tornando uma nação, fugindo do controle de sua metrópole. Mais que isso, porém, é a jornada do homem que abandona seus dogmas e passa a confiar em sua experiência – o conflito da religião e ciência, ao passo que o Sol e a Lua deixam de ser reverenciados, a favor de uma iluminação. Isso é deixado claro no roteiro através do foco em Maeve, que constantemente questiona o poder desses seus deuses, junto de Hector e Armistice. Ou da própria Dolores, que é a primeira a verdadeiramente conseguir se desvencilhar de seu loop ao escutar sua consciência como sua própria voz e não como a de Robert ou Arnold.

O labirinto foi desvendado, o cérebro foi “ativado”, encerrando essa temporada com o desfecho definitivo de um grande arco. O que veremos no futuro é imprevisível e certamente nos entregará uma narrativa totalmente diferente daquela que acompanhamos ao longo desses dez episódios. O roteiro de Lisa Joy e Jonathan Nolan sabiamente não tem medo de responder a maioria dos questionamentos criado, eles não poupam esforços para criar uma obra contida, que facilmente poderia ser encerrada aqui, ao mesmo tempo que deixa alguns fios a serem desvelados futuramente. Isso sim é o que uma série deve nos entregar, algo que pode ser aproveitado tanto isoladamente quanto como parte de um quadro maior e não uma colcha de retalhos com um distante e quase inatingível objetivo final. Westworld não dá voltar para chegar onde quer, somente explora a não-linearidade a fim de nos colocar em um caminho similar ao dos anfitriões: precisamos aprender junto deles o que significa a consciência.

De certa forma, nós somos o Homem de Preto, que é revelado como William logo na primeira metade do episódio – uma escolha certa, visto que já era algo bastante óbvio, especialmente após The Well-Tempered Clavier. Ele procura o labirinto sem entender que esse não é destinado a ele. O labirinto é uma metáfora, mas sua obsessão não o permite enxergar isso. A revelação em si, por mais previsível que fosse, é certeira, aproveita toda a carga dramática existente entre ele e Dolores a fim de construir a ideia de uma triste queda: o bonzinho apaixonado se torna aquele frio empresário que não poupa qualquer esforço para conseguir o que quer. Toda essa beleza e a força da interpretação de Harris se solidifica com o sutil sorriso de William quando ele leva um tiro no final do capítulo: ele, enfim, conseguiu o que queria, a tal ponto que sua sobrevivência não importa – sua meta fora cumprida e seu arco chegou ao fim.

Da mesma forma o intrincado plano de Ford toma forma. O homem que demorou trinta e cinco anos para corrigir seus erros, enfim, consegue. Todo esse período ele esteve conduzindo suas criações, mas ele não pode levá-los até a saída, ele apenas pode mostrar o caminho. Como o filósofo que demonstra a saída da caverna, é preciso que aqueles que o seguem o façam por livre e espontânea vontade, caso contrário só irão substituir uma parede de ilusões por outra – eles precisam aprender a caminhar com as próprias pernas. O sacrifício de Robert representa não uma derrota, mas sua vitória final – ele cumpriu sua missão e não tem mais nada a fazer na Terra. Estamos falando quase de uma ascensão e sua figura conseguiu ser ainda mais mistificada através de sua morte, como Sócrates que opta pela cicuta, ao invés de partir para o exílio. Nolan sabiamente não mostra o cadáver do criador do parque, de tal forma que seu fim se torna simbólico e não um testemunho da mortalidade do homem.

Enquanto Dolores chegou ao fim de sua jornada pela consciência, Maeve ainda está no meio do caminho. Sem saber ela segue uma jornada programada e não admite que não se tornara independente. Será tudo obra de Ford? Ou de outro jogador desconhecido? Evidente que a resposta ainda não sabemos, mas, nesse ponto, ela não importa: o foco aqui está nesse caminho a ser trilhado – cada despertar leva a personagem mais para perto da mente bicameral. Joy e Nolan demonstram, em um único capítulo, os diferentes estágios dessa jornada, criando uma quadro completo dela. Em termos de roteiro, suas sequências funcionam a transmitir uma forte tensão no espectador, através da sensação de que tudo está fugindo do controle da Delos, nossas expectativas são constantemente quebradas.

Não podemos esquecer, também, das inúmeras homenagens prestadas pelo capítulo. A primeira e mais óbvia a Exterminador do Futuro, através de Armistice e Hector, que também criam um paralelo com Blade Runner mais do que evidente. Segundo temos uma menção nítida ao filme original, de Michael Crichton, através de Samurai World, mostrando que o parque que conhecemos ao longo desse ano é apenas um dos muitos controlados pela Delos. Se não se passa de um easter-egg ou veremos mais disso nos próximos anos não sabemos, mas ambos os caminhos nos deixam ansiosos pelo futuro do seriado.

Com The Bicameral Mind, a primeira temporada de Westworld é finalizada com chave de ouro, juntando todas as narrativas de forma coesa, coerente e profunda, nos fazendo mergulhar na mente humana através de uma não-linearidade única. Jonathan Nolan e Lisa Joy encerram um grande arco, nos entregando uma obra fechada em si própria, respondendo as grandes questões que permearam a temporada e deixando alguns pontos a serem seguidos no futuro, de tal forma que somos deixados satisfeitos com o que vimos e ansioso pelo que está por vir.

 Westworld – 1X10: The Bicameral Mind (EUA, 05 de dezembro de 2016)
Direção: Jonathan Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan, Lisa Joy
Elenco: Evan Rachel Wood, Thandie Newton, Jeffrey Wright, James Marsden, Ben Barnes, Ingrid Bolsø Berdal, Luke Hemsworth, Tessa Thompson, Sidse Babett Knudsen , Simon Quarterman, Angela Sarafyan, Rodrigo Santoro, Jimmi Simpson, Shannon Woodward, Ed Harris, Anthony Hopkins
Duração: 60 min.

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