Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | Espelho Partido – Tradição e Transformação do Documentário, de Silvio Da-Rin

Crítica | Espelho Partido – Tradição e Transformação do Documentário, de Silvio Da-Rin

por Luiz Santiago
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Todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário, como todos os grandes documentário tendem à ficção. (…) E quem opta a fundo por um encontra necessariamente o outro no fim do caminho.

Jean-Luc Godard

Espelho Partido, de Silvio Da-Rin, analisa o gênero documentário, de sua origem às novas tendências e modelos de produção. O livro parte da discussão do termo, trazendo da história a noção de documento para a sua aplicação no cinema, e desenvolve, da percepção do espectador à manufatura de um filme documentário, muitos aspectos ideológicos, estéticos e intencionais dos realizadores.

De Nanook do Norte ou Nanook, o Esquimó (Robert Flaherty, 1922) até A Matadeira (Jorge Furtado, 1994), Da-Rin nos expõe as características essenciais do gênero, suas principais correntes e realizadores, os impasses político-temporais, o desenvolvimento e usos da tecnologia, a construção, desconstrução e reconstrução de verdades insossas ou questionamentos de possibilidades nunca absolutas para se documentar. Trata-se, portanto, de um livro que não reifica a si mesmo e, no melhor estilo de equilíbrio entre teoria e práxis, o autor sustenta na escrita a sua visão de que só temos diante de nós reconstruções do real. Diferente dos livros-tese sobre cinema, Espelho Partido cumpre o papel de incitar o leitor à busca e exercitar a crítica em relação às “verdades” vistas nas telas.

O que é um documentário? Da-Rin nos leva pelo caminho das possibilidades, passando pelos verbetes do dicionário, pelas teses clássicas e negações absolutas quanto à existência desse tipo de filme. A não-conclusão é a de que um documentário, embora haja uma série de questões de forma e conteúdo muito específicas relacionadas a ele, é algo que deve ultrapassar o campo teórico e entrar para uma análise de métodos, material documentado e de percepção do espectador, a fim de que haja validade na designação do termo.

No mais, ainda segundo o autor, definir o que é um documentário é perder tempo. Ao aceitar determinado filme como pertencente ao gênero, cabe ao espectador crítico iniciar uma cadeia de pensamentos que vá além de depositários técnicos, niilismo pseudo-crítico ou endeusamento do material como suprema verdade. Como vemos, atrás de depoimentos, voz off, fotografias, filmes de época e inúmeros modelos de representação, inscreve-se uma vasta possibilidade de leituras e significados para esses filmes.

O que mais me chamou a atenção aqui foi a ampla filmografia citada e algumas particularidades de correntes e moldes que eu sequer havia ouvido falar. Foi com muito prazer que descobri um documentarista brasileiro chamado Arthur Omar, um vanguardista pouco conhecido que encabeça as raras produções não didático-expositivas dos documentários brasileiros “pré-Eduardo Coutinho”.

O interessante é que o autor parte do gênero quando ainda era apenas indicação (as produções dos Lumière, por exemplo) e chega ao ponto onde ele se torna questionador de si mesmo. Valendo-se das palavras de John Grierson, Da-Rin nos coloca três situações documentais: a dos cineastas que vão com uma câmera-martelo para transformar a realidade; a dos cineastas que vão com um câmera-espelho para refletir a realidade; e a dos cineastas que vão com o martelo no espelho, e dos cacos, constroem dispersas, parciais e questionáveis interpretações da realidade.

Espelho Partido é um livro de leitura fácil para cinéfilos, mas pode se tornar um enigma para aqueles que não conhecem pelo menos um pouco do Primeiro Cinema ou do próprio gênero em análise. Contudo, tanto na forma de escrita quanto no caminho usado para dar conta do que se destina a estudar, Silvio Da-Rin não dificulta em nada a compreensão dos conceitos do livro. O estudo do gênero que volta e meia ganha renovações e surtos de produção é uma leitura extremamente prazerosa, crítica e necessária. Ao término da obra, temos em mente mais perguntas do que respostas; somos impulsionados a pesquisar sobre os assuntos lidos e a ver e rever filmes já com um olhar mais aguçado. Neste ponto, o autor ganha mais uma batalha: a de estender o seu objeto de estudo para além das páginas da obra e tornar isso uma prática para o leitor e cinéfilo.

Espelho Partido – Tradição e Transformação do Documentário (Brasil, 2004)
Autor: Silvio Da-Rin
Editora: Azougue Editorial
248 páginas

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