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Entenda Melhor | Giallo ou Quando a Itália Antecede o Slasher!

por Leonardo Campos
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Antes de Michael Myers atingir as suas vítimas com uma faca afiada, antes de Jason atacar jovens incautos pelas imediações de Crystal Lake e bem antes de Freddy Krueger aterrorizar o mundo onírico dos adolescentes da Elm Street, saiba que os italianos foram os responsáveis por estabelecer a fórmula do slasher, subgênero que nós cinéfilos tanto amamos. Mario Bava, Dario Argento, Lucio Fulci, Aldo Lado, Sergio Martino, Pupi Avati e Umberto Lenzi são alguns dos representantes do estilo cinematográfico que deu gás aos psicopatas mascarados estadunidenses entre os anos 1970 e 1980.

Mesmo que tenha encontrado ressonâncias nos anos 1970 e 1980 nos Estados Unidos e até mesmo na estrutura dramática de Seven – Os Sete Pecados Capitais, de David Fincher, o giallo hoje não é um gênero popular, mas uma referência forte na evolução do cinema enquanto linguagem, um ponto na linha histórica da sétima arte que, ao ser desvendado e analisado, preenche lacunas e explica alguns desdobramentos de uma arte coletiva que ecoa e se referencia ao redor do mundo, sempre se retroalimentando. Aos curiosos, Brian De Palma inspirou-se no estilo em seus primeiros filmes, bem como John Carpenter para a elaboração do enigmático Michael Myers.

Os historiadores do cinema apontam A Garota Que Sabia Demais, de Mario Bava, lançado em 1963, como o primeiro giallo. A trama que traça uma associação com o clássico O Homem Que Sabia Demais, de Alfred Hitchcock, estabelece algumas regras do estilo que foram calcificando-se ao passo que o gênero evoluía: um detetive a perseguir um misterioso assassino em série que só tem a sua identidade revelada ao final e geralmente usa luvas pretas de couro para cometer os seus peculiares crimes.

Cenas de perseguição antes da morte, mulheres seminuas ou com roupas sensuais e mortes violentas são a marca do giallo, concebidos como filmes que tratam o tema com mais estilo que as produções do subgênero slasher, mais apelativas e menos “artísticas”.  Olhando por esse ponto de vista, precisamos relativizar, pois mesmo que alguns conceitos do slasher sejam vagos, há algumas narrativas bem interessantes. O giallo hoje é cult, mas há alguns roteiros que são sofríveis em termos dramatúrgicos, com protagonistas e desempenhos dramáticos aberrantes, mas que sobreviveram ao tempo por conta da forma como estas histórias foram contadas, repletas de estilo por parte da equipe técnica. Diferentes das obras literárias que servem como ponto de referência, os filmes apelam para o erotismo e a nudez numa perspectiva excessiva.

Como o intelectual marxista Frederic Jameson aponta em suas considerações sobre estudos, diante de uma análise, é preciso “historicizar sempre”. Não há interesse, tampouco espaço, para esgotamento das narrativas do subgênero giallo, mas selecionei algumas produções que possuem os elementos básicos que inspiram os cineastas estadunidenses na criação dos seus psicopatas mascarados e sanguinolentos.

Em O Pássaro das Plumas de Cristal, estreia de Dario Argento, acompanhamos o escritor San Dalmas (Tony Musante) na investigação de um crime que a polícia não parece interessada em desvendar: uma bonita e misteriosa mulher assassinada violentamente por um psicopata igualmente misterioso. O problema é que durante a insistência em sua investigação, ele descobre que passou a fazer parte da lista sanguinária do assassino. A natureza investigativa pode ser um dos precedentes do perfil da sobrevivente no slasher, mulheres geralmente preocupadas em entender o passo a passo da situação a que foi submetida.

O cineasta também é conhecido por outras obras-primas do giallo, sendo Prelúdio para Matar outro marco em sua carreira.  No filme um pianista presencia o assassinato de uma mulher paranormal e como o protagonista de O Pássaro das Plumas de Cristal, passa a investigar o crime até descobrir que corre perigo. Há um rumor que aponta este filme como uma preocupação para Alfred Hitchcock, cineasta que após ter assistido a produção, alegou que “o jovem italiano estava começando a preocupá-lo”. Verdade ou mentira, uma coisa pode ser afirmada: as imagens enquadradas, iluminadas e movimentadas pelo filme parecem pinturas estilizadas pelos melhores pintores da história da arte, tamanho o virtuosismo da câmera e a qualidade das imagens dispostas para os espectadores.

Dirigido por Massimo Dallamano, também responsável pelo roteiro, O Que Vocês Fizeram a Solange? é um exemplar bem característico do giallo: uma figura misteriosa que se veste de maneira similar a um padre dizima jovens com a sua luva preta de couro. Com trilha sonora de Ennio Morricone, o filme traz um detetive durão, telefonemas misteriosos e gritos de pavor que tomam a tela e deixam o espectador atordoado diante dos crimes bastante violentos.

Em 1982, Sergio Martino assumiu a direção de Torso, giallo sobre uma figura misteriosa com máscara de esqui que mata mulheres incautas numa universidade. Inspiração para cineastas como Quentin Tarantino e Eli Roth, o filme nos revela um psicopata perturbado por traumas do passado. Em Tenebre, Dario Argento retorna ao giallo após alguns anos de afastamento para contar a história de um escritor que se torna alvo de uma investigação ao se encontrar numa situação peculiar: os crimes que acontecem na vida real ocorrem de acordo com a ordem dos assassinatos em seu livro. Rocambolesca, a trama trata, entre tantas questões, do velho debate sobre as possibilidades da ficção influenciar as pessoas a cometerem crimes.

Em O Esquartejador de Nova Iorque, Lucio Fulci flerta com o giallo e acrescenta alguns elementos de humor como ironia, pois o assassino de mulheres numa das maiores capitais dos Estados Unidos imita a voz do Pato Donald, famoso personagem da Disney. Perseguido por um detetive e uma psicanalista, o ceifador de corpos femininos não será desvendado antes de deixar um extenso rastro de sangue e violência.

Dentre tantos filmes, Mario Bava destaca-se pelo esteticamente bem sucedido Seis Mulheres para o Assassino. Com uso psicológico e expressivo do vermelho, a obra é um digno exemplar do giallo: estética barroca, elementos góticos e profusão de cores. Banho de Sangue, lançado em 1981 talvez seja um dos mais emblemáticos no que se refere aos elementos do subgênero slasher. Também conhecido como A Mansão da Morte no Brasil, o filme de Bava nos revela o assassinato de uma proprietária numa casa rodeada pela natureza exuberante. Ao passo que os possíveis herdeiros vão aparecendo, alguém muito interessado na propriedade começa a eliminar cada um, numa lista de cortes da concorrência que oferta ao espectador um rastro de sangue e violência bem inquietante. Este filme é muito comentado por conta das cenas de perseguição envolvendo a mulher como objeto do psicopata, algo que nos faz lembrar diversos trechos das franquias Halloween, Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo.

Um paralelo com Sexta-Feira 13 Parte 2 é inevitável. Há uma cena de assassinato duplo, com um casal relacionando-se sexualmente. Ambos são empalados por uma lança. A abordagem é a mesma, mas Banho de Sangue estreou 10 anos antes. Será mesmo que os produtores do segundo filme da série Sexta-Feira 13 elaboraram a morte por coincidência ou no processo estabeleceu-se o velho “plágio”, considerado por alguns como “homenagem” ou “referência”? Em Sexta-Feira 13 – Arquivos de Crystal Lake, de David Groove, um dos membros da equipe alega que ninguém sequer sabia da existência deste filme. Quem acredita?

O giallo, o slasher e outras ramificações: o giallo é a base estrutural do slasher. O seu nome significa “amarelo” em italiano, numa referência ao revestimento das capas de romances policiais italianos e também às revistas pulp publicadas na Itália desde a década de 1900, material produzido com papel barato, fabricado com polpa de celulose. Eram publicações que substituíam folhetins, dime novels e penny dreadfuls como uma das formas de entretenimento, considerado por especialistas como veloz e sem pretensões artísticas.

O giallo deu origem ao slasher, mas também é responsável pelo surgimento do splatter, subgênero conhecido por se concentrar na representação gráfica da violência, numa referência ao estado de vulnerabilidade do corpo humano e na teatralidade da mutilação, tendo Zombie – Despertar dos Mortos, de George A. Romero como um exemplo cabal. A trama do “mestre dos zumbis”, (cineasta que por sinal, cunhou o termo splatter para o seu filme) é uma narrativa repleta de críticas sociais e reflexões sobre os impactos negativos do sistema capitalista. Sanguinolenta e angustiante, a produção traz cenas de violência gráfica que fazem as mortes de Jogos Mortais parecerem coisa de amador.

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