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Crítica | Z (1968)

por Marcelo Sobrinho
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Os críticos do cinema político do grego Constantin Costa-Gavras sempre costumam ir direto ao mesmo ponto ao acusá-lo de ser excessivamente panfletário. Esse sempre foi o alvo de seus detratores, que insistiram em desmerecer sua produção desde o seu primeiro grande sucesso até seu mais recente trabalho – O Capital. De certo modo, seus opositores sempre tiveram razão. O cineasta homenageado no Festival Varilux de Cinema Francês de 2018 pelos 50 anos do lançamento de Z, a sua grande obra-prima, nunca escondeu impregnar seus filmes com seu pensamento ideológico. À esquerda do espectro político, Costa-Gavras sempre reafirmou a ideia de que, para ele, fazer cinema era fazer política. Sua obra sempre foi declaradamente engajada, o que já fica patente na abertura de seu filme de 1968, que começa afirmando: “qualquer semelhança com pessoas e eventos reais não é mera coincidência e sim intencional”. Denunciar o panfleto na obra do grego é repetir as palavras do próprio autor em tom pejorativo.

Eis aqui o grande erro de avaliação dos críticos sobre Costa-Gavras – ser panfletário nunca foi um defeito em seu cinema. Seria para qualquer cineasta mediano, que provavelmente não saberia defender tão bem quanto ele as suas ideias confessas por meio da arte. Mas isso o grego sempre fez muito bem. Pode-se discutir sua posição ideológica, mas não se pode negar a qualidade do instrumento que ele usa para defendê-la, isto é, o seu cinema. Em meio aos temas políticos espinhosos que encara em seus filmes, Costa-Gavras consegue entregar momentos inspirados e construir cenas antológicas, como a do cavalo branco que corre em disparada por uma avenida chilena, fugindo dos soldados de Pinochet, em Desaparecido, um Grande Mistério, ou a do prisioneiro cujas calças caem em tom de galhofa no meio do julgamento kafkiano de A Confissão. Nesse sentido, é possível que Z, suspense político baseado no assassinato real do deputado grego Grigoris Lambrakis, no ano de 1963, seja o melhor e mais farto exemplo de tudo isso.

Não se trata de um filme dado a sutilezas. Na verdade, Costa-Gavras nunca foi um cineasta dado a sutilezas. O discurso inicial, que poderia ter sido encerrado como uma metáfora, acaba sendo explicado e reiterado pelo próprio personagem. A comparação que se faz entre as ideologias oposicionistas e um fungo que atua como praga sobre um vinhedo é didaticamente esmiuçada. O diretor grego poderia deixar o trabalho (relativamente fácil) para o público. Mas não seria Costa-Gavras se assim o fizesse. Z faz questão de sublinhar o que diz e isso só não se torna um problema porque o diretor consegue compensar o fato com um roteiro e uma direção que beiram a perfeição. Sem atropelos, mas com uma cadência vigorosa, o longa-metragem vai revelando todas as artimanhas e os estratagemas dos bastidores do caso do deputado morto. Líder de um grupo que se opunha à intervenção americana na Grécia, ele acaba assassinado por extremistas de direita (chamados de “anticorpos” na metáfora biológica da abertura) e com o total beneplácito do governo.

O caso passa a ser investigado por um corajoso juiz (brilhantemente interpretado por Jean-Louis Trintignant), com a ajuda de um fotógrafo que havia registrado o momento do atropelamento. O que surge durante todo esse processo não surpreende nenhum espectador minimamente esclarecido sobre a sujidade que o poder é capaz de produzir. Ainda assim, Costa-Gavras é eficiente em impactar seu público ao exibi-la na grande tela. O grego entende como poucos como introduzir força às suas imagens e poder ao seu discurso. Sabe como inserir sua câmera tremulante nas ruas onde os grupos se enfrentam e onde a polícia reprime duramente os manifestantes. Sabe como evidenciar os ardis mais repugnantes de generais, policiais e outros poderosos, que tentam unicamente salvar a própria pele. Costa-Gavras não inventa a roda, mas é muito inteligente quando usa tantas vezes o dolly in e o zoom in para recomendar a atenção do público para a sordidez de seus vilões. Em Z, a dureza do relato é retirada de uma direção relativamente simples, mas que usa muito bem o repertório necessário.

A melhor cena do filme contém também certa dose de humor. Os responsáveis pela morte do deputado são indiciados pelo juiz de instrução e sua chegada é registrada por uma câmera bastante protocolar, que repete sempre os mesmos planos e movimentos. Ironicamente, como em um solenidade militar. A câmera começa enquadrando as numerosas insígnias na farda de cada general, enquanto a trilha sonora acompanha seus passos com uma fanfarra. A seguir, realiza um rápido travelling out, que expõe a vergonha de cada um frente ao assédio dos jornalistas. Corte seco para o gabinete do juiz, onde o acusado é tratado com a mesma formalidade dispensada a um réu comum (contrastando inteligentemente com o plano-detalhe das medalhas). A fanfarra militar retorna em um espirituoso j-cut, que mostra a saída transtornada do réu pelos mesmos corredores que havia percorrido. A sequência é simplesmente imperdível. Depõe os poderosos de seus tronos e os constrange como homens comuns – o cinema de Costa-Gavras vingando brilhantemente o caso de Grigor Lambrakis.

A homenagem do Festival Varilux de Cinema Francês de 2018 ao importante cineasta grego é mais do que justa. Z é um grande clássico do cinema político. Pode ser panfletário por defender abertamente suas ideias, mas Costa-Gavras em nenhum momento setoriza o mal. O mais alarmante é que a história parece totalmente repetível. Em qualquer país, tempo e cultura. Com protagonistas à esquerda ou à direita. Se há uma coisa que a obra-prima de Costa-Gavras não parece mesmo fazer é criar inocentes dentro do jogo político.

Z – França/Argélia, 1968
Direção: Constantin Costa-Gavras
Roteiro: Jorge Semprún, Vasilis Vasilikos
Elenco: Charles Denner, Irene Papas, Jean-Louis Trintignant, Yves Montand, Bernard Fresson, Clotilde Joanno, François Périer, Jacques Perrin, Pierre Dux, Renato Salvatori
Duração:  127 minutos

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