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Plano Histórico #3 | Uma Introdução ao Cinema Sonoro

por Luiz Santiago
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O cinema nasceu mudo“.

Esta frase de amplo conhecimento popular é, no entanto, uma verdade perigosa. De fato, o cinema nasceu mudo, mas o espetáculo cinematográfico nunca foi silencioso. As imagens na tela não possuíam som, mas havia o acompanhamento do pianista ou da orquestra para cada filme projetado e, frequentemente, havia um comentador, cujo papel foi crucial para a definitiva “narração” do cinema. Com esse uso arbitrário da música e da voz, cada exibição era uma atração única. Com o forte desenvolvimento da narrativa linear (meados dos anos 1910) e o aumento progressivo da duração dos filmes, o papel do comentador perdeu importância. A montagem e os intertítulos permitiam maior controle dos realizadores sobre o filme, sendo a música o único item do espetáculo que lhes fugia ao poder.

Apesar de haverem muitas experiências sonoras no cinema antes de O Cantor de Jazz (1927), da Warner Bros., este é considerado o primeiro filme falado da história do cinema. A película, que apresenta gravações musicais e diálogos sobrepostos, contou com uma ampla distribuição da Warner o que tornou a novidade do som no cinema mais conhecida através da voz de Al Jolson do que das modestas experiências anteriores.
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Antes de O Cantor de Jazz

A ideia para uso do som no cinema é tão antiga quando a própria sétima arte. Já em 1888, antes mesmo da famosa projeção dos Lumière em Paris, Eadweard Muybridge discutia com Thomas Edison a possibilidade de gravar som para ser projetado juntamente com as imagens obtidas pelo zoopraxiscópio. D.W. Griffith também tentou trabalhar com a técnica do som (ruídos e sons do ambiente) em Lírio Partido e Dream Street. Muitos outros esforços nessa linha foram realizados durante os anos 1920, mas seu primeiro lançamento comercial aconteceu em agosto de 1926, no filme Don Juan, de Alan Crosland (mesmo diretor de O Cantor de Jazz, por sinal). Através do processo Vitaphone, a Warner fazia história com o primeiro filme de fato sonoro, com trilha sonora original sincronizada com efeitos do ambiente (a Fox seguiria o mesmo caminho em 1927, em Aurora, de F.W. Murnau, só que com um uso muitíssimo mais aprimorado dos sons — e também vozes). Mas não havia diálogos.

A verdadeira passagem aconteceu no ano seguinte, com o famoso O Cantor de Jazz, que, a rigor, não é um filme falado. Há apenas duas cenas em que ouvimos falas e todo o restante do filme, à exceção das canções + efeitos sonoros, é contado através de intertítulos. No entanto, a junção de todos esses elementos aconteceram pela primeira vez neste filme e, independente de ser uma experiência completa ou não, ela foi um marco definitivo e serviu de padrão para os outros estúdios e para a própria Warner investir na tecnologia.

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O Cinema Sonoro: Primeiros Momentos   

Em 1928, estreava Luzes de Nova York, este sim, o primeiro filme completamente falado da história do cinema. No mesmo ano (em 25 de dezembro) estrearia em Los Angeles o filme No Velho Arizona, o primeiro sonoro (e um western!) a ser gravado em locações. Muitos diretores e produtoras se dedicaram a fazer experimentos com a nova técnica e, assim, tivemos resultados primorosos e pioneiros em Alvorada do Amor (Ernst Lubitsch, 1929), Aleluia (King Vidor, 1929) e Aplausos (Rouben Mamoulian, 1929), este último, um verdadeiro revolucionário em termos de uso do som, com gravação em dois canais diferentes e mixagem sincronizada do resultado.

Na Inglaterra, o som chegaria em 1929, em um filme de Alfred Hitchcock, Chantagem e Confissão, inicialmente pensado como um filme mudo. Na França, os primeiros resultados importantes nesse ramo foram Les Trois Masques (André Hugon, 1929) — o primeiro filme francês falado –;  A Idade do Ouro (Luis Buñuel, 1930) e Sangue de um Poeta (Jean Cocteau, 1932), que não são, de fato, “falados” mas experimentam som de uma maneira muito interessante. Mas o primeiro diretor do país a entender e utilizar com maestria a nova tecnologia foi René Clair, com seus filmes Sob os Tetos de Paris (1930), O Milhão (1931) e A Nós a Liberdade (1931).

Com o evento do som, um novo Estúdio ganhou vida, o RKO, em 1928, e uma nova realidade se apresentava para o cinema. Em 1929, uma forte propaganda acompanhou o lançamento de Melodia da Broadway, o pioneiro dos musicais, Oscar de Melhor Filme naquele ano, que ostentava o slogan de ser o primeiro filme 100% falado, cantado e dançado.

O cinema sonoro pôs fim à carreira de diversos diretores e atores, ao passo que impulsionou a carreira de muitos outros, principalmente nos polos cinematográficos que detinham grande parte das produções sonoras: os Estúdios de Hollywood (EUA) e a UFA (Alemanha).

Em 1928, os cineastas soviéticos Sergei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin e Grigori Alexandrov publicaram uma declaração “sobre o futuro do cinema sonoro”, onde salientavam o perigo do uso naturalista do som dos objetos e da fala dos atores, e propunham um uso polifônico do som, apontando para o caminho da não-sincronização com as imagens, fator que, segundo os cineastas, não deixaria a peça visual como um elemento inerte, corroborado pela ilusão cada vez mais real proporcionada pelo som – o cinema deveria fazer pensar e não acomodar o pensamento.

No Oriente, o cinema sonoro produziu fascínio na Índia, cujos filmes dançantes da era muda poderiam agora ser acompanhados por instrumentos e cantos, recursos estruturais da cinematografia hindu. Em alguns casos, o som foi rejeitado no Oriente como forma de resistência ideológica à “invasão Ocidental”. No Japão, a abertura à nova tecnologia foi dada nos filmes de Yasujiro Ozu, Mikio Naruse e Kenji Mizoguchi, notáveis cineastas da época. Na China dos anos 1920, o cinema encontrava uma produção mais sólida, impulsionada após a queda da monarquia em 1911, e principalmente por Chiang Kai-Chek, cujo nacionalismo deu o tom de diversas películas – embora a boa qualidade artística do cinema chinês de então estivesse nos filmes desligados dos temas políticos. Xangai era então o único polo de produção de filmes na região, por isso, manteve sua conservadora linha operística pelo menos até a invasão da Manchúria, em 1931, que desencadeou uma série de obras boas e pessimistas. Logo após o início da II Guerra Mundial, Hong Kong se estabeleceu como um inovador polo do cinema cantonês, já com amplo uso do som.

No Brasil, os Ciclos Regionais não aguentaram por muito tempo a avalanche sonora de filmes estadunidenses e o cinema nacional viu-se praticamente paralisado. Em 1930, Adhemar Gonzaga fundou a Cinédia numa tentativa de enquadrar o cinema brasileiro em um sistema de estúdio cuja base era Hollywood. Apesar do molde externo, a intenção de Gonzaga era produzir um cinema genuinamente brasileiro.

Nos Estados Unidos, o som possibilitaria a afirmação de três grandes gêneros: o musical, o western e o filme de gângster. O musical cinematográfico é a junção de todos os elementos dos palcos da Broadway, da Ópera, do Vaudeville e do Balé. “Nascidos” nos amargos anos 1930, os musicais hollywoodianos serviam como válvula de escape para a sociedade massacrada pela Grande Depressão (1929), talvez, por ser um gênero que transita entre o sonho e a fantasia, lugares onde o mundo real e suas tragédias não podem chegar – muito mais do que qualquer outro gênero. Não nos esqueçamos que esse caráter de fuga pertence não só aos musicais, mas ao espetáculo cinematográfico como um todo. Anos depois, os musicais apresentariam temas seculares como a guerra, o assassinato, a repressão, etc.

Como uma febre muito mais contagiosa do que seria o technicolor, o som foi um dos responsáveis por reestruturar o cinema, dando o pontapé inicial para o aumento da indústria que já ao fim da primeira década do século XX, mostrava-se forte e bem cotada.

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